Espécie de bíblia do varejo, o GPA tem sua história dividida entre AD (antes dos Diniz) e DD (depois dos Diniz). Não fosse Abilio Diniz, certamente um dos empresários mais ambiciosos, determinados e disciplinados deste país, a pequena Doceira Pão de Açúcar, criada por seu pai, Valentim, em 1948, jamais teria se transformado na maior varejista da América do Sul e na 806ª maior empresa de capital aberto do mundo, segundo a lista anual de FORBES. Não se pode excluir, é claro, o papel do francês Jean-Charles Naouri, CEO e chairman do Casino e controlador do negócio brasileiro desde meados de 2012, nessa surpreendente expansão. Afinal, foi ele que, ao tornar-se sócio do grupo, em 1999, conseguiu resgatá-lo de um mar de dificuldades financeiras. “Considero que fiz muito bem em investir no Brasil quando o país ainda não era o que é hoje em dia. E o Grupo Pão de Açúcar era um negócio medíocre, que saía de uma quase falência”, afirmou Naouri, em 2011, durante o imbróglio com Abilio em torno do comando do GPA. O que aconteceu dali pra frente, todo mundo já sabe.
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Mas, como ficou o gigante GPA na era Naouri e para onde vai o grupo? Afinal, estamos falando de um gigante que se orgulha de sua posição “multicanal, multiformato e multirregional”, com receita de R$ 72,8 bilhões, 2159 lojas espalhadas por 20 estados, 160 mil funcionários e 640 milhões de cupons de vendas emitidos por ano. Substituir Abilio é uma tarefa dificílima, para não dizer impossível. Naouri, no entanto, parece ter sido bastante perspicaz em sua escolha. Para comandar o negócio bilionário, ele escolheu um profissional discretíssimo: Ronaldo Iabrudi, um mineiro formado em psicologia na PUC-MG e com mestrado no Departamento de Psicossociologia/Desenvolvimento Organizacional pela Sorbonne, de Paris. Com longo histórico no conselho de administração de empresas como Lupatech, Estácio, Magnesita, Cemar, Contax, Oi, Casino, CBD, Via Varejo e Nova Pontocom (hoje Cnova), Iabrudi tinha traçado como plano de vida ser conselheiro. O que significava “nunca mais atuar como executivo ou presidente de empresas”. Isso até ser convidado a virar CEO do GPA, cargo que assumiu em janeiro de 2014. “Quando você tem um desafio da dimensão que é o GPA com sua diversidade de negócios e multiformatos, qualquer executivo ficaria tentado a assumir um desafio desses. E diante dessa possibilidade, eu aceitei.”
Antes, ele era diretor do Casino no Brasil, cuja missão se restringia a representar os franceses nos conselhos das empresas das quais eles tinham participação. Após trabalhar em ramos distintos como ferrovia, telecom, educação e siderurgia, o CEO do GPA se diz satisfeito com seu atual e dinâmico momento como varejista. E acrescenta: “é muito bom trabalhar com Naouri.” Seu estilo como líder também parece agradar ao 35º homem mais rico da França, com uma fortuna estimada em US$ 1,2 bilhão, segundo cálculos de FORBES. Como bem mostrou nos dois momentos em que esteve com FORBES Brasil, Iabrudi carrega consigo uma característica comum aos psicólogos: gosta mais de ouvir que falar. “O grande diferencial de um líder é a capacidade de ouvir”, diz.
E quando se pronuncia, é direto e assertivo. Sem rodeios e sem delongas. A modéstia também parece ser uma de suas características. Delegador, reúne no GPA alguns dos melhores executivos do Brasil. O mercado reconhece e vê no alto escalão da varejista uma espécie de dream team, uma alusão à seleção americana de basquete, que venceu a Olimpíada de 1992 em Barcelona e reunia estrelas como Magic Johnson e Michael Jordan.
Sob o comando de Iabrudi, o GPA trabalha hoje com três vice-presidentes corporativos (RH, infraestrutura e planejamento e finanças) e as chamadas unidades de negócios, o que significa que há um comandante à frente de cada operação.
O intuito é claro: manter o foco. Hoje, o dream team do GPA é composto por Belmiro Gomes, presidente do Assaí; Elisio Mello, diretor executivo da rede Pão de Açúcar de Supermercados; Laurent Cadillat, diretor executivo da rede Extra; Renato Giarola, diretor executivo do modelo de Proximidade (lojas em formatos menores, de bairro); Libano Barroso, presidente da Via Varejo (Casas Bahia e Pontofrio); German Quiroga, copresidente da Cnova (que congrega todos as pontocom do grupo e as soluções de B2B); e Robert Harley, presidente do GPA Malls (responsável por rentabilizar os ativos imobiliários a partir da administração das galerias, dentre outras tarefas). Considerando todos os negócios, o grupo conta ainda com 100 diretores.
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No começo de sua gestão, teve fornecedor que se assustou. Em uma grande indústria multinacional e detentora de cerca de 20 marcas famosas, a entrada de Iabrudi gerou receio. “Levei um susto, pois a parte financeira ficou ainda mais agressiva. Mas depois de um tempo, conseguimos entrar em consenso”, conta um alto executivo da área comercial, que prefere manter seu nome no anonimato. Em outra indústria, desta vez 100% brasileira, seu dono diz que é mandatório estar nas prateleiras do Pão de Açúcar e do Extra, mas deixa claro que o GPA não representa nem 10% de sua receita. “E é melhor que seja assim, pois a margem que tenho vendendo pra eles não me sustenta. Estou lá porque tenho que estar lá”, admite.
Iabrudi responde que o Brasil está mudando, que o ajuste fiscal é importante e que o custo do dinheiro está mais alto. “Qualquer gestor deve estar preocupado, e o varejo tem que cuidar do capital de giro e do investimento, que são tão importantes quanto ter o produto na gôndola e construir a loja no ponto certo.” E continua: “Se teve uma coisa que eu não trouxe para esta companhia foi uma grande mudança. Eu vim para dar continuidade. Talvez um pouco mais de disciplina, com horário para começar e terminar uma reunião, e cumprir uma agenda”.
Nesse ponto, o CEO revela um pouco da disciplina e da austeridade de Claudio Galeazzi, que já comandou o grupo a convite de Abilio. “No Brasil de 2014, 2015 e até 2016, é preciso trabalhar de olho no caixa. E essa companhia tem mais caixa que dívida. Mas, para isso, é preciso ter muita disciplina de gestão e finanças.
É preciso acertar o investimento, trabalhar o capital de giro e focar nas demandas do cliente. A crise diferencia o amador do profissional”, observa.
O momento, ao contrário de quem prega botar o pé no freio, é de crescimento. “Estamos fazendo investimentos na hora certa e no lugar certo. No ano passado, a companhia abriu 212 lojas, o maior crescimento de sua história.” E aportou R$ 1,6 bilhão no negócio, valor que deve ser repetido neste ano. Sobre aquisições, Iabrudi diz que pela estrutura de capital da companhia e pelo momento do país, há possibilidades. “Ninguém planeja fazer aquisição. O que se planeja é ter caixa, em caso de surgimento de uma oportunidade. E oportunidades podem aparecer nos próximos tempos e, sobretudo, para quem tem caixa.”
Mas o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) não poderia impedir novas aquisições? “Nós não temos quase nada no Norte do país. Também temos poucas lojas no Nordeste, em Minas Gerais e nada no Sul. Há uma possibilidade de crescimento muito grande em todas essas regiões”, responde.
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Há dois desafios diante do CEO do GPA. Um é conquistar a liderança nas áreas em que ainda é o número dois — caso do Assaí, que perde para o Atacadão (do Carrefour), e das operações de e-commerce da Cnova, que ficam atrás da B2W (Americanas.com e Submarino). Outro é manter a liderança das operações nas quais já ocupam o primeiro lugar, já são líderes, mas ganhando market share. Iabrudi diz que o GPA vai desenvolver outros formatos e, quem sabe até, outras bandeiras. Até 2016, o destino do grupo é avançar no Nordeste e
Centro-Oeste; ampliar as operações do Assaí, Minuto Pão de Açúcar e Minimercado Extra, que são os negócios de maior taxa de crescimento; renovar lojas do Pão de Açúcar e do Extra; avançar no aluguel de galerias nos hipermercados; e acelerar as vendas de celulares e móveis, categorias com boas margens.