
“Prazer” foi o que Miguel Ángel Reigosa sentiu ao dar seu primeiro gole de uísque aos 14 anos. Décadas depois, aquela sensação inicial se transformou no Museu Nacional do Uísque, ou Museo del Whisky, como é chamado. Ele foi reconhecido pelo Guinness Book como o maior do mundo, declarado “Local de Interesse Cultural”, com a importação de 140 rótulos exclusivos e um fluxo mensal de 4 mil visitantes. O museu fica na Argentina, em Buenos Aires, no bairro de Villa Urquiza.
“Tivemos uma oferta de Dubai para transferir a coleção. E ela ainda está de pé, mas sou teimoso e quero que a coleção permaneça no meu país”, conta Reigosa em entrevista à Forbes. A proposta foi de US$ 35 milhões (R$ 200 milhões na cotação atual) para instalá-la dentro de um hotel internacional. Ele também recebeu uma oferta milionária da França, mas recusou: “A paixão supera tudo o que é dinheiro”.
Um tesouro em cada vitrine
Entre as mais de 5.900 peças que compõem esse espaço, algumas se destacam pelo valor excepcional. “Temos um bourbon de 1780, uma peça única”, afirma Reigosa, estimando que o leilão dessa garrafa começa em US$ 50 mil (R$ 285 mil).
Suas vitrines também guardam uma das três garrafas destiladas especialmente para o primeiro voo transatlântico do Concorde. “Um americano apareceu quando eu dirigia o Café de los Incas e me disse: ‘falta uma garrafa’. Seis meses depois, ele voltou com ela embrulhada em jornal. Explicou: ‘Fui um dos tripulantes do primeiro voo transatlântico. Apenas 190 pessoas naquele voo receberam essa garrafa’. E uma está aqui”, relembra.
Outra peça de destaque é o Royal Salute 62 Gun, presente de Elizabeth II quando Reigosa foi convidado para seu aniversário em 2010. “Chegou o presidente da Pernod Ricard, Eduardo Otero, com sacolas, livros e fotos. Perguntei o que era tudo aquilo e ele me entregou o diploma de convite que tinha chegado para ele por engano”, recorda sobre o momento que marcou sua trajetória.
Indústria do Uísque em transformação
Enquanto isso, Reigosa observa mudanças profundas em 2025: “O mercado de uísque no âmbito local está um pouco em baixa. As empresas estão sofrendo, e muito. Quando me entrevistam no exterior e me perguntam quantos consumidores de uísque eu considero que há no meu país, digo que no máximo 2 mil”.
Esse fenômeno não é exclusivo da Argentina. “Não é que o mercado do uísque esteja ruim, o mercado de bebidas alcoólicas é que está ruim. E não só na Argentina, em nível mundial também está muito danificado”, diz ele. “As cervejas sem álcool estão em alta na Europa, considero que os jovens estão buscando muito as bebidas sem álcool”.
Paradoxalmente, “durante a pandemia houve uma virada econômica. A favor. Vendemos 16 mil caixas de uísque nesse período”, conta Reigosa, que comprou todo o estoque de oito franquias do interior do país para centralizar a operação. Sua visão antecipatória — se adiantou 15 dias ao fechamento oficial — foi um ponto de inflexão: “Ali eu pensei que estava apostando minha vida. Se desse certo, triunfaria, e se desse errado, quebraria. Era tudo ou nada, como foi toda a minha vida”.
Reigosa não evita a controvérsia quando fala sobre o mundo do uísque, especialmente sobre certas práticas de investimento. “Tem muita gente investindo em barris que ainda estão na destilaria. Assim que sai o new make, o primeiro destilado, colocam em um barril e te oferecem para venda como se já tivesse três anos. Sou convencido de que isso não está sendo feito da maneira correta”, critica.
“Recentemente houve uma fraude em que tiraram dinheiro de todo mundo e ninguém assumiu responsabilidade. Nisso eu não acredito”, afirma com firmeza. Sua filosofia é diferente: “Quando compro barris, vou à Escócia, provo os barris, verifico se têm 19 anos, ou 3, ou 7, e digo ‘engarrafem esse barril para mim’. Nisso eu acredito, porque já sei que têm a idade correta”.
Há alguns anos, Reigosa transformou seu conhecimento em uma oportunidade para investidores. “Em 2017, quando trouxe o Speymalt Macallan para a Argentina, ele custava 3.000 pesos (US$ 2,50) ao consumidor final. Hoje vale US$ 900 em qualquer lugar da Europa”, exemplifica.
Durante a quarentena obrigatória, organizou sessões virtuais para assessorar investidores em potencial: “Tinha 50 pessoas na tela e todo mundo começou a investir o que tinha. No final, nos agradeceram. Tem gente que está vivendo disso hoje”, afirma.
Em breve, o museu vai leiloar 2.900 garrafas repetidas de sua coleção, algumas exclusivas como Mortlach, e edições de 50 anos como Whyte & Mackay, The Glenlivet e Macphail’s. “Isso sim é ouro líquido”, garante. “Você guarda por alguns anos, depois vende, e vai triplicar de valor”.
Projetos e expansão
A próxima etapa para o museu é a expansão física com a casa ao lado, pendente de autorizações finais. Além disso, está consolidando sua presença regional: “Estamos representando a festa do Whisky Live em toda a América Latina. No dia 3 de maio temos uma grande festa em Ushuaia, depois no dia 15 de outubro estaremos em Bogotá, depois em Quito. É muito provável que façamos também em Mendoza, Calafate e na República Oriental do Uruguai”.
Também avança em colaborações com destilarias, como a mais recente com a Madoc para uma edição limitada de 904 garrafas em homenagem a todos os mortos na Guerra das Malvinas. “Em breve, graças à colaboração de um amigo íntimo, Hugo Dominguez e sua família, sairá um grande Single Malt argentino que levará meu sobrenome”, antecipa.
Apesar das milhares de garrafas — algumas extravagantes, outras impossíveis de se obter — há uma em particular que Miguel Reigosa valoriza mais do que qualquer outra: “A primeira que tomei com meu pai. Uma simples garrafa de Old Parr. Essa é a que tem mais valor”.