O CEO da Google, Sundar Pichai, não é exatamente um Steve Jobs, ou mesmo um Mark Zuckerberg, Jeff Bezos ou Tim Cook. Pichai é o clássico CEO interno, um prodígio discreto e metódico, que prefere um papo geek sobre o futuro da ciência da computação a agitar um público de desenvolvedores de software com demonstrações de produto coreografadas. E era exatamente isso que Larry Page, cofundador da Google, estava buscando quando o escolheu para assumir uma das maiores empresas de tecnologia de todos os tempos.
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Com capitalização de mercado de quase meio trilhão de dólares, a Google, ou melhor, sua controladora, a Alphabet, é a segunda empresa mais valorizada do mundo, dominando amplas áreas do setor de tecnologia, entre as quais as de buscas, publicidade digital, vídeo e mobilidade.
Mas Page e Pichai sabem muito bem que os colossos tecnológicos muitas vezes se perdem quando estão no auge da força. E, enquanto alguns gigantes mais antigos, da IBM à BlackBerry, foram derrubados por um único inimigo, a Google enfrenta uma guerra dilacerante em múltiplas frentes com as quatro outras superpotências da tecnologia. Ela está combatendo a Apple na mobilidade e o Facebook na publicidade, no vídeo e nas comunicações. Está se contrapondo à Amazon no comércio, à renascente Microsoft no software empresarial, e de novo às duas no serviço de nuvem.
À medida que a Google continua a fazer a transição do computador de mesa para os aparelhos móveis, a computação já está seguindo em direção a múltiplas telas e, em alguns casos — como no da caixa de som inteligente Echo, sucesso-surpresa da Amazon —, a nenhuma tela. As interações com os aparelhos e aplicativos estão se transformando rapidamente em conversas de duas vias, às vezes utilizando “robôs” inteligentes desenvolvidos pela Microsoft, pelo Facebook e por outras empresas. Diferentemente dos aplicativos, esses robôs rodam em serviços de comunicação como o Messenger, do Facebook (900 milhões de usuários), ou o Skype, da Microsoft (300 milhões de usuários). A Google tem o Gmail, que é amplamente difundido (mais de um bilhão de usuários), mas não dispõe do tipo de sistema de mensagens moderno que os mais jovens preferem.
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Pichai, no entanto, acredita que este novo mundo da tecnologia é feito sob medida para a Google devido a um fator: a inteligência artificial (IA). Praticamente qualquer pessoa é capaz de programar conversas simples, rudimentares — a Siri da Apple foi uma das pioneiras —, mas para ir além da exibição dos softwares de demonstração, são necessários algoritmos mais refinados. E a inteligência artificial é o leme da Google há anos. A empresa investiu em blocos de construção essenciais, como reconhecimento de voz, compreensão da linguagem e tradução automática, muito antes da maioria das rivais. E, segundo Pichai, após anos de preparação, a Google está pronta para juntar este trabalho em produtos que a manterão na frente da concorrência.
“Nós já temos trabalhado com essa visão de transferir a prioridade da mobilidade para um mundo com inteligência artificial ao longo de muitos anos”, diz Pichai. Ele revela os primeiros frutos dessas iniciativas: uma caixa de som inteligente chamada Google Home, cujo alvo é a Echo da Amazon (e talvez um produto que a Apple ainda está desenvolvendo), e um aplicativo de mensagens chamado Allo. Por trás dos dois está um novo serviço que Pichai chama de “assistente do Google”, versão da empresa para a computação conversacional.
Pode-se vê-lo como a Busca 3.0 — uma maneira nova e interativa de se comunicar com o próprio Google. Com ele, você poderá comprar um ingresso, reservar um voo, tocar música, agendar uma tarefa, responder uma mensagem; o assistente do Google pode até escrevê-la para você. Ele pode lembrá-lo de encomendar flores antes do Dia das Mães, ou de fazer as malas para a sua viagem que está chegando, e pode ser capaz de retomar uma conversa anterior do ponto em que você tinha parado. Em outras palavras, ele estará lá, pronto para ajudar. Garantir que esse assistente atinja seu potencial pleno levará anos, e desenvolvê-lo será mais difícil do que foi a criação da própria busca para Page e o cofundador Sergey Brin.
O lançamento do Allo reforça o fato de que a Google não está em lugar nenhum no segmento de mensagens, e de que precisa muito chegar a algum lugar sem demora. O Google Home indica que ninguém na empresa viu a onda das caixas de som inteligentes chegando — a Amazon teve que mostrar o caminho. E essas deficiências ressaltam um dos desafios mais significativos de Pichai: embora ninguém duvide de que a Google se sobressai em tecnologias complexas e aprendizado de máquina, ela nem sempre é líder quando se trata de transformar essas tecnologias em produtos matadores.
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“O risco da Google é que a capacidade que eles têm de trabalhar com uma IA bastante complexa os leve a negligenciar oportunidades de criar com simplicidade experiências de usuário boas o suficiente”, diz Tim O’Reilly, fundador da O’Reilly Media. O Google Home será um teste, apesar de que os resultados só serão vistos daqui a alguns meses. Além disso, se as conversas e as mensagens, e não o computador de mesa ou mesmo a tela inicial do seu smartphone, devem se tornar os novos canais para os robôs e outros serviços digitais, a Google precisa atrair para si esses serviços de maneira rápida e eficaz, assim como o Facebook, a Microsoft, a Amazon e talvez a Apple estão tentando fazer. “No fim, não vai acontecer de todos os desenvolvedores externos se ligarem a todas as plataformas”, afirma David Yoffie, da faculdade de administração de Harvard, respeitado pesquisador do setor de tecnologia. “A questão é quem será o mais bem-sucedido.”
A função de Pichai é garantir que a resposta seja a Google e, ao mesmo tempo, manter uma empresa de cerca de 60 mil funcionários e receitas anuais de 75 bilhões de dólares em plena atividade. Essa tarefa ressalta o motivo
pelo qual Page buscou substância, em prejuízo do estilo. A lista de afazeres de Pichai começa pela monetização de um império digital agigantado, que abarca buscas, Android, mapas, YouTube, Play, e muitos itens menores. Inclui manter a coesão da desigual coalizão de empresas concorrentes que constituem o universo do Android, unificar os dois sistemas operacionais do Google (Android e Chrome), e lidar com investigações fiscais e antitruste.
Pichai diz que está preparado para liderar a metamorfose da Google. “Existe um espírito de foco na nossa missão e na transformação da empresa com o uso de aprendizagem de máquina e inteligência artificial”, diz.
Se você voltasse o relógio cerca de três décadas, talvez encontrasse Pichai em pé na frente de uma lambreta, o pai segurando o guidão, a mãe empoleirada na garupa com o irmão mais novo no colo, enquanto a família seguia pelo trânsito caótico de Chennai, na Índia. Foi lá que Pichai cresceu, numa casa simples de dois cômodos. Pelos padrões ocidentais, o pai, engenheiro elétrico, e a mãe, estenógrafa, eram pessoas de poucos recursos. Durante anos, eles não tiveram televisor, telefone nem carro.
Mas os pais davam forte ênfase à educação, e Pichai conseguiu uma vaga no Instituto Indiano de Tecnologia, em Kharagpur. Após se formar em engenharia, ele ganhou uma bolsa para Stanford, onde, em 1993, iniciou pós-graduação em engenharia e ciência dos materiais com o objetivo de obter o doutorado e seguir carreira acadêmica — o sonho dos pais dele. No entanto, como acontece com muitos em Stanford, o Vale do Silício acenou e, após o mestrado, ele entrou na Applied Materials, pioneira do setor de circuitos integrados.
Pichai foi parar na Google em 2004, quando a empresa de buscas, que crescia rapidamente, ainda considerava a Microsoft sua adversária mais temível. Ele foi jogado nas trincheiras da batalha da empresa com a gigante do software. Desde o começo, ele demonstrou um enfoque metódico e estratégico na tomada de decisões, o que impulsionou sua ascensão na hierarquia administrativa da Google. Foi colocado no comando de um software que não tinha nenhum glamour, mas era essencial: a barra de ferramentas do Google, que permitia às pessoas fazer buscas diretamente no navegador, sem
a necessidade de irem até a página inicial do Google.
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O trabalho estratégico na barra de ferramentas levou à sua próxima grande aposta: o navegador Chrome. O projeto era controverso dentro da Google, onde algumas pessoas achavam que ele irritaria desnecessariamente a Microsoft, cujo Internet Explorer dominava o mercado de navegadores. Pichai argumentou que a Google era capaz de criar um navegador melhor, e que corria o risco de perder parte substancial de sua receita de buscas se a Microsoft, como muitos temiam, mexesse no Explorer para dificultar o acesso de seus usuários ao Google. Com uma equipe pequena, Pichai, que na época estava subordinado a Marissa Mayer, atual CEO do Yahoo!, desenvolveu o produto em silêncio. Embora o lançamento cuidadosamente organizado em 2008 tenha sido um fiasco de relações públicas, porque um blogueiro alemão obteve os materiais de marketing e deu a notícia antes, o navegador de Pichai era mais enxuto e mais rápido do que qualquer outro no mercado, e a equipe conseguiu mantê-lo na dianteira mesmo quando os rivais começaram a correr atrás. Em 2012, o Chrome tinha se tornado o navegador de computador de mesa mais usado e, graças ao crescimento do Android, também é o mais presente nos aparelhos móveis.
Para Pichai, a inesperada vitória do Chrome consolidou sua reputação de prodígio em produtos e de empreendedor, e o impulsionou numa subida vertiginosa nos escalões da Google. “Há uma parte da Google que tem um estilo profissional, e o Sundar se encaixa perfeitamente nela”, diz um ex-executivo sênior.
As responsabilidades aumentavam à medida que os possíveis rivais perdiam popularidade. Mayer, que tinha sido sua chefe, foi posta de lado e acabou indo para o Yahoo. Em 2013, Pichai, que tinha passado a desenvolver um sistema operacional e um conjunto de notebooks baseados no Chrome, recebeu o controle do Android, uma das joias da coroa da Google, após Andy Rubin, criador do sistema, ter sido deixado em segundo plano. Um ano depois, Vic Gundotra, o executivo sênior que liderava o Google +, dispendiosa e malfadada aposta da empresa nas redes sociais, também foi obrigado a sair.
Pichai seguiu imperturbável, lustrando sua reputação de executivo voltado para a equipe e, o que é mais importante, ganhando a confiança de Page. “Ele toma decisões duras e difíceis, mas sem muito alvoroço”, diz o ex-executivo sênior. “As pessoas adoram a ausência de dramas e o poder de reflexão. Isso levou a uma maior coesão.” Num retiro da alta administração da Google na primavera passada, foi pedido a Pichai que esboçasse uma visão de como os aplicativos evoluiriam num mundo de telas múltiplas. Quando ele terminou, Page, radiante, levantou-se para dizer que não poderia ter traçado uma imagem mais clara do futuro, segundo uma pessoa que esteve presente.
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“Eles realmente estão de pleno acordo sobre como será o futuro”, diz o executivo. Quando Page reorganizou a empresa na forma de uma controladora chamada Alphabet, designou Pichai CEO da Google, que é responsável por 99% da receita e pela totalidade dos lucros da companhia.
Um bom ponto de partida para ver o potencial imediato da aprendizagem de máquina para criar uma nova geração de produtos digitais — os quais podem mudar a maneira como os próprios seres humanos vivem — é o Allo, que só será disponibilizado ao público em meados do semestre. Apesar de o mercado de aplicativos de comunicação estar maduro e saturado, Pichai aposta que uns poucos recursos inteligentes ajudarão a conquistar o público.
Um desses recursos, o Smart Reply, sugere automaticamente três respostas pré-escritas para uma mensagem, de acordo com o conteúdo. A Google desenvolveu o Smart Reply em menos de um ano, e o testou primeiramente no Inbox, um aplicativo móvel de e-mail. Com o Allo, a Google foi um passo além, combinando o Smart Reply com o reconhecimento de imagens, de modo que ele é capaz de sugerir respostas a fotos enviadas por mensagem. Se você mandar uma foto fazendo paraquedismo, o Allo poderá sugerir respostas como “incrível”, “corajoso” ou “medonho”; se enviar a imagem de uma criança ou de um bicho de estimação, a sugestão poderá ser “fofo”. No Allo, o assistente do Google poderá também aparecer no meio de uma conversa para ajudá-lo a reservar um restaurante ou planejar uma viagem.
Pichai está convencido de que a Google está bem à frente dos concorrentes. Ele cita o programa AlphaGo, que derrotou recentemente o maior expoente mundial do jogo japonês Go — e que um dia poderá ser aplicado a problemas mais práticos —, como o tipo de investimento que manterá a empresa em destaque. “Quando você pensa em aprendizagem de máquina e IA, há coisas que você pode fazer agora, algumas em dois a três anos”, diz Pichai. “Algumas são mais profundas e levarão mais tempo para fazer.”