“Eu fico chocado e quem nos conhece desde o começo do negócio também fica”, responde o empreendedor americano Jerry Greenfield, 63 anos, ao ser questionado sobre a proporção que tomou a pequena sorveteria fundada ao lado do amigo Ben Cohen, em 1978, na pacata Burlington, no estado americano de Vermont (o segundo menor dos EUA). O negócio, na época aparentemente irrelevante, nasceu após a dupla fazer um curso de produção de sorvetes por correspondência por apenas US$ 5.
Hoje, a Ben & Jerry’s é uma das maiores marcas de sorvetes do mundo e a grande rival da nova-iorquina Häagen-Dazs nos refrigeradores de supermercados e lojas de conveniência dos Estados Unidos. Esses pontos de vendas, vale explicar, respondem por 90% da receita (não divulgada) da Ben & Jerry’s, que tem ainda 600 sorveterias espalhadas por 33 países – e a maior acaba de ser aberta na Rua Oscar Freire, em São Paulo, com dois andares e capacidade para 80 pessoas sentadas. “Somos extremamente bem-sucedidos em países maduros. Agora, no entanto, acredito que o Brasil será um grande mercado para nós em dez anos. Chegamos ao seu mercado pensando não só em negócios, mas em alastrar nosso conceito de missão social”, afirma o CEO Jostein Solheim.
Famosa pelos generosos pedaços de chocolates, cookies, brownies e cerejas presentes em seus sorvetes e também pelos sabores inusitados e nomes divertidos como Cherry Garcia, Hazed & Confused, Lazy Sunday, Chocolate Therapy e Karamel Sutra Core, a marca hoje pertencente à anglo-holandesa Unilever conseguiu crescer fazendo algo ainda mítico no universo capitalista: promover o que ela chama de “social mission”. Na prática, isso significa garantir que seus fornecedores, a exemplo das fazendas fornecedoras de leite, tratem realmente bem seus animais e recebam decentemente por cada litro vendido. É a ideia de prosperidade vinculada.
Em visita à sede da companhia, FORBES Brasil foi apresentada a várias tabelas e gráficos que demonstraram, em muitos casos, pagamentos superiores aos valores de mercado de commodities como leite, açúcar e café. Isso talvez explique a relação antiga entre a fabricante e muitos de seus fornecedores. Em itens de maior valor agregado, como os cookies da empresa familiar Rhino, que compõem o primeiro e o terceiro sabores mais vendidos da marca – Half Baked e Chocolate Chip Cookie Dough –, a relação também é de ganha-ganha. A Rhino e seus biscoitos cresceram muito com a Ben & Jerry’s. Já os brownies usados nos sorvetes da marca vêm da nova-iorquina Greystone, que também fornece bolos para a Casa Branca e ficou conhecida nos Estados Unidos por contratar pessoas renegadas pela sociedade como ex-traficantes de drogas e ex-presidiários.
O que fica claro ao visitar as instalações da Ben & Jerry’s é que a companhia busca produzir o melhor sorvete possível (e não o mais barato), o que a insere na categoria de produtos premium. “Sinceramente, se alguém tentar copiar o nosso sorvete, poderá conseguir. Já copiar o nosso modelo de negócios não é tão fácil assim, pois é algo muito genuíno. Eu e o Ben somos amigos há mais de 50 anos, nos conhecemos nas aulas de ginástica, pois éramos as duas crianças mais gordas e lentas do grupo, mas conseguimos construir algo realmente muito diferente e verdadeiro”, afirma o cofundador. “É claro que buscamos fazer o sorvete mais gostoso e da mais alta qualidade, mas jamais abriremos mão da nossa missão social.” Daí vem a frase “vaquinhas felizes fazem um sorvete melhor” que a companhia tanto prega.
Embora a missão social da Ben & Jerry’s soe como um apelo de marketing, ela parece refletir bem o estilo do cofundador Jerry. De jeans e camiseta sem grife, um sorriso constante no rosto (tanto em Burlington quanto em São Paulo) e sua mania simpática de dar um abraço de urso em todos que conhece, Greenfield poderia passar seus dias pedalando pela Toscana ou navegando pelas ilhas gregas. Em 2000, a dupla vendeu o negócio para a Unilever por US$ 320 milhões. Mesmo assim, ambos continuam morando em Vermont. Embora não tenham mais cargos executivos na companhia, atuam como cofundadores. “Ben é o cara que pensa fora da caixa, enquanto eu sou o que só consigo pensar dentro da caixa. Dê-me uma caixa e serei o melhor nela”, brinca.
Agora, o desafio, é tornar a Ben & Jerry’s uma marca forte no Brasil. Tarefa que não será fácil. Além da concorrente de Nova York, ela chega ao país em um momento de disseminação das gelaterias italianas. São tantas na região dos Jardins quanto nos shoppings. Conta a favor da marca americana a paixão de muitos brasileiros por criações da terra do tio Sam. Entre os viajados, Ben & Jerry’s não é uma desconhecida. Com 50 sabores em linha nos Estados Unidos – fora os sazonais —, a Unilever escolheu trazer 16 ao Brasil. Entre eles, Cherry Garcia, Chocolate Chip Cookie Dough e Strawberry Cheesecake, além de sorbets, shakes, bolos de sorvete, café e seus tradicionais cones de waffle. A bola custa R$ 10, duas saem por R$ 14 e três, por R$ 17. O sorvete é importado dos Estados Unidos. O CEO não fala em produção local no momento, mas o assunto não está descartado para o futuro.
Até porque abrir mais scoop stores (sorveterias) não é o único objetivo da Unilever. Assim como nos Estados Unidos, em um segundo momento, a Ben & Jerry´s deve aproveitar os contatos no varejo brasileiro e a forte cadeia logística refrigerada de sua controladora, hoje detentora de Kibon e Magnum, para desembarcar nos refrigerados de empórios e supermercados. A oportunidade é boa: embora a concorrência seja grande, o movimentado mercado brasileiro de sorvetes que fatura por volta de US$ 12 bilhões por ano, segundo Katia Ambrósio, diretora de sorvetes da Unilever.
O Brasil, por sua vez, é a segunda maior em operações de sorvetes da Unilever no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Anteriormente, o país era o terceiro, atrás da Itália. “O consumo per capita de 6 litros por ano ainda é baixo se você comparar com os Estados Unidos, onde cada cidadão saboreia 20 litros per capita por ano. Mas está crescendo”, explica Katia.