No Brasil e no mundo, a área da saúde está mudando em ritmo acelerado. A evolução tecnológica sempre foi parte indissociável da história da medicina, mas o advento da tecnologia digital e, mais recentemente, dos usos da inteligência artificial (IA) no ambiente hospitalar abriram a oportunidade para mudanças verdadeiramente revolucionárias. É seguro dizer que a medicina dos próximos 30 ou 40 anos será muito diferente da que conhecemos hoje.
Mas como aproveitar plenamente o potencial da tecnologia, garantindo ao mesmo tempo a qualidade do serviço médico, bem como a segurança e a privacidade dos pacientes? Isso depende, em parte, do manejo de dados.
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Toda aplicação de IA, linha de frente da atual evolução tecnológica, depende de um enorme volume de dados para ser treinada. Por exemplo: se quisermos que um programa de computador seja capaz de identificar sinais precoces de determinado tipo de câncer, precisamos abastecê-lo com milhares de exames de imagem, a partir dos quais ele irá reconhecer padrões indicativos da doença.
Da mesma forma, se é consenso que a tecnologia digital pode tornar processos burocráticos mais eficientes, ou ainda agilizar a comunicação entre diferentes áreas e instituições, isso depende de algum grau de padronização dos dados digitais. Em termos práticos: hoje é possível que um hospital compartilhe com outro, de maneira instantânea, o histórico médico de um paciente, mas esses dados só terão utilidade se ambas as instituições adotarem os mesmos parâmetros em seus exames.
O “xis” da questão, portanto, é a interoperabilidade de dados. A tecnologia digital e a inteligência artificial podem ajudar na prevenção de doenças, agilizar diagnósticos e tornar o dia-a-dia das instituições de saúde mais prático, mas isso requer que os dados médicos, insumo essencial para o cuidado em saúde, deixem de estar fragmentados entre diferentes hospitais, consultórios, laboratórios. Na atual era digital, precisamos de informações cada vez mais padronizadas.
A saúde brasileira, tanto a pública quanto a privada, tem baixo nível de interoperabilidade informacional. Felizmente, há iniciativas em curso que buscam corrigir o problema. Em 2020, o Brasil começou a desenvolver sua Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), no âmbito do Conecte SUS. Espera-se que até 2028 a RNDS esteja ativa, funcionando como uma espécie de “plataforma de plataformas” de saúde, isto é, um ambiente virtual e seguro de compartilhamento de dados médicos, para que instituições de todo o país tenham acesso ao mesmo (extenso) banco de dados.
Isso não esgota o debate sobre qual medicina queremos para o futuro. O avanço de áreas como a robótica, a produção de novos medicamentos, o protagonismo que vem ganhando a chamada “medicina personalizada” (que engloba a produção de medicamentos específicos para cada paciente, baseados, por exemplo, em perfis genéticos), novos critérios de sustentabilidade para as instalações hospitalares – todos esses elementos pintam o quadro de uma medicina mais assertiva, mais precisa e com menor impacto ambiental.
Se o Brasil quiser participar de verdade dessas revoluções, é preciso criar um ambiente regulatório mais atrativo para investimentos em pesquisa e inovação e uma política séria de fomento ao complexo industrial da saúde. Um dado comparativo ilustra bem as desvantagens do nosso país: o tempo de espera médio para a concessão de uma patente em locais como Estados Unidos, Japão ou Suíça não passa de três anos. O Chile, nosso vizinho de América do Sul, demora 3,5 anos para avaliar pedidos de patente. A média de espera no Brasil é de onze anos.
A medicina do futuro será ainda mais intensiva em tecnologia. Logo, será impossível competir nesse novo contexto sem apostar pesado em inovação, em interoperabilidade de dados e em um ambiente regulatório capaz de atrair mais investimentos – todas condições necessárias para que a medicina brasileira realize um salto qualitativo.
Em 2025, gestores e instituições devem estar atentos a essas variáveis. São elas que irão decidir qual futuro – com mais ou menos tecnologia? – aguarda a medicina brasileira.
Claudio Lottenberg é mestre e doutor em oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp). É presidente do conselho do Hospital Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde.
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