Faltam duas horas para se encerrarem as filmagens da quarta temporada de MasterChef Junior. Os champanhes para a comemoração já estão gelando em baldes de plástico em um estúdio escuro e sem janelas em Burbank, Califórnia, mas o chefe de cozinha Gordon Ramsay, vestido com um conjunto azul, tem um assunto a resolver. O astro e produtor executivo do programa, famoso mundialmente pelos palavrões e pela cólera, está prestes a indicar o vencedor de seu concurso de cozinheiros mirins — e a mandar o vice para casa, decepcionado. “Detesto essa parte”, diz ele.
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Câmeras rodando, Ramsay dá um forte abraço no perdedor sub-14. O chefe — que certa vez respondeu a um pedido de mais abóbora em um prato oferecendo-se para enfiar o ingrediente no, digamos, orifício do cliente — criou um momento açucarado próprio para a TV. E embolsou mais uma enorme bolada. Se esse tipo de coisa é necessário à sua atuação fora do papel habitual, que assim seja.
Ramsay, de 48 anos, é um chefe formidável e tem uma presença envolvente na televisão. Mas é, acima de tudo, um capitalista, tendo embolsado US$ 60 milhões no ano passado, valor que o colocou na 21ª posição da lista Celebrity 100 — e que acreditamos ter sido a maior cifra já paga a um cozinheiro celebridade. Com a perda de força de American Idol, os quatro programas de Ramsay — Hell’s Kitchen, Hotel Hell, MasterChef e MasterChef Junior — fazem dele o maior astro dos reality shows da Fox. Seus 26 restaurantes nos Estados Unidos, Europa, Ásia e Oriente Médio rendem milhões, apesar de que, devido à agenda cheia, é altamente improvável você o ver pilotando o fogão em uma noite qualquer. “Tenho mais dinheiro do que vou precisar na minha vida toda”, diz ele.
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Na raiz da marca Ramsay está a credibilidade — fator importante quando você detona pessoas na TV e serve um menu degustação com foie gras, pombo e ravióli de lagosta a partir de US$ 230. Ele foi aprendiz dos melhores da Europa — Marco Pierre White, Joël Robuchon, Guy Savoy — antes de se tornar, aos 26 anos, chefe de cozinha de um novo restaurante londrino, o Aubergine. Já naquela época, ele estava de olho no patrimônio — conseguiu uma participação de 25% e fez o valor do restaurante crescer ao conquistar duas estrelas do Guia Michelin em três anos. “A piada no início dos anos 1990 era que todos os cozinheiros do inferno eram britânicos”, diz Peter Harden, editor do guia de restaurantes britânico de mesmo nome. “Mas o Aubergine logo passou a ser aquele tipo de lugar com fila de espera de seis semanas.”
Isso não foi suficiente. Ele saiu em 1998 e abriu o Restaurant Gordon Ramsay com o sogro, Chris Hutcheson. Este alcançou três estrelas, classificação mais alta dada pelo Michelin, e assim ele pôde cobrar preços que possibilitavam margens de até 25% sobre receitas de US$ 5 milhões. Seguiram-se estabelecimentos em Glasgow, Tóquio, Dubai e Nova York.
Nesse meio-tempo, uma série de documentários da BBC, Ramsay’s Boiling Point (“O Ponto de Ebulição de Ramsay”), sobre os primeiros dias do Restaurant Gordon Ramsay, apontou um holofote diretamente para o comportamento explosivo de Ramsay na cozinha. (Cena típica: ele dá uma bronca em um maître porque este não consegue ajustar o ar-condicionado: “Você tem o cérebro na bunda, p****?”) O público adorava. E assim como em sua cozinha, em vez de trabalhar para outra pessoa, lá ia ele resolver por conta própria.
Em 2004, Ramsay lançou a versão britânica de um campo de treinamento culinário, o Hell’s Kitchen, com um contrato que lhe dava uma parte do faturamento de distribuição do programa. No ano seguinte, chegou à telinha uma versão norte- americana, com aspirantes a cozinheiros domésticos em vez de pseudocelebridades. Kitchen Nightmares estreou dois anos depois, com Ramsay caindo de paraquedas em restaurantes decadentes e tentando salvá-los, entre muitos palavrões. O programa atingiu 3,1 pontos de audiência (o máximo são oito) — longe de uma final de campeonato de futebol americano, mas algo inédito para um programa de culinária. “Nós realmente transformamos a comida na TV em algo mais interessante”, comenta Arthur Smith, antigo parceiro de produção e apoiador de primeira hora de Ramsay. “Foi necessário alguém como Gordon Ramsay para ela ficar fora de série.”
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Nem tudo estava indo tão bem. A Grande Recessão acabou com o apetite por menus degustação sofisticados e reduziu as hordas de banqueiros grã-finos que comiam em seu império de restaurantes. Em 2010, sua empresa controladora acumulava US$ 30 milhões em dívidas — dois terços dos quais eram um empréstimo pessoal de Ramsay —, um aumento de quase dez vezes em oito anos. O chefe culpa o sogro, que ele demitiu em 2010 em meio a uma “briga familiar muito feia”, segundo Hutcheson. Este nega categoricamente qualquer irregularidade, e a inimizade dos dois os levou ao tribunal repetidas vezes, ambos trocando bofetadas jurídicas e ambos cantando vitória.
Apesar dos reveses, os restaurantes de Ramsay se recuperaram graças à melhora da economia — e ao marketing incessante proporcionado por seus programas de televisão. Por ser a única coisa que a programação sem roteiro da Fox tem a seu favor, Ramsay tem cacife para ganhar um excelente cachê: US$ 400 mil por episódio (ele não quis comentar sobre essa cifra, que é pelo menos 15 vezes superior ao que um astro ou uma estrela do canal Food Network pode esperar.) Como é produtor executivo de seus programas, ele pode adequar o cronograma de filmagem à sua agenda. Agora, quer criar um programa roteirizado, talvez dramatizando a cozinha da maneira que a série Entourage glorificava as agências de talentos. E mesmo depois de fechar nove restaurantes e vender três durante seu conflito familiar, ele tem hoje mais estabelecimentos do que nunca: 26, em comparação com 20 em 2010. Esses restaurantes geram um faturamento de US$ 150 milhões, o que representa um aumento de 270% em relação a cinco anos atrás, e incluem novos postos avançados na Ásia, no Oriente Médio e em Atlantic City.
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Parte dessa expansão internacional tem como foco restaurantes inspirados em seu Bread Street Kitchen, de Londres, lugar que se parece mais com uma grande e animada brasserie do que com os restaurantes requintados que o tornaram famoso (e que ele ainda mantém na Inglaterra). Embora Ramsay não descarte a possibilidade de abrir novos restaurantes, tem se concentrado em contratos como os que tem em Las Vegas, onde administra e empresta sua fama a uma hamburgueria, uma churrascaria e um bar. Em troca, ganha de 6% a 9% do faturamento, de 10% a 15% do lucro. É uma situação em que é impossível sair perdendo, a ponto de levar um famoso brucutu a abraçar uma criança. “Não tenho dias ruins. Esse tempo passou”, ele dá de ombros. “Eu pareço um chefe que fica correndo pra lá e pra cá com um estresse f*****?”