Gênio, playboy ou um louco que trabalha de forma doentia e exige o mesmo de sua equipe? Todas essas características são usadas para definir Elon Musk, 44 anos, dono de uma vida tão dinâmica quanto um filme de ação e ninguém menos que o homem por trás da companhia mais inovadora do mundo, a Tesla. Uma biografia recente sobre ele revela que, em certa ocasião, após pedir aos subordinados já sobrecarregados que continuassem a fazer hora extra antes do lançamento do Tesla Roadster original, um funcionário disse: “Mas nós não vemos nossas famílias há semanas”. Musk rebateu: “Você terá tempo de sobra para ver sua família quando nós falirmos”.
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A verdade é que Musk desafia todo mundo a trabalhar o tempo todo arduamente. “Diante disso, as pessoas fazem mais do que acham que são capazes. Só que a maioria dos líderes não quer fazer isso”, revela J.B Straubel, cofundador e diretor técnico da Tesla. A loucura, embora condenada, parece ter sua dose de razão. “Nós damos saltos de confiança que são como pular de um avião e projetar e construir o paraquedas durante a queda”, afirma Doug Fields, vice-presidente de engenharia da companhia.
Esse tipo de pensamento só poderia vir mesmo deste bilionário americano (mas nascido em Pretória, África do Sul) que despreza a palavra “férias”. O motivo, talvez, esteja no fato de ele quase ter morrido de malária após uma viagem ao Brasil e à África do Sul em 2000. “Esta é a lição que aprendi: as férias matam.” E não tente argumentar com ele. Musk é um CEO tão peculiar que conseguiu uma façanha: ser comparado ao gênio por trás da reinvenção da Apple. Aos 44 anos, divorciado e pai de seis filhos homens (o primogênito, Nevada, morreu com dez semanas), o empresário herdou de Steve Jobs o título de CEO mais cultuado da atualidade, assim como fez com sua Tesla, hoje considerada muito mais visionária e surpreendente que a Apple de Tim Cook. Nem os atrasos, tampouco o dinheiro queimado (US$ 1,5 bilhão nos últimos 12 meses) perturbam o gênio dos carros ultramodernos e sustentáveis. E, ao que tudo indica, nem o mercado se importa com esses prejuízos. Dizem que inovar também é errar. Um erro menor agora tem sido encarado como a chave para conquistar um acerto bem maior e rentável lá na frente.
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E é isso que transparece quando você chega ao chão de fábrica da Tesla Motors e depara com seus robôs. Na verdade, grandes aparelhos vermelhos, brilhantes, de 2,5 metros de altura que lembram os Transformers. Eles se debruçam sobre cada um dos sedãs Model S que avançam pela fábrica de Fremont, na Califórnia, na parte oriental e mais desleixada do Vale do Silício. Até oito robôs por vez trabalham em um único Model S, com seus movimentos coreografados, cada um realizando cinco tarefas: soldar, rebitar, pegar e mover materiais, dobrar metal e instalar componentes. Henry Ford e as gerações de especialistas do setor automotivo que o sucederam desprezariam esse esquema como algo ineficiente — cada robô deveria realizar apenas uma tarefa antes de passar o carro ao próximo Transformer.
É uma crítica de US$ 3 bilhões, para sermos específicos. Essa cifra corresponde à redução do valor de mercado da empresa no início de agosto, depois que a Tesla diminuiu em 10% — para 50.000 veículos — sua previsão de vendas para o ano, citando atrasos na programação dos robôs para produzir tanto o Model S como o novo SUV crossover Model X. “O Model X é um carro particularmente duro de montar. Talvez seja o carro mais difícil de montar no mundo todo. Não sei que outra coisa poderia ser mais complicada”, admitiu Elon Musk, o bilionário fundador e visionário CEO da Tesla, que também exerce as mesmas funções na SpaceX, empresa americana de transporte espacial.
Mas o que quer o mais festejado dos CEOs de todo o mundo? Ele só quer se concentrar em fazer o melhor carro do mundo, e o Model S, de US$ 90 mil, tem todo o direito de reivindicar esse título. Veículo totalmente elétrico, ele roda por uma semana com uma única carga feita na rede nacional de estações de carga gratuita e alimentada por energia solar. Vai de zero a 100 km/h em menos de três segundos no modo “ludicrous” (“absurdo”) — maior aceleração entre todos os carros de quatro portas produzidos em massa no planeta — e é o mais seguro da categoria. Quando colide contra a máquina de testes de impacto, por exemplo, a máquina quebra.
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O modelo de negócios também é futurista. Você pode fazer o pedido via internet e o carro será entregue na sua casa. Também é possível obter atualizações de software por meio de conexão sem fio e receber alertas de manutenção antes que algo de errado aconteça. Sem contar que o Model S é realmente muito bonito. As maçanetas se estendem para serem abertas quando você se aproxima e depois se escondem para melhorar a aerodinâmica. A revista Consumer Reports o elegeu o melhor carro do mercado, em termos gerais, nos últimos dois anos.
São esses tipos de superlativo que elevaram a Tesla Motors à primeira posição da lista FORBES de Empresas Mais Inovadoras do Mundo, já no primeiro ano em que tivemos acesso a dados financeiros suficientes para avaliar a companhia. A palavra “disruptiva” é associada à Tesla o tempo todo.
“Desde muitos anos atrás, nós estudamos atentamente o fenômeno da inovação disruptiva, identificado no fim da década de 1990 por Clayton Christensen, da Harvard Business School”, explica Musk. A Tesla nunca seguiu a rota clássica de, primeiro, correr atrás de clientes de menor poder aquisitivo, oferecendo a eles tecnologia inferior e mais barata. Ela não busca o chamado “não consumo”, ou seja, clientes que atualmente não dirigem carros. O visual dos automóveis da Tesla e a sensação de dirigi-los não apresentam grande diferença em relação aos outros carros; eles usam infraestruturas estabelecidas, como as estradas, e a maior parte de sua inovação de produto está limitada a um único aspecto: o sistema de propulsão.
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Esses fatos não se encaixam no molde de uma disrupção bem-sucedida do segmento inferior do mercado — um estudo de caso tradicional mostraria a Tesla em um beco sem saída. O próprio Musk, no início, não estava seguro do sucesso de seu empreendimento. “Não pedi dinheiro externo para a Tesla e para a SpaceX porque achei que elas fossem fracassar.” Mas a Tesla, ao contrário, mostrou-se um tipo diferente de empresa pequena, uma versão de ponta que também pode ser muito incômoda para as empresas dominantes.
Os disruptores de ponta geram inovações na forma de saltos, o que torna difícil imitá-los rapidamente. Esses produtos superam o desempenho dos já existentes em aspectos essenciais logo no lançamento; são vendidos por preços mais altos, e não com desconto; têm como alvo os clientes mais lucrativos das empresas dominantes, buscando os compradores mais exigentes e menos sensíveis aos preços, antes de se expandirem para o mercado convencional. Alguns exemplos: o iPod da Apple em contraposição ao Walkman da Sony; o ambiente e as bebidas à base de café de alto nível das lojas Starbucks em relação às cafeterias locais; os relógios de golfe com GPS da Garmin comparados aos tradicionais medidores de distâncias. Os produtos obsoletos não reagiram com agilidade suficiente e os disruptores tomaram conta do mercado.
A Tesla se desenvolveu totalmente em torno dessa ideia. Se tudo correr de acordo com o planejado, o Model S e o Model X serão seguidos, em 2017, pelo Model 3 — um Tesla mais barato, voltado às massas, no valor de US$ 35 mil. E apesar de a Tesla ter abandonado sua previsão de dar lucro este ano (mesmo com sua contabilidade incomum e pró-empresa), os investidores continuam querendo mais: Musk levantou US$ 5,3 bilhões em capital social e dívida para a Tesla desde 2010. Cada rodada teve um número de interessados maior do que a anterior, incluindo uma oferta secundária de US$ 650 milhões em meados de agosto cujo objetivo, em parte, foi o de concluir a enorme fábrica de baterias Gigafactory no Deserto de Nevada. “A disposição dos mercados de apoiar a companhia com várias estruturas de financiamento me leva a acreditar que provavelmente dará tudo certo, supondo que o modelo se mostre viável”, disse Jacob Cohen, diretor associado da Sloan School of Management do MIT.
Segundo analistas do Credit Suisse, esse momento de viabilidade deve chegar por volta de 2017, quando se prevê que a Tesla mostre sua primeira dose significativa de fluxo de caixa livre, ou lucro operacional após despesas de capital. As outras métricas são vistosas: a empresa está a caminho de faturar US$ 5,5 bilhões este ano, 54% a mais do que em 2014. O valor das ações multiplicou-se por 15 desde o IPO, ocorrido em 2010, o que levou a companhia a uma capitalização de mercado de US$ 33 bilhões, recentemente.
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Enquanto isso, as montadoras tradicionais enfrentam o mesmo desafio agora e no longo prazo: se grande parte dos negócios automotivos acabar passando à eletricidade (no momento, isso é um grande ponto de interrogação, levando-se em conta a gasolina barata e a queda geral das vendas de elétricos e híbridos), a Tesla estará quilômetros à frente e entrará no segmento inferior do mercado para explorar esse setor de US$ 1 trilhão. Para as grandes, é fácil menosprezar a Tesla como uma startup deficitária, mas ela transformou o setor. “[Em 2001] a GM jogou todos os seus modelos elétricos em um ferro-velho”, diz Musk. “Quando nós viemos e lançamos o Roadster, isso fez a GM criar o Volt, e depois a Nissan teve confiança suficiente para produzir o Leaf. Nós basicamente fizemos a bola rolar na eletrificação dos carros. A bola está rolando devagar, mas está rolando.”
Para conceber um carro tão diferente, Musk criou uma equipe e um processo também diferentes que ganhou o nome de “Modo Musk”. A maioria dos fabricantes de carros procura captar valor com um produto consagrado.
Trabalhando com uma incerteza radical, a Tesla tem um processo centrado em uma única finalidade: a rapidez.
Como as grandes montadoras, a Tesla estampa internamente os próprios painéis de carroceria, mas também faz seus motores e conjuntos de baterias na fábrica de Fremont. Ela faz, inclusive, suas próprias capas de volante de plástico — peça geralmente fabricada por outras empresas, devido à facilidade de terceirização — porque os fornecedores (que devem estar arrependidos) levaram meses para alterar o design original, de acordo com o solicitado.
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É raro encontrar na Tesla alguém que tenha trabalhado na GM, Ford, Chrysler ou em um fornecedor automotivo (a Aston Martin é uma exceção digna de nota). Sterling Anderson, ex-associado da McKinsey e expert em carros autodirigidos com formação no MIT, foi contratado em meados de 2014 para trabalhar nos sistemas de piloto automático da Tesla. Agora, ele é gerente de programa do Model X. O motivo pelo qual a Tesla eventualmente dá um cargo a alguém sem experiência prévia no setor é que Musk é conhecido por selecionar as pessoas com base em sua capacidade de resolver problemas complexos — e não com base na experiência. O executivo-chefe de informática (CIO) da Tesla, Jay Vijayan, diz: “Elon não se contenta com o bom nem com o ótimo. Ele quer o melhor. Então ele pergunta aos candidatos ao emprego que problemas complexos eles solucionaram anteriormente… E ele quer detalhes”.
A equipe de Musk faz a triagem dos candidatos de acordo com a capacidade deles de aprender em determinadas condições. Todo novo funcionário, independentemente do departamento, deve ter comprovado algum tipo de capacidade de resolver problemas difíceis. “Nós sempre sondamos o mérito a fundo no currículo”, diz Musk. “O sucesso tem muitos pais, então nós procuramos descobrir quem realmente foi o responsável. Não importa se a pessoa é formada na faculdade ou mesmo no ensino médio.”
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As promoções e os bônus na Tesla (e na SpaceX) giram em torno de um sistema de classificação de 1 a 5, sendo que 4 e 5 correspondem a “ótimo” e “fenomenal”, respectivamente. “Você só recebe as duas classificações mais altas”, explica Musk, “se tiver feito algo inovador. Tem que ser algo significativo, no caso do ‘fenomenal’, algo que torne a empresa melhor ou o produto melhor. Todo mundo pode ser um melhorador: RH, finanças, produção, todos podem descobrir como aprimorar as coisas.”
Após contratar pessoas com capacidade comprovada de resolver problemas complexos, a Tesla as reúne em pequenas equipes que se sentam lado a lado para agilizar as soluções. “Nossa comunicação nos permite uma rapidez incrível”, diz o designer-chefe, Franz von Holzhausen. “É um elemento que não está presente no resto do mundo automotivo. São organizações divididas em silos e que levam muito tempo para se comunicar.” Von Holzhausen foi capaz de projetar o premiado Tesla S com uma equipe de apenas três designers, que trabalharam em estreita colaboração com seus colegas engenheiros. As grandes montadoras costumam ter dez a 12 designers trabalhando em cada novo modelo.
Até o carro, em si, é projetado de modo a proporcionar rapidez na aprendizagem. Os clientes ficam em contato contínuo com a Tesla através da conexão sem fio 4G e do painel touchscreen de 17 polegadas do veículo, que envia dados de utilização à fabricante em tempo real. A Tesla libera correções por meio de download de software de um dia para o outro ou faz mudanças físicas a qualquer momento. O tal modo “ludicrous”, que diminui em 10% o tempo de aceleração de zero a 100 km/h no sedã Model S P85D top de linha, está disponível na forma de um upgrade remoto de software no valor de US$ 10 mil. E, em 2013, após receber comentários de que os bancos traseiros do Tesla S eram desconfortáveis, técnicos da empresa trocaram os assentos de todos os proprietários em questão de semanas, no meio do ano.
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A maioria das montadoras define o layout de seu chão de fábrica uma única vez de modo a minimizar os custos e planeja linhas de modelos que permanecem inalteradas por anos a fio. Já os engenheiros de produção da Tesla mudam continuamente o layout da fábrica para aprender o máximo possível. A empresa aprendeu as vantagens de se manter ágil logo no início, com o Roadster, quando, em uma iniciativa para reduzir os custos, tentou estabelecer uma cadeia de suprimentos global semelhante à de uma montadora gigante. A Tesla não estava pronta para esse esquema, e ter a fabricação espalhada pelo mundo todo levou a enormes problemas de coordenação.
“Nós definitivamente não atingimos a perfeição na primeira tentativa, nem de longe”, diz J.B. Straubel. “Mas é assim que aprendemos.” Será que esse jeito de trabalhar só funciona porque a Tesla ainda não é uma gigante? As apostas em relação ao futuro vão aumentar muito quando a empresa acrescentar o novo Model 3 a outra linha de produção. Com preços mais competitivos e uma produção maior, Musk terá diante de si o maior desafio de sua carreira: continuar sua trilha de inovação ou sucumbir ao caminho seguro já escolhido pelas grandes montadoras: o desfecho desse enigma tem início no último trimestre de 2017, quando o Model 3 ganha as ruas.