
O que antes era apenas uma pequena “cidade do interior” na região central da Califórnia, nos Estados Unidos, se tornou uma das regiões vinícolas mais badaladas para se visitar, além de registrar vendas nacionais de vinhos superiores à média do mercado. Essa é Paso Robles.
Grande parte desse sucesso se deve ao coletivo CAB de Paso Robles (PRCC), fundado em 2012 que promove a qualidade do cabernet sauvignon e das variedades tintas de Bordeaux produzidas na região. Composto por 28 vinícolas associadas, todas comprometidas em aprimorar constantemente suas práticas de cultivo e vinificação, o grupo ajudou a impulsionar os vinhos à base de Cabernet de Paso Robles ao topo dos rankings de vendas nos EUA.
“Em um relatório recente da NielsenIQ, os vinhos de Paso Robles cresceram 7% nas vendas no varejo nos últimos dois anos, enquanto o mercado como um todo teve uma queda de 8%”, diz Linda Sanpei, diretora executiva do PRCC.
Além disso, os vinhos cabernet sauvignon de Paso Robles com preço a partir de US$ 15 por garrafa tiveram um aumento de 12% nas vendas no varejo no mesmo período, enquanto todas as outras vendas de vinhos da Califórnia caíram 5%.
“Dados recentes da Circana, empresa global de análise de dados e inteligência de mercado, mostram que três dos seis cabernets mais vendidos em todas as faixas de preço são da denominação Paso Robles e membros do PRCC”, afirma Linda.
Ao mesmo tempo, o enoturismo em Paso Robles cresceu em 2024. Em contraste, outras regiões da Califórnia têm visto uma queda no turismo relacionado ao vinho, segundo a Community Benchmark, empresa que monitora as taxas de turismo em vinícolas nos EUA. Paso Robles se tornou tão popular que alguns turistas tentam manter o destino em segredo.
Mas como a região vinícola de Paso Robles alcançou resultados tão impressionantes em pouco mais de uma década? Alguns membros do coletivo CAB Paso Robles, entre eles, os proprietários das vinícolas Allegretto, Brecon, Chateau Margene, Copia, Glunz, High Camp e LXV, respondem.
O Terroir Único
Paso Robles está localizado entre San Francisco e Los Angeles, a apenas 21 quilômetros do Oceano Pacífico em linha reta. A região conta com um clima mediterrâneo seco e ensolarado, ideal para o cultivo de uvas, mas a brisa marítima fresca e o nevoeiro trazem um efeito de resfriamento à noite, criando grandes variações de temperatura entre o dia e a noite.
“Durante o dia pode chegar a 35 °C, mas à noite a temperatura cai para 13 °C”, explicou Matt Glunz, proprietário da Glunz Winery, especializada na produção artesanal de vinhos em pequenos lotes. “Isso gera uma acidez vibrante nas uvas, o que resulta em vinhos frescos e equilibrados”.
Outro aspecto único da região vinícola de Paso Robles é que ela está entre as poucas na Califórnia que realmente possui solos calcários e de calcário decomposto, que são encontrados em muitos dos grandes vinhedos da França e podem conferir frescor ao vinho e, às vezes, um toque de mineralidade.
“Acreditamos que os solos calcários ajudam nossos vinhos a ter um bom equilíbrio”, relatou Neeta Mittal, proprietária da LXV Winery, vinícola boutique reconhecida por sua abordagem de harmonização de vinhos com especiarias. “Eles contribuem para a retenção de acidez, o que é importante para equilibrar a fruta, o carvalho e o álcool em um vinho de alta qualidade”.
Esses solos são tão especiais que Damian Grindley, enólogo da Brecon Winery, especializada na produção de lotes pequenos, foi atraído para Paso Robles por esse motivo. “Estávamos procurando um lugar com solos calcários, e o fato de Paso Robles estar tão próximo do oceano e apresentar fortes variações de temperatura entre o dia e a noite torna a região ideal para o cultivo de cabernet e variedades de uvas de Bordeaux”, disse ele.
Esses produtores são respaldados por André Tchelistcheff, pai da viticultura moderna da Califórnia, oriundo do Napa Valley, que visitou Paso Robles no início dos anos 1960 e a descreveu como uma “joia de elementos ecológicos”, com solos semelhantes aos de Bordeaux e um clima ideal para o cultivo de uvas, com brisas marítimas frescas.
Hoje a região conta com 11 áreas vinícolas americanas (AVAs) e mais de 200 vinícolas. A maioria dos vinhedos possui certificação de sustentabilidade segundo os regulamentos do SIP, uma das certificações mais respeitadas de sustentabilidade para vinícolas e vinhedos nos EUA, e várias buscam certificações orgânicas e regenerativas.
Espírito Comunitário
Mas não é apenas o terroir especial que torna Paso Robles um excelente lugar para o cultivo de uvas cabernet. Um tema recorrente mencionado por todos os sete membros do PRCC foi o “espírito comunitário”.
A ideia do PRCC foi inicialmente proposta por Daniel Daou, coproprietário da vinícola DAOU. Com o sucesso fenomenal da marca e o desenvolvimento do Patrimony – o primeiro vinho de luxo verdadeiro de Paso Robles, com preço de US$ 300 (R$ 1.710) por garrafa e 98 pontos da Wine Advocate – Daniel quis compartilhar seu sucesso e ajudar outros na região.
Assim, ele trabalhou com a J. Lohr, Chateau Margene, Justin Vineyards e outros para criar o PRCC e convidou qualquer vinícola de Paso Robles seriamente comprometida em produzir vinhos de cabernet de alta qualidade a se juntar ao grupo.
“Como um dos veteranos de Paso, ajudei o Daniel a fundar o coletivo”, diz Michael Mooney, proprietário da Chateau Margene. “Nos concentramos em compartilhar métodos para elaborar um ótimo vinho, como técnicas de poda, manejo do dossel, envelhecimento em barricas e outras tecnologias de adega”. “É realmente como se todas as embarcações se elevassem com a maré. Todos trabalhamos juntos”, completou Matt Glunz, da Glunz Winery.
“Todos estão a uma ligação de distância”, disse Anita Sahi, coproprietária da vinícola Copia, junto com seu marido Varinder Sahi. “Se alguém tem uma dúvida sobre o vinhedo, fermentação ou blend, é só pegar o telefone que sempre tem alguém disposto a ajudar”.“Oferecemos seminários, workshops e sessões de degustação – tudo isso é um testemunho do espírito comunitário”, disse Neeta Mittal, da LXV.
“Paso é uma combinação de comunidade e excelência”, declarou Erin Barret Sparrow, representante da High Camp Winery. “Se algo quebra na nossa adega, os vizinhos ajudam.”
Mas o PRCC não se limita a fornecer educação e apoio para seus membros – eles também organizam eventos, como o CAB Camp, onde 40 sommeliers de todo o país são convidados a passar uma semana aprendendo a fazer cabernet sauvignon de alta qualidade. Eles também recebem membros da imprensa e do comércio, oferecendo visitas guiadas, degustações e informações sobre a região.
“Paso finalmente encontrou sua identidade”, afirmou Rory Longley, da vinícola Allegretto. “Somos sobre vinho, diversidade e comunidade. Há algo aqui para todos. E o crescimento da distribuição nacional dos nossos cabernets tem trazido visibilidade à região”.

Paso Roble tem um cima ideal para o cultivo de uvas, com brisas marítimas frescas
Perfis de 7 Vinhos do Coletivo Paso
O nível de qualidade de muitos desses vinhos é surpreendente, com excelente concentração, equilíbrio, persistência e complexidade. Paso Robles finalmente alcançou seu potencial. Veja a seguir os perfis de degustação dos vinhos.
1. Allegretto 2020 Cabernet Sauvignon, Willow Creek Vineyard, Paso Robles
Com uma coloração opaca entre rubi e preto, este vinho se abre com um nariz complexo de amora-silvestre, ameixa-preta, madeira de sândalo e um toque de ferro. No paladar, é rico e aveludado, com sabores de cranberry, anis, pimenta-da-jamaica, carvalho tostado, tabaco, chão de floresta e uma pitada de pimenta-do-reino.
É muito bem equilibrado, com fruta exuberante, acidez viva, taninos elegantes e carvalho bem integrado, finalizando com um longo e concentrado final. Tem uma energia vibrante e alegre, com uma complexidade intrigante – um verdadeiro agrado para todos. Teor alcoólico de 14,5%; 70% de carvalho francês novo; pronto para beber agora, mas pode envelhecer facilmente de 8 a 10 anos. Vibrante e complexo, o Allegretto custa US$ 70 (R$ 399).
2. Brecon 2022 Reserve Cabernet Sauvignon, Adelaida, Paso Robles
Se você prefere um estilo mais leve e elegante de cabernet, este vinho de US$ 99 (R$ 564,30) entrega. Com uma cor rubi escura brilhante, apresenta aromas clássicos de cereja-preta, cassis e terra de vaso. No paladar, traz notas de amora, orégano, pimenta, terra e especiarias natalinas, envolvidas em taninos elegantes.
O vinho é bem equilibrado, com intensidade moderada e carvalho discreto, encerrando com um final longo. Produzido a partir de um raro vinhedo histórico de cabernet com mais de 50 anos, recentemente certificado pela Historic Vineyard Society. Teor alcoólico de 14,8%. Pronto para beber agora, mas também pode envelhecer entre 8 e 10 anos.
3. Chateau Margene 2020 Cabernet Sauvignon Stella’s Vineyard, Paso Robles
Para os fãs dos Bordeaux clássicos, este é o vinho de Paso ideal. Apresenta cor vermelha escura opaca e aromas clássicos de cassis, com toques de mirtilo e cacau.
No paladar, o vinho de US$ 110 (R$ 627) oferece um caleidoscópio de sabores: começa com amora-silvestre e ameixa-preta, evoluindo para pimenta-da-jamaica, cravo, notas salgadas de carne, chá-preto, chão de floresta e um leve toque salino mineral. É um vinho grande, sedutor e complexo, com concentração intensa, taninos firmes, acidez vibrante, carvalho bem integrado e um final muito longo. Pronto para beber, mas pode ser envelhecido de 12 a 15 anos. Teor alcoólico de 13,8%.
4. Copia 2021 Cabernet Sauvignon, Paso Robles – Rico, Concentrado e Sofisticado
Com profundidade opaca entre vermelho e preto, este vinho de US$ 85 (R$ 484) se abre com aromas sedutores de cassis, pimenta-da-jamaica, ameixa-preta, menta e terra. No paladar, surgem sabores de amora, cereja-preta, anis, azeitona-preta e grafite, envoltos em taninos concentrados e aveludados.
Muito bem equilibrado, com carvalho tostado bem integrado, acidez fresca e um final extremamente longo. O aroma e sabor remetem a algo caro, rico e sofisticado. Teor alcoólico de 14,8%, envelhecido por 20 meses em 75% de carvalho francês novo. Pronto para beber agora e por mais 12 a 15 anos.
5. Glunz Family 2021 Paso Reserve 1888 Cabernet
Batizado de 1888 em homenagem ao ano em que a família Glunz abriu uma loja de vinhos em Chicago, este cabernet de US$ 65 (R$ 370) oferece uma cor entre rubi escuro e preto, seguida por aromas de amora madura, ameixa e pimenta-da-jamaica.
No paladar, surgem notas adicionais de amora-silvestre, cravo, torrada e um leve toque terroso. Muito denso, com taninos aveludados e suaves, apresenta excelente intensidade, complexidade moderada e um final bem aquecido. É um vinho grande e satisfatório. Teor alcoólico de 15,5%; envelhecido por 22 meses em carvalho francês novo. Pronto para beber agora, mas pode envelhecer de 8 a 10 anos.
6. LXV Meso 2021 Cabernet Sauvignon, Gateway Vineyard, Paso Robles
Cor preto-obsidiana, com aromas de cassis, amora, terra, canela e um toque de mocha. Paladar muito complexo, com notas de torrada, mirtilo, alcaçuz preto, grafite e chão de floresta. Corpo voluptuoso com carvalho francês de baunilha bem integrado, acidez média-alta e taninos finos.
Excelente equilíbrio, intensidade incrível e final extremamente longo e rico. Sofisticado e magnífico. Teor alcoólico de 14,2%; envelhecido por 21 meses em carvalho francês. Este vinho de US$ 150 (R$ 855) pode ser apreciado agora ou pelos próximos 20 anos.
7. Tres Coyotes High Camp Winery 2023 Red Blend, Paso Robles
Cor rubi escura cintilante, com um nariz encantador de amora madura, cassis e pimenta-da-jamaica, com um toque de chão de floresta. O vinho de US$ 45 (R$ 256) é muito especiado no paladar, com notas de cravo, pimenta, orégano, frutas vermelhas, cereja ácida e romã.
Muito quente e frutado, com taninos grandes e suaves, e complexidade moderada. Feito de uma mistura incomum de cabernet sauvignon, cabernet franc e a rara uva cabernet Pfeffer. Esta última é considerada uma criação de William Pfeffer, em Los Altos Hills, que teria cruzado cabernet sauvignon com trousseau. Teor alcoólico de 15%; envelhecido em 20% de carvalho francês novo. Pronto para beber agora e nos próximos 3 a 5 anos.
* Liz Thach é colaboradora da Forbes EUA, onde escreve sobre estratégia global de negócios de vinhos, marketing e histórias de estilo de vida de vinhos.