A morte de Wilson Fittipaldi Jr. na última sexta-feira (23) causou grande comoção no esporte brasileiro. Afinal, além de seu talento como piloto, Wilsinho liderou o projeto de uma equipe que já superou Ferrari, McLaren e Williams na Fórmula 1: a Fittipaldi Automotive, até hoje o único time de um construtor da América do Sul na categoria.
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Cansado de levar grandes quantias de patrocínio para equipes inglesas e não ter um carro competitivo, Wilsinho Fittipaldi, filho do Barão, irmão de Emerson e pai do piloto Christian Fittipaldi, capitaneou a ideia de fabricar no Brasil seu próprio F1.
Com exceção do motor Ford Cosworth (que equipava praticamente todas as equipes), câmbio e pneus, tudo era feito no País, incluindo mão de obra, oficinas mecânicas, tornos e até túnel de vento (localizado no CTA, em São José dos Campos, com importante apoio da Embraer).
Em uma época globalizada, pode soar estranho, mas este ousado projeto de concepção 100% nacional também começou com desenhos na prancheta de um engenheiro brasileiro: Ricardo Divila. Os Fittipaldi já produziam em sua oficina carros de corrida, mas a proporção de um F1 era obviamente um grande salto, abraçado pelo então projetista do clã.
Uma certa dose de improviso também era necessária: afinal, o túnel de vento era projetado para aviões, e não para carros, como hoje nos grandes times de F1, que constroem essas megaestruturas apenas para este fim. Foram gastos mais de 108 quilos de papel vegetal em milhares de desenhos (mais de 4.000 só da suspensão traseira, e nada de computador na época) para se chegar ao projeto do FD01 (Fittipaldi Divila 1).
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A estreia foi no dia 12 de janeiro de 1975, no GP da Argentina. Wilsinho largou em último entre os 23 carros do grid e ainda sofreu um acidente que obrigou uma epopeia para a sua reconstrução em tempo recorde para participar do GP Brasil, duas semanas depois.
Além de ser um dos mais belos do grid, com o desenho que se tornaria icônico, do beija-flor com o logotipo da Copersucar (cooperativa de produtores de açúcar que patrocinou a empreitada de 1975 a 1979), o FD01 tinha também outro apelo: suas linhas aerodinâmicas estavam bem à frente de seu tempo – e que hoje são adotadas pela F1, como a posição praticamente deitada do piloto e a frente “fina” do carro.
Não por acaso, o projetista mais famoso da categoria, Adrian Newey, responsável pela fase áurea de títulos da Williams nos anos 1990 e da Red Bull nos anos de Sebastian Vettel e Max Verstappen, teve seu começo na F1 justamente pela equipe brasileira.
“O Adrian (Newey) foi contratado por mim recém-saído da faculdade e depois, por recomendação dele ao Max Mosley, cheguei na direção técnica da equipe Ligier”, revelou certa vez Divila – morto em 2020 aos 74 anos –, citando sua passagem pela equipe francesa da F1.
O FD04 inclusive foi inspiração para o modelo de uma equipe que se tornaria campeã mundial, a Williams, como Patrick Head (chefe da Williams) confidenciou a Divila. Este carro foi usado nas temporadas de 1976 e 1977 (era comum as equipes de ponta usarem o mesmo chassi por mais de um ano).
E foi também o bólido da estreia do já consagrado bicampeão Emerson Fittipaldi em sua própria equipe. Aliás, foi uma decisão que chocou o automobilismo mundial, retratada de forma irreverente no filme “Rush”: James Hunt ganha a vaga de última hora na equipe McLaren depois da repentina saída de Emerson.
A chegada do bicampeão mundial aumentou a pressão e cobrança por resultados – era uma época em que o próprio regime militar fazia questão de pegar carona nos resultados esportivos para sustentar o “milagre econômico” do País. O fato é que, com Emerson ao volante, o time ganhou consistência e atingiu seus melhores resultados.
Ao todo, foram três pódios. Um em 1978, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, com Emerson em segundo lugar, para delírio da torcida local; e dois em 1980 (já com patrocínio da Skol), um com Keke Rosberg em Buenos Aires, na Argentina, e outro com Emerson em Long Beach (EUA), não por coincidência justamente no dia em que Nelson Piquet estava no topo do pódio, em primeiro lugar.
Estava, assim, garantida a sucessão do talento brasileiros nas pistas, que via ali o nascimento de um novo campeão e que depois seria sucedido por Ayrton Senna.
A Fittipaldi Automotive também deu chance a outros pilotos brasileiros, como Ingo Hoffmann, Chico Serra e Alex Dias Ribeiro – o italiano Arturo Merzario também pilotou para o time, além do já citado finlandês Rosberg. Mas as duras críticas ao time afastaram os patrocinadores e, assim, já para a temporada de 1983, os carros brasileiros deixaram de fazer parte do grid.
O legado da equipe brasileira, no entanto, vem sendo resgatado nos últimos anos, como o fato de ter superado times grandes já na época, como Ferrari, McLaren e Williams, além de três pódios, algo que muitas equipes hoje na F1, com muito mais estrutura, sonhariam em contar em seu currículo. Faltou pouco para uma vitória, e ela esteve próxima algumas vezes, incluindo um segundo lugar no GP Brasil de F1.
Mas é difícil imaginar num ambiente tão competitivo uma vida mais cheia de realizações do que a de Wilsinho Fittipaldi.
*Rodrigo França é repórter especializado em esporte a motor desde 1997. Em 25 temporadas, cobriu mais de 1.000 corridas de F1, Indy, Le Mans, Formula E, Nascar, Stock Car e Truck, acompanhando GPs em mais de 20 países diferentes. Também é autor do livro “Ayrton Senna e a Mídia Esportiva”, apresentador do programa “Momento Velocidade” na TV Gazeta e do canal Senna TV. Em 2023, cobriu 8 GPs da F1 por Forbes Motors.
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