
Era meados de 2015 quando as amigas australianas Chanel Melani e Sally Carter se permitiram sonhar com a ideia de subir a costa e abrir uma destilaria. Naquela época, o gim era a bebida artesanal da moda. Mas o negócio delas teria que ser de rum. Sally já tinha história com a bebida. Ela cresceu no interior da Austrália, em Nova Gales do Sul, uma região tradicionalmente associada ao consumo de rum, e serviu o Exército durante 11 anos.
Chanel, por sua vez, não precisou de história para mergulhar no negócio, ela estava completamente envolvida com a ideia. “Tenho paixão por derrubar barreiras e criar mudanças, e nós duas percebemos que o rum havia deixado as mulheres de lado”, diz. “Era uma bebida feita para homens, e sentimos que havia uma oportunidade de fazer algo mais inclusivo”. O universo respondeu.
Em menos de três meses depois de terem colocado o sonho em palavras, Sally recebeu uma proposta para liderar o setor de compras da Brookfarm, empresa australiana produtora de alimentos naturais e nutritivos, que também era dona da Cape Byron Distillery, uma destilaria artesanal localizada no extremo norte da costa de Nova Gales do Sul.
Elas se mudaram para o norte em 2016, para o posto mais ao sul da indústria de cana-de-açúcar da Austrália, que seria a fonte da matéria-prima delas. Mas o rum teve que esperar. “Para ser honesta, o sonho ficou em segundo plano”, diz Chanel. “As duas estavam no setor corporativo, tocando a vida. Tínhamos medo de dar o salto. Só em 2021 decidimos realmente apostar na ideia”.
Sally continuou trabalhando na Brookfarm enquanto Chanel deixou seu emprego em marketing digital e passou a se dedicar aos planos de negócio, fazendo pesquisas de mercado e reuniões com outras destilarias. “Nós duas estávamos muito conscientes de que o rum é uma categoria difícil, e o que estávamos nos propondo a fazer não era tarefa pequena”.
Elas fizeram a certificação nível 2 da Wine & Spirit Education Trust (WSET (WSET), uma das principais instituições de ensino no setor de bebidas alcoólicas, aprenderam como avaliar seu “fogo líquido” e provaram runs de todo o mundo para apurar o paladar e descobrir o que gostavam. “Pagamos consultores para nos treinarem. Depois, do ponto de vista de desenvolvimento de produto, uma vez que você aprende a fazer o produto, é preciso fazer testes até realmente chegar lá”.

O Birds of Isle é uma mistura de cinco runs venezuelanos envelhecidos entre dois e oito anos
Os australianos tradicionalmente preferem o estilo britânico de rum escuro e encorpado, feito em alambique. Chanel e Sally optaram por um estilo espanhol, leve e seco. “Achamos que era uma boa forma de apresentar o rum para quem é novo nessa categoria”, diz Chanel. Elas batizaram a bebida de Birds of Isle e lançaram em dezembro de 2023 – uma mistura de cinco runs venezuelanos envelhecidos entre dois e oito anos.
“Finalizamos em barris de vinhos fortificados do Vale Barossa, na nossa unidade em Murwillumbah [no extremo norte de New South Wales]”, afirma Chanel. “Deixamos envelhecendo ali por mais seis meses e, para trazer o terroir local, usamos castanhas bunya, que deixamos de molho no rum”. As castanhas são provenientes de uma araucária nativa do país.
Enquanto Sally e Chanel aguardavam a primeira leva fermentada e destilada por elas mesmas envelhecer por três anos em barris, o seu produto já estava nos bares de coquetéis de Brisbane, como o The Gresham e o Death & Taxes, além dos restaurantes NOMAD e Bennelong, em Sydney. Mas elas precisavam de capital para expandir e então lançaram uma rodada de captação de investimentos via crowdfunding ou financiamento coletivo.
Embora esse modelo de investimento já existisse na Austrália desde 2007, apenas em 2018 foi formalizado por lei — com a concessão de licenças para plataformas como Equitise, Birchal e OnMarket. Na semana anterior ao lançamento da campanha de Birds of Isle, a Prohibition Liquor Co, destilaria artesanal localizada em Adelaide, que desejava arrecadar US$ 450 mil (R$ 2,5 milhões na cotação atual), anunciou que havia conseguido US$ 2,7 milhões (R$ 15,3 milhões), com 1.183 investidores.
A divulgação do Birds of Isle tem se limitado a degustações, onde estereótipos sempre precisam ser superados. “Somos o rosto da marca e estamos ali, conversando com as pessoas individualmente, e sempre ouvimos: ‘Ah não, eu odeio rum.’ Sempre contam alguma história horrível, dizem que ainda não conseguem nem sentir o cheiro do Bundaberg [cidade australiana famosa pela produção de gin e rum], mas assim que explicamos que o nosso tem um sabor e aroma totalmente diferentes, elas topam experimentar e praticamente todo mundo diz que é totalmente diferente do que imaginavam que o rum poderia ser”, conta Chanel.
Agora, as empreendedoras estão à espera da ascensão do rum. Para elas, a bebida está trilhando os mesmos passos do gin, uma década antes, mas ainda não chegou lá. “Acho que todos os produtores de rum estão esperando desesperadamente pela nossa hora de brilhar. Para a Austrália também. A cana-de-açúcar é nossa segunda maior cultura de exportação, depois do trigo. E sempre dizemos que o rum poderia ser o uísque escocês da Austrália, porque temos muita matéria-prima aqui no quintal”, diz Chanel.
As mulheres dos destilados
Sally e Chanel estão cercadas por outras destilarias de rum. Há a Husk, em Tumbulgum, a Cape Byron Distillery e a Lord Byron Distillery, em Byron Bay [que também produz o gin da Margot Robbie, Papa Salt], e a Soltera Rum, de Keri Algar, em Cabarita Beach.
Há também a Hoochery Distillery, a mais antiga destilaria legal em operação contínua da Austrália Ocidental. Após a morte do fundador, Raymond Bernard ‘Spike’ Dessert III, em 2017, Kalyn Fletcher, sua filha, assumiu a empresa. A mestre destiladora da Hoochery é Margaret Lyons, e a maioria das funcionárias da empresa é formada por mulheres. “Sempre foi assim. Não sei por quê. Talvez eu apenas ache mais fácil de gerenciar”, diz Kalyn.
A receita não foi alterada após a morte de seu pai, mas o rótulo foi modernizado e o portfólio ganhou um gin para atender os turistas, que representam uma grande parte do público em Kununurra, no extremo nordeste do estado. Hoje, a Hoochery produz 190 mil litros de rum por ano.
Kalyn não percebeu um aumento de mulheres entrando no mercado de rum recentemente. “Mas definitivamente há uma mudança nas mulheres aproveitando o turismo gastronômico e o turismo rural em geral. As mulheres estão mais abertas a experimentar coisas novas e essa ideia de ‘beber melhor, beber menos’ tem sido boa para nós”, diz.
Além de Kalyn, uma nova geração de mulheres está transformando o futuro do rum australiano:
- Sarah Watson, chefe de inovação e de desenvolvimento líquido da Bundaberg Rum, é uma cientista escocesa que migrou para a Austrália para fazer um mestrado em virologia. Ela desenvolve novas versões da maior marca de rum do país e, em 2019, venceu um prêmio de melhor rum do mundo.
- Keri Algar — ex-jornalista — é fundadora solo e mestre destiladora da Soltera Rum, em Cabarita Beach, a apenas sete quilômetros de Pottsville.
Enquanto isso, o Women of Australian Distilling, coletivo fundado em 2014 para promover, incentivar e apoiar mulheres e pessoas de gênero diverso na indústria de destilados da Austrália, vem ampliando as oportunidades para mulheres nas áreas de destilação, blending e empreendedorismo.