O empresário Roger Agnelli, morto em um acidente de avião neste sábado (19), comandou a Vale entre 2002 e 2011, período em que a empresa se transformou na maior produtora mundial de minério de ferro e níquel, e em uma das líderes na produção de cobre, manganês, alumínio, carvão, potássio, fosfato e energia, além de desenvolver a exploração de óleo e gás. Em outubro de 2012, ele foi capa da terceira edição de FORBES Brasil. Leia a perfil a seguir, publicado na época:
Os novos vales de Agnelli
Em sua primeira grande entrevista desde que deixou o comando da Vale, o reinventado executivo fala sobre seus muitos e ambiciosos novos projetos
Nove quilos mais magro, com um bronzeado que denuncia um fim de semana de dolce far niente em sua casa em Angra dos Reis (RJ) e um humor surpreendente, que parecia ter desaparecido em seus últimos meses de Vale, o ex-presidente da segunda maior mineradora do mundo nos últimos 11 anos e hoje empresário Roger Agnelli parece um novo homem aos 53 anos. “Estava beirando os 100 quilos quando saí da Vale e hoje estou com 91. Perdi peso, até porque tirei um peso muito grande dos meus ombros. Estou mais leve em ambos os sentidos”, brinca Agnelli, soltando uma risada logo em seguida.
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Durante as pouco mais de duas horas em que recebeu FORBES Brasil em seu escritório provisório, enquanto não se muda para o badalado Pátio Victor Malzoni, edifício comercial com o metro quadrado mais caro de São Paulo, Agnelli deixou claro que não se arrepende do que fez (ou do que deixou de fazer para agradar ao governo e se manter no comando da Vale) e garante não guardar ressentimento de Lula, Dilma ou Mantega. “A gente não pode cultivar picuinhas do passado. O Lula realizou um trabalho extraordinário e sempre pensou em África, assim como eu penso. E a Dilma tem se mostrado uma boa presidenta”, afirmou, encerrando o assunto. Hoje, Agnelli se diz feliz com sua reinvenção e com o desafio de criar uma empresa do zero, decisão que extermina, de vez, com a longa carreira como executivo e o obrigatório uso da gravata.
À frente da AGN Participações, holding que fundou e administra com a ajuda de outros pesos-pesados, tem sobre a mesa nada menos que 100 projetos em análise nas áreas de mineração, logística e bioenergia. Como dono do próprio nariz, conta que passou a deter o controle de um dos bens mais preciosos de um homem: sua agenda. Agora tem tempo para praticar pilates diariamente, atividade que o ajuda a cuidar de um probleminha na coluna cervical e a tornar mais confortáveis os 100 voos já feitos para a África. Dez só neste ano. Para este paulistano que incrementou o valor da Vale em mais de 20 vezes para US$ 170 bilhões, sua maior prova de fogo agora é repetir como empreendedor o sucesso conquistado como executivo. E ele já escolheu seu desafio: o continente africano, eleito o “novo vale” de Agnelli.
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É agora que a AGN começa a engrenar, embora tenha sido idealizada em dezembro de 2011. Fundada por Agnelli, a holding tem como sócios Carolina Menezes (ex-Goldman Sachs) e Fábio Spina (ex-Vale, AB InBev e Suzano). Juntaram-se ao trio, mais recentemente, Jair Ribeiro (do Banco Indusval) e Alfredo de Goye (da Sertrading). Como mentor da holding, Agnelli é o homem que cuida dos contatos, da visão estratégica de longo prazo, da cultura meritocrática e da governança corporativa. Para mergulhar no dia a dia de cada área da holding, ele trouxe para seu lado os ex-Vale Eduardo Ledsham, responsável pelo braço de mineração; Ivo Fouto, de bioenergia; e Fábio Barbosa, da trading. Na divisão de logística, o responsável é Davi Cade, que veio da CSN. Para quem acusa Agnelli de tê- los “roubado” da Vale, ele rebate que não procurou ninguém. Pelo contrário, todos é que foram, como discípulos, atrás do mestre da mineração. “Eles saíram ou iam sair da Vale”, justifica.
De jeans e camisa, sempre sem gravata, a rotina de Agnelli na companhia é mais light que na Vale. “Chego aqui umas 10h, encho o saco de todo mundo até umas 18h e depois vou embora para casa. Trabalho todo dia, até de fim de semana, mas estou com uma agenda um pouco mais light, o que me permite até almoçar”, diz Agnelli, que diariamente toma o shake de baunilha Glucerna SR na hora do almoço. Com apenas 93 calorias, muitas vitaminas e minerais, carboidratos de lenta absorção e gorduras monoinsaturadas, o único problema da refeição, segundo a secretária de Agnelli, é o teor de sódio um pouco elevado. Mas como a alimentação anda comedida e o consumo do shake está restrito a um por dia, ele parece não se preocupar com o alerta. “Sou um cara muito exigente comigo mesmo e com os outros. Não consigo ficar no meio-termo”, diz, referindo-se à dieta e também à vida profissional.
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Com o time em campo há alguns meses, a AGN marcou seu primeiro gol em julho, quando costurou uma sociedade com o BTG Pactual, do banqueiro André Esteves, o 11º homem mais rico do Brasil pelo ranking da FORBES. Isso significa que as duas partes detêm 50% do controle da B&A Mineração, negócio do braço AGN Mineração. Com foco em fertilizantes, minério de ferro e cobre, a B&A inicia sua trajetória com um investimento de US$ 500 milhões, já comprometidos em projetos no Brasil, Chile e África. “Talvez a gente precise de outros US$ 500 milhões e aí eu vou ter que ligar para o André”, diz Agnelli. A partir de dezembro, ele não precisará mais passar a mão no telefone para falar com o sócio. As duas empresas dividirão o mesmo prédio e tornarão as reuniões e cafés mais frequentes. A mineração será a primeira área da AGN Participações a gerar receita, a partir de janeiro de 2014, com a produção de cobre no Chile e fosfato e potássio no Brasil.
A B&A, embora novata, não foi criada para ser uma coadjuvante do mercado. “Nos próximos três anos, quando já estiver produzindo, certamente ela estará no mercado de capitais”, afirma Agnelli. Interlocutores próximos do empresário dizem que a ida à Bolsa é uma possibilidade futura, mas não uma certeza, tanto para a B&A quanto para toda a AGN. Nada impediria, por exemplo, que o indiano Lakshmi Mittal, o magnata do aço, faça um dia uma proposta de associação com o grupo, por exemplo. Essa é uma ideia, claro, que só fará sentido se a AGN avançar em minério de ferro.
E Eike Batista? Há alguma chance de Agnelli se associar a ele um dia? “Eike é um empreendedor de tirar o chapéu. É um cara, no mínimo, corajoso e de visão. Se houver alguma oportunidade de desenvolvermos algo juntos, não haverá motivo para não desenvolver. Não tenho picuinha alguma com ele, mas faz tempo que não o vejo”, diz Agnelli, que conhece o presidente do Grupo EBX desde os anos 80 e tem uma grande admiração por seu pai, Eliezer Batista, por duas vezes presidente da Vale. Hoje, no entanto, a AGN tem outros projetos na fila para analisar. Só em minério de ferro são 20 em avaliação. “A China, que é a maior produtora mundial, com 400 milhões de toneladas produzidas por ano, tem muitas minas pequenas. Em cinco anos, esses depósitos não serão competitivos e terão que ser substituídos”, prevê. No Brasil, além de Carajás, ainda há muito minério para ser explorado, garante.
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Fertilizante é um dos grandes interesses do braço de mineração da AGN, que sabe das boas oportunidades para se vender potássio e fosfato no mercado brasileiro. Por essa razão, a B&A adquiriu, neste ano, quase 30% da Rio Verde e outros 11,5% da MbAC Fertilizantes, ambas empresas listadas no Canadá e com projetos e ativos em potássio e fosfato, próximos de serem iniciados. As duas empresas devem começar a produzir em 2014.
Esses negócios vêm ao encontro do discurso da presidente Dilma Rousseff, que, recentemente, alertou para a necessidade de o Brasil reduzir a dependência nacional em relação aos fertilizantes importados. Como ela lembrou, isso afeta o custo da produção brasileira de alimentos, que poderia ser mais barata. Calcula-se que por volta de 90% do potássio usado no país venha do exterior.
O tema é estratégico para o Brasil, afirma Agnelli, que durante toda entrevista evitou definir a AGN como uma concorrente da Vale. “Não existe briga com a Vale, mas com os importadores. A demanda é crescente por fertilizantes e tem espaço para todos. Brasil e Ásia precisam, cada vez mais, de potássio e fosfato.” Agnelli diz não ter a pretensão de ser tão grande quanto a ex-empregadora, a Rio Tinto ou a BHP Billiton. No entanto, também deixa claro que não quer ser pequeno. “Tamanho e rentabilidade serão consequência do nosso trabalho que está começando agora”, desconversa.
Pressa é algo que o fundador da AGN parece não ter. Preocupação para encontrar investidores para outros projetos também não. “Isso aqui não é um fundo de private equity com prazo de retorno. É o nosso dinheiro”, afirma Agnelli, que apostou suas reservas financeiras no negócio. A lição de casa da AGN, neste seu primeiro ano de operação, baseia-se na seleção rigorosa de projetos. “Muita gente tem nos procurado atrás de bons projetos. Mesmo com a crise financeira global, faltam projetos bem estruturados e promissores no mundo”, afirma Agnelli.
Administrar portos e terminais no Brasil é uma das ambições da AGN no país, que já identificou 40 oportunidades. Só que nesse caso, mais uma vez, não adianta ter pressa. É necessário aguardar o andamento dos processos de concessões e regulamentações. “O desafio agora é ter bons projetos, com risco e retorno bem calculados e estudos de viabilidade prontos. Não dá para ir atrás de investidores antes de ter isso tudo em mãos, tampouco prometer para depois não cumprir”, conta o empresário, que tem amizade com os maiores mineradores do mundo e proximidade com a família Rothschild.
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Como acionista da Vale, Agnelli conta que não se desfez dos papéis por acreditar no potencial da companhia e na reversão do cenário de baixa. Se depender da crença de Agnelli em Nossa Senhora Aparecida, suas reservas financeiras provenientes da Vale deverão crescer no longo prazo. Católico apostólico romano, Agnelli deixa sua fé transparecer quando abre os dois primeiros botões da camisa e mostra a corrente com seis medalhas protetoras. A maior parte de Nossa Senhora e anjos da guarda. “Estão todos aqui”, conta com uma ponta de orgulho. Apesar das proteções, Agnelli não faz o estilo carola, que vai à missa todos os domingos. Contudo, se desdobrou para ir até Aparecida e conhecer o papa Bento XVI, quando ele esteve no Brasil em 2007.
No dia em que recebeu a bênção do papa, Agnelli não imaginava que, dali a quatro anos, sua fé e sua mulher, Andréa, seriam fundamentais para abrir uma nova porta em sua vida profissional, após 21 anos de Bradesco e 11 de Vale. “Para ser muito sincero, no dia seguinte à minha saída (em 21 de maio de 2011) e após 21 anos de Bradesco e 11 anos de Vale, eu não sabia como seria a minha vida sem tantas viagens, pressões, negociações e tensões”, recorda. A esposa, que, em 26 anos de casamento, nunca havia conseguido arrastar o marido para férias ou passeios sem obrigações corporativas, sugeriu uma viagem. “A Andréa sempre foi o meu refúgio para tudo, minha parceira de vida. As mulheres são mais sensitivas e intuitivas e ela, que conhece a Vale melhor do que muitos empregados, me orientou nesse momento de indecisão”, conta. Foi assim que o casal ficou quatro meses fora do país. Dois em Roma, na Itália, terra dos ascendentes paternos de Agnelli, naturais de Arezzo, na Toscana, e o restante em Boston, em estudos no MIT (Massachusetts Institute of Technology).
Esse contato com um mundo sem compromissos colocou Agnelli frente a frente com o futuro. Ele poderia escolher entre não fazer nada, tornar-se pai em esquema 24×7 (horas x dias) ou então buscar uma nova realização profissional. Sua personalidade e temperamento, notoriamente fortes, o impediram de ficar parado por mais de uma semana. Na segunda semana de férias, ele começou a traçar o plano de negócios do Agnelli pós-Vale.
Foi na terra da pasta que Agnelli relembrou das viagens que fez à África ao longo de sua carreira e constatou que as vantagens obtidas pela aproximação entre Brasil e África na área agrícola poderiam ser enormes. “A tecnologia brasileira poderia proporcionar um salto de décadas na qualidade e no aumento da produção de alimentos na África.” Ao mesmo tempo, a África sempre se mostrou um tesouro adormecido, com grandes reservas minerais inexploradas. Com a superexploração das minas e depósitos tradicionais, a próxima fronteira agrícola e mineral do mundo pode estar na África, acredita Agnelli. Além de alimentar a Ásia, o continente africano pode ser a saída para a combalida Europa aplicar seus conhecimentos e recursos e crescer diante da crise. Toda essa visão levou Agnelli a prever os ganhos de um investimento na África. “O Brasil é um país com sangue africano e muitos laços culturais, além de solo e clima parecidos”, observa.
Mas e a instabilidade política de vários países africanos, a deficiência logística, a falta de mão de obra qualificada e o PIB do continente, que representa menos de 2% de toda riqueza produzida pelo mundo, como ficam? Agnelli responde olhando a metade cheia do copo. “Risco, todo lugar tem. Minha visão é positiva. O que eu vejo é um continente com mais de 1 bilhão de habitantes, com diversos países vivendo uma democracia, uma economia pujante e uma classe média ascendente. A África é um continente de oportunidades e o Brasil está chegando a um estágio de desenvolvimento que poderá contribuir com a África em áreas diversas, desde saúde e educação até logística e exploração mineral.” Trocando em miúdos, Agnelli e todos os seus diretores da AGN pensam grande e no longo prazo. Há quem já preveja até um compartilhamento na área de saúde, com oportunidades para o Hospital SírioLibanês, uma referência brasileira, instalar-se na região.
A África é a menina dos olhos da AGN, que tem observado projetos em diversas áreas nas costas leste e oeste, e um lugar onde Agnelli trafega bem, já que há alguns anos ele participa como membro do conselho internacional da presidência de países como Moçambique. Ao menos duas vezes ao ano ele vai à reuniões que discutem a estratégia do país, seu desenvolvimento futuro e modelos internacionais a serem seguidos. “Vários países africanos se espelham no Brasil, a bem-sucedida ex-colônia de Portugal que tem liderado vários mercados no mundo e reduzido a desigualdade social”, conta.
Essa proximidade com a África deve funcionar como uma blindagem para Agnelli se proteger da instabilidade política que afeta vários países da região, embora ele não veja dessa forma. “O que te blinda de qualquer operação de risco é a atitude de compromisso de longo prazo. Qualquer empresa que for à África deverá integrar ao plano de negócios ideias para ajudar as pequenas comunidades, o meio ambiente ou outros projetos que promovam um salto tecnológico na região”, ensina Agnelli. Feito isso, ele acredita que a sociedade defenderá a empresa dos riscos e desafios políticos. Pelo visto, a busca da AGN pela “mina de ouro africana” está só começando.