A cúpula da Vitol e Trafigura, tradings globais do setor de petróleo, sabia de um esquema de propina para obter contratos com a Petrobras, segundo a delação premiada de um intermediário das operações ilícitas investigadas pela força-tarefa da Lava Jato.
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De acordo com documentos inéditos obtidos pela Reuters, o operador financeiro Carlos Henrique Nogueira Herz afirmou ter atuado há alguns anos para facilitar supostos acordos entre funcionários da Petrobras e as gigantes Vitol e Trafigura.
A delação foi homologada na quinta-feira passada (29) pelo juiz federal Luiz Antonio Bonat, que substituiu o atual ministro da Justiça, Sergio Moro, no comando da Operação Lava Jato em Curitiba.
Em depoimentos prestados em agosto, Herz afirmou que importantes executivos, incluindo o presidente do conselho da Vitol, Ian Taylor, teriam conhecimento de milhões de dólares em subornos pagos a funcionários da Petrobras.
Segundo a delação, um parceiro comercial de Herz, Bo Ljungberg, atuava supostamente para viabilizar um esquema no qual a Vitol pagaria subornos aos funcionários da Petrobras em troca de informações confidenciais da estatal petrolífera.
Esses dados privilegiados, por sua vez, teriam dado à Vitol uma vantagem significativa sobre os concorrentes ao negociar combustível com a empresa estatal, de acordo com a delação.
Taylor estaria diretamente envolvido na negociação dos subornos, que variavam de US$ 0,10 a US$ 0,20 por barril de petróleo negociado entre as empresas, disse Herz.
O delator afirmou que essa operação envolveria milhões de barris de petróleo, gerando um considerável valor de propina – que era chamado no jargão de “delta”.
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Herz forneceu dezenas de páginas de e-mails e extratos bancários detalhando o esquema de propina como um todo.
No entanto, pelos documentos vistos pela Reuters, ele não forneceu evidências documentais ligando Taylor a uma conduta possivelmente ilegal, e a reportagem não pôde confirmar independentemente o envolvimento do presidente do conselho da Vitol.
Cidadão sueco radicado no Rio de Janeiro, Ljungberg foi indiciado pelas autoridades brasileiras em dezembro por facilitar os supostos pagamentos.
O delator disse que o sueco ficou pessoalmente próximo a Taylor e ficou a par das tratativas entre os dois nas conversas com Ljungberg, com quem ele era co-proprietário de várias empresas ativas no setor de comércio, de acordo com os documentos.
Em troca de e-mails, funcionários da Vitol e da Petrobras negociam o estabelecimento do que eles chamam de “canal especial” para negociações entre as empresas. Seria sabido pelos envolvidos que esse “canal especial” envolvia pagamento de propina. Os e-mails não incluem correspondência ou menções a Taylor.
Em um comunicado, a Vitol disse que “não seria apropriado comentar nesta fase, além de reiterar nossa política de tolerância zero em relação a suborno e corrupção e nossa política de cooperação total com as autoridades relevantes em todas as jurisdições em que operamos”.
A empresa não falou especificamente sobre Taylor, que também era presidente-executivo na época das supostas ilegalidades. Ele não respondeu a uma mensagem enviada pela Reuters.
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Ljungberg não respondeu às mensagens da Reuters solicitando comentários. Anteriormente, ele não respondeu aos pedidos de comentários da Reuters sobre as acusações que as autoridades brasileiras fizeram contra ele.
O acerto ilícito para pagamento de funcionários da Petrobras seria feito, de acordo com o delator, com o uso de empresas offshore. Ele disse que, apesar de ter atuado na operação, não recebeu a parte que lhe cabia no esquema.
IMPASSE
Em outro depoimento, Herz disse que os executivos da Trafigura, Claude Dauphin, então CEO, Mike Wainwright, o atual diretor operacional da Trafigura, e José Larocca, atual co-chefe do comércio de petróleo, sabiam das propinas pagas pela firma para funcionários da Petrobras.
Dezenas de e-mails apresentados por Herz na delação mostram funcionários da Petrobras e da Trafigura discutindo suposto pagamento de propinas.
Os executivos da Trafigura, Larocca e Dauphin, não estão incluídos nos e-mails. No entanto, Wainwright é copiado em pelo menos uma cadeia de e-mails, que faz referência a supostos pagamentos.
O operador financeiro disse ter assumido, após firmar um contrato fictício de consultoria, o papel de fazer os pagamentos da Trafigura, que eram repassados a doleiros e, por sua vez, alocados em offshores apontadas pelos beneficiários.
Em comunicado, a Trafigura afirmou não ter sido contatada pelas autoridades brasileiras em relação às afirmações feitas por Herz à Lava Jato.
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“Estamos analisando as informações disponíveis que parecem, em grande parte, repetir declarações feitas pelas autoridades brasileiras em dezembro de 2018”, disse.
“Qualquer sugestão de que a gerência atual da Trafigura sabia que seus pagamentos seriam usados para fazer pagamentos indevidos a funcionários da Petrobras não está correta”, completou.
A empresa não disponibilizou pessoalmente Wainwright e Larocca para fazer comentários. Dauphin, que deixou o cargo de CEO da Trafigura em 2014, morreu em 2015.
Um advogado de Herz não respondeu aos pedidos de comentários. Os escritórios do advogado não atenderam a vários telefonemas. Os procuradores da Lava Jato não fizeram um comentário imediato.
A Petrobras informou que iniciou investigações internas a partir da delação de Herz e afastou os funcionários nomeados de seus cargos atuais. “A Petrobras soube do depoimento de Carlos Herz e, imediatamente, iniciou investigações internas sobre o assunto”, afirmou a empresa.
OPERAÇÃO SEM LIMITES
A delação de Herz aumenta a aposta em uma investigação brasileira abrangente do setor do comércio de commodities, após a Lava Jato ter deflagrado no fim de 2018 a “Operação Sem Limites”.
De acordo com os documentos vistos pela Reuters, Herz trabalha no setor de comércio de commodities desde 1980, primeiro para a Glencore e depois para a Trafigura. Nos últimos anos, Herz fundou empresas de trading menores que se tornariam atores-chave na Operação Sem Limites, incluindo a Fonte Negócios e a Encom Trading.
A Reuters não conseguiu contato com essas duas tradings.
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Em dezembro, os procuradores afirmaram que as multinacionais europeias Vitol, Trafigura, Glencore e Mercuria Energy Group usavam intermediários para pagar pelo menos US$ 31 milhões em propinas aos funcionários da Petrobras para vender petróleo a preços abaixo do mercado ou ganhar acesso a informações privilegiadas que lhes deram uma vantagem ao negociar com a estatal brasileira.
É a mesma linha da acusação feita por Herz – profissional que disse ter atuado por décadas no setor – em sua delação fechada no mês passado.
As companhias, que controlam cerca de 10% do consumo diário de petróleo do mundo, têm dito que estão cooperando com as investigações. Todas enfatizaram seu compromisso com práticas éticas de negócios. Mercuria negou irregularidades. Glencore e Mercuria se recusaram a fornecer comentários adicionais para esta reportagem.
A operação Lava Jato já disse que esses subornos eram rotineiros entre pelo menos 2011 e 2014, mas podem ter ocorrido até 2018.
A apuração sobre irregularidades no mercado de commodities do petróleo é um braço da Lava Jato, iniciada em 2014, que derrubou dezenas de empresários e políticos.
O FBI, a Polícia Federal norte-americana, também investiga o esquema de corrupção envolvendo tradings, contando com a cooperação de um ex-funcionário da Petrobras. A Comissão de Comércio Futuro de Commodities dos EUA também solicitou documentos relacionados ao assunto da Petrobras.
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Vitol, Trafigura, Mercuria e Glencore têm investimentos em infraestrutura estratégica de energia e commodities em todo o mundo, inclusive no Brasil.
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