Frank Wang Tao nunca foi preso. Paga os impostos pontualmente. E raramente bebe. No entanto, na véspera de uma reunião com FORBES, em janeiro — sua primeira entrevista pública deste ano para uma publicação ocidental —, esse cidadão chinês que, por acaso, é o primeiro bilionário dos drones do mundo, viu-se em maus lençóis com as autoridades norte-americanas.
Um funcionário da Inteligência do governo dos Estados Unidos em Washington, a cerca de 13.000 quilômetros de distância da casa de Wang, em Shenzhen, tinha bebido demais e resolveu brincar com o drone de quatro hélices de um amigo na madrugada. Inexperiente, ele perdeu a aeronave na escuridão e, depois de procurá-la rapidamente, encerrou sua busca. Quando amanheceu, o helicóptero de 30 por 30 centímetros era notícia no mundo inteiro e objeto de investigação pelo Serviço Secreto — após fazer uma aterrissagem acidentada no gramado da Casa Branca. A ideia de as pessoas usarem seu produto para violar leis e limites causaria pesadelos à maioria dos CEOs, mas o discreto gênio por trás da revolução dos drones tira isso de letra.
“Não acho que seja grande coisa”, dá de ombros o empresário de 34 anos, fundador da Dajiang Innovation Technology Co. (DJI), que detém 70% do mercado de drones para o consumidor, segundo a Frost & Sullivan. A empresa passou a manhã desenvolvendo uma atualização de software que foi transmitida a todos os drones dela, proibindo-os de voar dentro de um raio de 25 quilômetros a partir do centro de Washington, D.C.
O sucesso fez Wagner se acostumar às controvérsias. No ano passado, a DJI vendeu por volta de 400 mil unidades – muitas delas do inconfundível modelo Phantom – e está a caminho de faturar mais de US$ 1 bilhão este ano, em comparação com US$ 500 milhões em 2014. Fontes próximas à empresa dizem que a DJI obteve um lucro líquido em torno de US$ 120 milhões. As vendas triplicaram ou quadruplicaram a cada ano entre 2009 e 2014, e os investidores estão apostando que Wang será capaz de manter essa posição de domínio nos próximos anos. Em maio, a empresa levantou US$ 75 milhões junto à Accel Partners, que recentemente avaliou a companhia em US$ 10 bilhões. Wang, que é dono de aproximadamente 45% do negócio, tem hoje um patrimônio de US$ 4,5 bilhões. O presidente do conselho da DJI e dois dos primeiros funcionários também são bilionários no papel em virtude dessa transação. “A DJI criou o mercado de veículos aéreos não tripulados [Vants] de hobby, e agora todo mundo está tentando alcançá-la”, diz Michael Blades, analista da Frost & Sullivan.
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O uso comercial dos drones já está avançando bastante: os drones transmitiram imagens aéreas ao vivo do Globo de Ouro deste ano; os voluntários de ajuda humanitária contaram com eles para mapear a destruição causada pelo terremoto de magnitude 7,8 no Nepal, em abril; os fazendeiros de Iowa os estão usando para monitorar as plantações de milho. O Facebook usará seus próprios Vants para prover internet sem fio à África rural. Os drones da DJI estão sendo empregados nos cenários de Game of Thrones e do mais novo filme da série Guerra nas Estrelas. Agora, a DJI precisa continuar atiçando o mercado consumidor com máquinas voadoras melhores e mais baratas, assim como fez em janeiro de 2013, quando seu modelo Phantom estreou, pronto para voar logo depois de retirado da caixa, ao preço de US$ 679.
A DJI está enfrentando, agora, o vento contrário de rivais mais baratos e de burocratas retrógrados da FAA — Agência de Administração Federal de Aviação nos Estados Unidos, que impõe uma proibição abrangente do uso comercial de drones pequenos e tem demorado a aprovar uma política relevante para o mercado. Uma forte desafiante é a 3D Robotics, empresa de Berkeley, Califórnia, que tem como cofundador Chris Anderson, ex-editor da revista Wired, e emprega funcionários despedidos pela DJI. Entre eles está Colin Guinn, ex-diretor da DJI para a América do Norte, que acusou a empresa chinesa de prejudicá-lo e chamou a 3D Robotics de “Davi do Golias DJI”. Sua nova empresa, contudo, está usando mais do que uma simples funda em sua batalha: ela já levantou quase US$ 100 milhões junto a investidores.
Há também a fabricante francesa Parrot, que vendeu mais de US$ 90 milhões em drones em 2014, e uma infinidade de imitadoras chinesas ansiosas por reduzir as margens para todos que atuam no setor. A Consumer Electronics Show deste ano, em Las Vegas, viu dezenas de empresas recém-criadas voarem seus Vants pelos colossais salões de conferências da Cidade do Pecado. Com seus óculos redondos, tufo de barba no queixo e boné de golfe a esconder a calvície, Wang não se parece com um líder de uma nova locomotiva dos produtos tecnológicos de consumo. Mesmo assim, ele leva seu papel tão a sério quanto na época em que abriu a DJI em seu quarto de alojamento em Hong Kong, em 2006. Wang está em pé de guerra — com antigos parceiros de negócios, funcionários e amigos — enquanto tenta transformar a DJI em uma marca chinesa de ponta, como a fabricante de smartphones Xiaomi e a potência do comércio eletrônico Alibaba. Diferentemente dessas duas, porém, a DJI pode ser tornar a primeira empresa chinesa a liderar seu setor. Sua predominância rendeu comparações com a Apple.
Ao entrar rapidamente em seu escritório, ele passa por uma placa em chinês na porta onde se lê: “Entrada permitida somente a pessoas com cérebro” e “Não entre com emoções”. O CEO da DJI segue essas regras e é um líder racional, de língua afiada, que trabalha mais de 80 horas por semana e mantém uma grande cama de madeira perto de sua mesa. Wang diz não ter comparecido ao lançamento do novo Phantom 3, realizado pela DJI em Nova York no mês de abril, porque “o produto não estava tão perfeito” quanto ele esperava.
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“Eu valorizo as ideias do Steve Jobs, mas não há ninguém que eu admire pra valer”, diz ele em mandarim, sua língua materna. “[Para dar certo] basta você ser mais inteligente do que os outros — é preciso ter uma distância das massas. Se você conseguir criar essa distância, será bem-sucedido.”
A paixão de Frank Wang pelo céu começou no ensino fundamental, quando ele devorava revistas de histórias em quadrinhos sobre as aventuras de um helicóptero vermelho. Nascido em 1980, Wang cresceu em Hangzhou, cidade da Alibaba, na costa central da China. Filho de um engenheiro e de uma professora que virou dona de uma pequena empresa, Wang passava a maior parte do tempo lendo sobre aeromodelos, passatempo que lhe proporcionava mais satisfação do que suas notas medianas. Ele sonhava ter sua própria “fada”, um aparelho que pudesse voar e segui-lo com uma câmera. Aos 16 anos, Wang recebeu notas altas em uma prova e, como recompensa, ganhou um helicóptero com controle remoto que cobiçava havia muito tempo. Pouco tempo depois, o complicado aparelho colidiu e ele teve de esperar meses até que as peças de reposição chegassem de Hong Kong.
Na Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong, onde estudou engenharia eletrônica, só encontrou sua razão de ser no último ano, quando montou um sistema de controle de voo para helicóptero. Wang entrou de corpo e alma nesse projeto, cabulando aulas e varando a noite até as 5h da manhã.
Ele construiu protótipos de controladores de voo em seu quarto de alojamento até 2006, quando, ao lado de dois colegas de classe, se mudou para o polo fabril de Shenzhen. O trio trabalhava em um apartamento de três dormitórios e Wang financiava o empreendimento com o que tinha sobrado de sua bolsa de estudos na universidade. A DJI vendia seu componente de US$ 6.000 a clientes como universidades chinesas e empresas estatais de energia, que o soldavam ao chassi de drones do tipo “faça você mesmo”. Essas vendas permitiram a Wang pagar um pequeno grupo de funcionários, enquanto ele e os outros ex-alunos da Universidade de Hong Kong viviam com o que tinha restado de suas bolsas de estudos. “Eu não sabia que tamanho o mercado podia ter”, recorda Wang.
“Nossa ideia era só fazer o produto, alimentar dez a 20 pessoas e ter uma equipe.” A falta de uma visão no início e a personalidade de Wang acabaram causando conflitos internos na DJI. Havia uma rotatividade constante de funcionários, sendo que alguns se sentiam desprezados por um chefe exigente que consideravam sovina. Passados dois anos, quase toda a equipe fundadora tinha ido embora. Wang admite que, às vezes, é um “perfeccionista áspero” e que, na época, conseguiu “irritar [seus funcionários]”.
Mesmo assim, a DJI seguia em frente, vendendo em torno de 20 controladores por mês. Ela sobrevivia alimentada pelo capital de Lu Di, amigo da família de Wang. No fim de 2006, Lu tinha injetado US$ 90 mil — o único montante de que a DJI precisou até hoje, segundo Wang. Chamado carinhosamente de pão-duro pelo CEO da DJI, Lu administrava as finanças e permanece hoje um dos maiores acionistas, com 16% que valem US$ 1,6 bilhão, na estimativa de FORBES. Outra pessoa fundamental para o desenvolvimento da DJI foi o melhor amigo de Wang no ensino médio, Swift Xie Jia, que, em 2010, entrou para tocar o marketing e atuar como confidente. Apelidado por Wang de “peixe cabeçudo”, ele vendeu seu apartamento para investir na DJI e hoje detém uma participação que vale US$ 1,4 bilhão, segundo estimativas.
Depois de formar seu núcleo duro, Wang continuou a ampliar a oferta de produtos e passou a vender para entusiastas estrangeiros, que estavam lhe enviando e-mails de lugares como Alemanha e Nova Zelândia. Nos Estados Unidos, Chris Anderson, editor da revista Wired, tinha criado o DIY Drones, fórum de discussão para fãs de Vants em que os usuários defendiam a mudança dos projetos de rotor único para os quadricópteros – aparelhos de quatro hélices, mais baratos e fáceis de programar. A empresa lançou o Phantom em janeiro de 2013. Era o primeiro quadricóptero pré-montado, pronto para voar; podia ser colocado no ar em uma hora depois de tirado da caixa e não quebrava na primeira colisão. Sua simplicidade e sua facilidade de uso abriram o mercado para além dos entusiastas obcecados.
Naquele momento, contudo, as coisas já tinham começado a azedar entre Wang e o então executivo Guinn. O fundador da DJI não gostou do fato de Guinn estar assumindo o mérito do desenvolvimento do Phantom e se apresentando como CEO da DJI Innovations, cargo que ainda aparece em sua página no LinkeIn. De início, a DJI pretendia atingir apenas o ponto de equilíbrio financeiro com o preço de varejo do Phantom, de US$ 679. “Fizemos um produto de baixo custo para evitar que os concorrentes entrassem em uma guerra de preços”, explica Wang. Contudo, o Phantom logo se tornou o produto mais vendido da empresa, quintuplicando a receita com pouco marketing. Mais importante: ele vendeu no mundo inteiro, tendência que se mantém até hoje, já que a empresa obtém cerca de 30% de sua receita nos Estados Unidos, 30% na Europa e 30% na Ásia, enquanto o restante vem da América Latina e da África. Isso é motivo de orgulho para Wang. “Os chineses acham que os produtos importados são bons e os produtos feitos na China são inferiores. Somos sempre de segunda classe”, comenta. “Estou insatisfeito com esse panorama e quero fazer algo para mudá-lo.”
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A maior ameaça ao domínio de Wang no mercado de drones para o consumidor vem de um ensolarado complexo de escritórios de quatro andares em Berkeley, onde os engenheiros da 3D Robotics passaram dezenas de horas testando os últimos ajustes no código de seu matador de Phantoms, o Solo. Revelado em abril, o drone negro voa em volta do telhado com seu zumbido de mil abelhas iradas enquanto Chris Anderson, CEO da 3D Robotics, explica que sua empresa está para a DJI como o Android está para a Apple.
Admirando a elegância e a simplicidade de seu quadricóptero — que se inspirou em alguns aspectos do Phantom –, o afável Anderson explica que o segredo é o software, e não o hardware. Ao contrário do sistema operacional da DJI, que é fechado aos desenvolvedores, o da 3D Robotics é de fonte aberta, de modo a atrair o interesse de programadores e outras empresas, como as dezenas de imitadoras chinesas que estão erodindo as margens da DJI com drones ainda mais baratos. Se todo mundo estiver usando o nosso software, diz o CEO da 3D Robotics, então seremos nós, e não a DJI, a controlar o mercado. “A DJI começou como empresa na época em que isso era só um hobby para mim, e tenho de admitir que eles fizeram grandes avanços”, diz ele. “Agora eles estão jogando em casa, e nós estamos correndo atrás.”
A 3D Robotics, que tem o respaldo financeiro de empresas como Qualcomm e SanDisk, está se saindo bem nessa corrida e levou a maior parte de sua capacidade de fabricação de Tijuana, no México, para Shenzhen. Wang desdenha das possibilidades deles, soando algo como o menino grandão no playground do jardim de infância. “É fácil eles fracassarem”, diz ele. “Eles têm dinheiro, mas eu tenho ainda mais, sou maior e tenho mais gente. Quando o mercado era diminuto, eles eram pequenos e eu também. Mas eu os superei.”
À parte o embate entre a 3D Robotics e a DJI, elas enfrentam o mesmo desafio de moldar a opinião pública e diminuir a resistência das autoridades reguladoras. Para cada vídeo espetacular, feito por um drone, de migração de baleias-jubartes ou de queda de geleiras, há uma manchete sobre um drone sendo usado pelo Estado Islâmico ou espiando a banheira de hidromassagem do vizinho.
Preocupações legítimas com a privacidade e a segurança vêm impedindo a sociedade de receber de braços abertos os robôs voadores e, como consequência, as agências reguladoras, em especial, têm demorado a aprovar regras relevantes. Em seu escritório em Shenzhen, Wang está prevendo o futuro do setor de drones para o consumidor, mas é difícil acompanhar sua explicação quando ele usa uma espada japonesa de samurai de 450 anos para cortar um malfadado cartão de visita. “Os artesãos nipônicos se empenham constantemente para atingir a perfeição”, diz ele, enquanto a lâmina deixa o papel em pedaços. “A China tem dinheiro, mas seus produtos são horríveis, os serviços são péssimos, e você tem que pagar um preço salgado por qualquer coisa boa.”
A DJI tem um longo caminho a percorrer para chegar ao grau de perfeição do artefato japonês de Wang. O CEO reconhece abertamente que seu Phantom “não é um produto perfeito” e que é sabido que alguns modelos podem perder o controle devido a defeitos no software. “Nós temos espaço para aprimoramentos”, admite ele, que diz estar reforçando a equipe de suporte da DJI, que já passa de 200 funcionários.
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Wang também vem lidando com vários graus de espionagem corporativa. Ele tem certeza de que algumas das startups chinesas de drones que apareceram nos últimos dois anos utilizam projetos da DJI obtidos ilegalmente. Enfrentou pelo menos dois casos de espiões internos, inclusive um em que o funcionário levou embora projetos ao sair da empresa e os vendeu a um concorrente. É claro que isso não ajuda no que Wang chama de “sociedade hipercompetitiva” de Shenzhen, onde a fabricação barata seguramente transformará os drones em commodities, como ocorreu com os smartphones e notebooks.
Não há dúvida de que os preços vão cair e de que o “lado butique do mercado sempre acaba sendo eliminado”, diz Gerald Van Hoy, analista da Gartner. “Mas a DJI vai ficar bem porque eles estão estabelecidos no mercado e são valorizados.”
Wang não quer dividir o céu com ninguém e está decidido a manter a liderança da DJI, à medida que os drones se expandam para aplicações comerciais, como agricultura, construção e mapeamento. “Hoje, o principal gargalo do nosso crescimento é a rapidez em reagirmos aos quebra-cabeças técnicos”, diz ele. “Não se pode ficar satisfeito com o presente.”