Tenho de ser honesto. Deverá ganhar um Nobel o pesquisador que descobrir com 100% de certeza por que algumas pessoas, ainda que bebendo a mesma quantidade de bebidas alcoólicas que outras, tornam-se dependentes. Ainda que haja um componente genético para a dependência, só ele não dá conta de explicar por que algumas pessoas não conseguem largar mais as bebidas. Dois irmãos gêmeos, por exemplo, educados da mesma maneira, que foram expostos a um mesmo ambiente, que compartilham os mesmos genes, podem ter histórias de vida muito diferentes quando se trata do consumo de álcool.
O que nós sabemos – através de fortes evidências – é que, além dos genéticos, fatores biológicos, sociais e psicológicos favorecem a maior ou menor ingestão de álcool. A Medicina já sabe, por exemplo, que algumas pessoas têm mais enzimas no fígado capazes de metabolizar a bebida que tomam. Com isso, elas levam mais tempo para ficar embriagadas, ou seja, aguentam beber mais. E quanto maior a quantidade ingerida, maior as chances de ela se tornar dependente. Esse é um dos fatores biológicos envolvidos na dependência.
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Um outro exemplo de fator biológico foi descoberto mais recentemente. Parece haver genes e moléculas no cérebro de pessoas dependentes que contribuem para que elas não consigam frear o seu comportamento autodestrutivo. Porém, essa evidência é apenas indireta, já que o estudo foi feito em ratos.
Algumas pessoas recorrem ao álcool, um relaxante poderoso, porém de curtíssima duração, para conseguir enfrentar uma situação ruim em suas vidas, como um trauma, a perda de alguém querido e até um problema de saúde mental como é a depressão. Como o álcool é um péssimo remédio, cujo efeito só dura alguns poucos minutos, elas voltam a precisar dele para acalmar de novo. O uso contínuo e prolongado de bebidas como se elas fossem uma muleta capaz de ajudá-las a manterem-se de pé e a fugir da realidade em que vivem pode levar ao desenvolvimento do vício.
Quem se torna dependente já não consome mais porque é gostoso, mas porque na falta de uma bebida ela sente um grande desprazer. Para evitar essa sensação de ansiedade causada pela falta de álcool, ela consome ainda mais. Já não é mais um ato espontâneo, mas um ato para aliviar os sintomas de abstinência, entre eles os tremores e alucinações.
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A verdade é que o alcoolismo é resultado de uma combinação desses fatores. No entanto, algumas pessoas têm problemas com a bebida ainda que não tenham nenhum desses fatores de risco. Isso dá ideia de como é complexo esse tema. A dependência de álcool não discrimina. Ela afeta pessoas de todas as idades e classes sociais.
Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
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