O dono de bar Arthur Santi serviu por vários anos aos seus clientes garrafas geladas de Skol, uma das marcas mais populares de cerveja do país e uma das principais da cervejaria Ambev.
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No ano passado, a rival Heineken fez uma oferta que Santi não pôde recusar. Ele estava abrindo um novo bar no mesmo bairro popular de São Paulo, e a cervejaria holandesa queria que seus produtos fossem oferecidos com destaque no novo empreendimento.
A Heineken pagou R$ 90 mil a Santi pelo compromisso de vender Heineken como sua única marca premium. A empresa também ofereceu a ele refrigeradores, mesas e cadeiras com o logo da companhia.
Bar por bar, a Heineken está lutando por uma fatia maior no terceiro maior mercado de cerveja do mundo, e tentando reduzir a dominância da Ambev no Brasil.
Enquanto o consumo de cerveja está estagnado na maior parte do mundo, ainda se prevê crescimento no consumo na maior economia da América Latina, o que tornou o Brasil um campo de batalha importante para as cervejarias globais.
A Heineken fez um grande movimento no ano passado com a compra das operações deficitárias da Kirin Holdings por US$ 1,2 bilhão. Com a transação, a empresa dobrou sua participação de mercado para quase 20%.
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Mas, para realmente afetar a Ambev, que ainda controla dois terços do mercado, a Heineken está atacando em várias frentes.
A companhia está investindo em marketing agressivo de seus produtos em bares, locais onde os brasileiros tomam quase metade da cerveja vendida no país.
E também está tentando reduzir os buracos em sua estratégia, tanto geograficamente quanto em portfólio de produtos, de acordo com entrevistas com vários executivos, analistas, consultores, distribuidores de bebidas e donos de bares.
A empresa está dando um especial destaque à região Nordeste, que concentra um terço da população do país. Embora seja uma das áreas mais pobres do Brasil, cidades importantes como Salvador, Fortaleza e Recife estão na região.
A Heineken também está focando no mercado chamado “mainstream”, de cervejas de faixa média de preço, segundo Marc Busain, que chefia a divisão das Américas.
Antes da aquisição da Kirin, a Heineken concentrava seu portfólio nas cervejas mais caras e mais baratas e tinha uma pequena oferta no segmento médio. Agora, a companhia planeja promover suas marcas “mainstream”, como Devassa e Amstel.
“Hoje temos um portfólio que nos permite atuar em todos os segmentos importantes no Brasil”, disse Busain. “Planejamos transformar o país em um dos maiores mercados da companhia.”
O duelo no Brasil é um microcosmo da briga global entre a controladora da Ambev, a Anheuser-Busch InBev, a maior cervejaria do mundo, com receita anual de US$ 56 bilhões, e a Heineken, a segunda maior, com faturamento de US$ 25 bilhões.
Mas se a Inbev está preocupada em perder a liderança no Brasil, o presidente-executivo, Carlos Brito, não demonstra. O carioca parecia pouco preocupado em uma entrevista coletiva em março, na qual descartou a Heineken como uma ameaça imediata à dominância de mercado de sua empresa.
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“A maior parte dos negócios deles hoje, considerando os volumes, estão nas cervejas mais baratas”, disse Brito. “Mas o processo ainda está muito no início.”
“SUB-REPRESENTADO”
O Brasil já é o maior mercado para a Heineken em volume de cerveja vendida, disse Busain em entrevista por telefone. Ele afirmou que a companhia espera que em dois ou três anos o Brasil gere lucros equivalentes aos do México e Vietnã, os mercados mais lucrativos para a empresa. Mas alguns analistas veem a previsão com ceticismo.
As margens da Heineken estarão sob pressão por conta de sua pequena participação de mercado, diz Andrew Holland, analista de bebidas do banco Société Générale, lembrando que as economias de escala em marketing, distribuição e compras só são obtidas por cervejarias com grandes volumes.
Ele acredita que o lucro operacional da Heineken no Brasil fique abaixo de metade do obtido no México e Vietnã em 2020. A Heineken ainda ocupa o segundo lugar nestes países, mas a diferença de participação em relação ao líder de mercado é muito menor do que no Brasil.
“O que eles estão fazendo é uma transição de ser um competidor de nicho no mercado para se tornar um concorrente com um portfólio completo, e o desafio agora é ganhar mercado”, disse Holland.
Para isso, a Heineken está apostando em ganhar consumidores na região Nordeste, onde o consumo per capita de cerveja é metade do que na região Sudeste.
Mas com a renda mais baixa nos Estados do Nordeste, de apenas US$ 4,5 mil por ano, nesses Estados a Heineken sofre a concorrência de cachaças, muitas delas produzidas informalmente. Algumas marcas são vendidas por até US$ 2 a garrafa de 1 litro.
“A cachaça é mais barata do que a cerveja, o que é uma loucura”, disse Didier Debrosse, o francês que preside a Heineken no Brasil há cinco anos.
Para atingir esses consumidores, a Heineken vem investindo no marketing de uma de suas marcas mais baratas, a Schin, adquirida da Kirin, na região. Um exemplo é o patrocínio do carnaval em Salvador, estimado em R$ 100 milhões desde 2015.
A empresa também está expandindo fábrica em Alagoinhas, na Bahia, para que ela passe a produzir um número maior de marcas de cerveja, que incluirá a Heineken, que até agora não era produzida na unidade. Também avalia reduzir o tamanho de garrafas na região para baixar preços, segundo o vice-presidente de vendas no país, Mauricio Giamellaro.
BATALHA COM A COCA-COLA FEMSA
Desde que a Heineken entrou no Brasil, em 2010, por meio da aquisição do negócio de cervejas da mexicana Femsa, seus produtos são distribuídos pela unidade engarrafadora da Femsa, a Coca-Cola Femsa.
A Heineken tentou no ano passado encerrar esse contrato, cujo vencimento é em 2022, para aprimorar seu próprio sistema de distribuição.
Mas a Associação Brasileira dos Fabricantes de Coca-Cola está questionando a decisão em um procedimento de arbitragem, sobre o qual nenhum dos dois lados faz nenhum comentário.
Apesar disso, a Heineken vem fazendo investimentos na expansão de sua rede de distribuição. Desde o ano passado, construiu seis novos centros de distribuição, em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Rio Grande do Norte e Goiás, elevando o número de centros no país para 29.
“O sistema de vendas precisa estar 100% focado em cerveja”, disse o presidente-executivo Jean-François van Boxmeer a acionistas este ano.
Enquanto isso, a Heineken continua a tentar conquistar donos de bares brasileiros, cujos frequentadores são responsáveis por 45% do consumo de cerveja no país.
Santi, o dono do bar em São Paulo, diz que seu primeiro estabelecimento na Mooca, bairro da capital paulista, deu tão certo que ele abriu um novo. A Heineken dessa vez contribuiu com R$ 50 mil em mobília.
“Eles nos ofereceram um bom acordo”, disse Santi. “Para nós faz muito mais sentido oferecer Heineken do que o concorrente.”