Se você quer que as pessoas comprem sua mercadoria, a primeira providência é torná-la inteligível para elas. Isso não é problema em se tratando de bens como carros ou roupas, que todos sabem ser necessários e desejam; mas, no caso de algo como um seguro, as coisas não são tão simples. Quem contrata um almeja, sobretudo, jamais ter de usar a garantia que adquiriu. Além disso, gasta-se dinheiro em troca, geralmente, de algumas folhas de papel (ou seja, de um contrato) repletas de termos de difícil compreensão, e só. Pois a BB Mapfre resolveu romper com essa lógica de distanciamento perante o usuário e vai vender seus produtos em gôndolas de casas de varejo e por meio de vending machines (aquelas máquinas nas quais se pega, por exemplo, um refrigerante). É o consumo de massa chegando, enfim, a uma das áreas (seguros) mais tecnicamente complexas do setor financeiro.
“Essa iniciativa nasce de um exercício que estamos levando a cabo desde 2009 no sentido de tornar nossos produtos assimiláveis, acessíveis aos clientes”, conta Marcos Eduardo Ferreira, presidente da BB Mapfre para as áreas de automóvel, seguros gerais e affinities. “Na época convocamos psicólogos, arquitetos de marca, antropólogos e outros profissionais e lhes demos uma missão: reformular a linguagem que usávamos, tornando-a mais amigável. O projeto chamava-se ‘Traduzindo o Segurês’ e rendeu cartilhas, site e uma mudança completa na forma como nossos contratos eram redigidos”, acrescenta. A iniciativa foi, por sinal, premiada em 2013 pela americana DMA, maior organização voltada ao marketing direto no mundo.
A ideia de vender seguros em supermercados, shoppings e lojas de departamento surgiu como uma evolução desse projeto. Após tornar simples e claros os termos das apólices de seguros, explica Ferreira, nada mais lógico do que fazer o mesmo com a forma como elas são adquiridas. Portanto, a partir de janeiro de 2015 a empresa colocará no varejo pequenas caixas (batizadas de gift cards) parecidas com embalagens de DVDs, as quais conterão um código que, 24 horas após digitado em um site da seguradora, deixará a residência do comprador do item protegida pela empresa. O produto será vendido a três preços: R$ 60, R$ 75 ou R$ 85. Será a primeira vez no Brasil que se tenta algo assim. Aliás, na Espanha também jamais se vendeu seguros dessa forma. Brasil e Espanha são, justamente, os países de origem das empresas criadoras da BB Mapfre.
A companhia é resultado da soma de forças entre a seguradora espanhola Mapfre e o Banco do Brasil, por meio de sua subsidiária BB Seguros. Na metade de 2010, ambas optaram por criar duas holdings, cada uma voltada a áreas específicas desse mercado; juntas, elas compõem a BB Mapfre. Ferreira, egresso da Mapfre, cuida de seguros automotivos, gerais e os chamados affinities (apólices fornecidas por empresas a seus funcionários). Já seu colega Roberto Barroso, vindo do Banco do Brasil, responde por seguros pessoais, rurais e imobiliários. O grupo conta com 36 milhões de clientes e obteve R$ 11,9 bi- lhões de faturamento de janeiro a setembro de 2014 (crescimento de 15,6% sobre o mesmo período de 2013).
Seguros, no Brasil, são uma indústria que vem crescendo quase ininterruptamente há dez anos. Acredita-se que em 2017 ela possa chegar a representar cerca de 4,39% do PIB nacional (hoje corresponde a 3,76%). Em 2013 o setor faturou no país R$ 177,6 bilhões (13% a mais do que em 2012, sem contar operações de seguro saúde). Espaço para expandir-se não falta: nada menos que 58% dos automóveis nacionais não estão protegidos, por exemplo. Além disso, 88% dos brasileiros ainda não contam com seguro de vida, e 95% das residências nas quais estes moram não são cobertas por seguro habitacional. A região Nordeste tem somente 14% das apólices do país, ao passo que o Sudeste concentra 60% delas.
Já na Espanha, terra natal da Mapfre, a realidade do setor guarda diferenças com a nossa. É o que conta María Luisa Castelo Marín, que fez toda sua carreira na área e hoje é diretora-executiva da Câmara Espanhola de Comércio no Brasil. “Por aqui as seguradoras têm mais possibilidades de ofertas de serviços, e isso acaba por ser decisivo quando se compara o desempenho dessas empresas no Brasil e na Espanha”, observa ela. “Além de um óbvio volume diferenciado, devido à sua população, o Brasil possui demandas em seguros muito amplas, enquanto na Espanha elas são restritas a campos mais comuns como imóveis, veículos, vida e comercial. No Brasil podemos apontar como ponto forte o contínuo crescimento das oportunidades de oferta de serviços, cada vez mais completos e personalizados. Por outro lado, a burocracia que cerca o desenvolvimento de negócios no país é um obstáculo relevante para a indústria de seguros”, completa María Luisa.
E, de fato, é no desenvolvimento de produtos inovadores que a BB Mapfre aposta para crescer. Tal estratégia, em um ramo por natureza conservador como o securitário, não é comum, mas é a que mais pode render frutos, crê Ferreira. “As pessoas em geral não percebem que precisam de proteção. No Brasil isso é bastante forte. Muitos só fazem o primeiro seguro quando conseguem comprar um carro zero. Outros, só quando têm o primeiro filho. Temos de ser ousados se quisermos mudar essa cultura de indiferença ao setor”, observa ele. Dentro de tal estratégia, outra medida da companhia foi a celebração em novembro de uma parceria com a Fundação Habitacional do Exército (FHE) visando a comercialização de seguros de vida específicos para militares. E o recente lançamento de um seguro residencial com proteção para o carro, obras de arte e até mesmo para a atividade de home office (trabalho em casa). E, em 2013, a BB Mapfre lançou um seguro que cobre festas de casamento, formaturas, aniversários e bodas.
Criatividade, por sinal, é algo que não faltou ao longo da vida de Ferreira. Nem poderia; nascido em uma família de classe média de Ribeirão Pires, pequena cidade da região metropolitana da capital paulista, teve de começar a estagiar em uma metalúrgica ainda adolescente para bancar os estudos. De lá saiu para trabalhar, surpreendentemente, em um… programa de TV. “Surgiu uma vaga e virei freelancer da então TVS, hoje SBT. Ajudava em uma atração deles, chamada A Mulher É um Show”, conta, sorrindo. Mas os horários das gravações o estavam prejudicando na faculdade de contabilidade (depois, também se formaria em economia), e ele foi trabalhar como auditor no Itaú.
“No começo de 1986 veio o Plano Cruzado. De uma hora para outra, a demanda por todo tipo de produto explodiu no Brasil. Achei que era a hora ideal para começar um negócio próprio”, lembra Ferreira. Abriu uma revendedora de madeira em sua cidade natal, mas dois anos depois achou melhor vender sua parte na empresa e voltar ao mundo corporativo. Empregou-se novamente como auditor no setor bancário (desta vez, no Unibanco) até ser chamado para trabalhar, em 1989, na Vera Cruz Seguradora por um amigo que lá atuava. Em 1992 a Vera Cruz foi comprada pela Mapfre; em 2005, esta mesma Mapfre uniu-se à estatal paulista Nossa Caixa e, juntas, criaram a Mapfre Nossa Caixa. Ferreira foi então nomeado presidente da nova empresa. Quando, em novembro de 2008, o Banco do Brasil comprou a instituição paulista, começaram as negociações para o surgimento da BB Mapfre, o que se deu em junho de 2010. Desde então o executivo (hoje com 50 anos) é um dos líderes da companhia.
“Houve um tempo, quando era auditor e fazia faculdade, em que eu morava em Ribeirão Pires, estudava em outra cidade – Santo André – e trabalhava em uma terceira, São Paulo. Resultado: todos os dias pegava nada menos que nove conduções entre todos esses lugares”, lembra ele. Ferreira costuma relatar isso nos cafés da manhã que promove com seus funcionários, para motivá-los a enfrentar suas próprias dificuldades. Outro fato interessante: o amigo que, ao chamá-lo para a Vera Cruz, foi o responsável por sua entrada no ramo de seguros é, hoje, presidente do grupo Mapfre no Brasil (trata-se do executivo Wilson Toneto).
A Mapfre (palavra que é um acrônimo; vem do nome original da companhia, fundada em 1933: Mutualidad de la Agrupación de Proprietários de Fincas Rústicas de España) é atualmente a principal seguradora espanhola. Já a BB Mapfre, nas áreas em que atua, é a maior empresa do setor no Brasil. Como se chega a tais resultados? “Nós acreditamos que nosso mercado tende a ser mais forte, mais relevante e mais completo quando conseguimos conscientizar as pessoas do quanto um seguro pode ser importante para elas”, finaliza.