Talvez o nome de Amancio Ortega não lhe diga tanta coisa quanto o de Bill Gates ou de Warren Buffett. Mas você certamente conhece seu legado. O bilionário espanhol é fundador da Inditex, controladora da principal rede de fast-fashion do planeta: a Zara.
De perfil extremamente discreto, Amancio tem disputado ombro a ombro com o cofundador da Microsoft o primeiro lugar da lista de FORBES de pessoas mais ricas do mundo. Em setembro, assumiu o topo durante dois dias – um feito assombroso em qualquer circunstância, e ainda mais notável ao se analisar o ramo de atividade de ambos; de forma simplista, “o velho” contra “o novo”.
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Fundada em 1963 por Amancio e sua primeira esposa, Rosalia Mera, a Industria de Diseño Textil (Inditex) tem vivido seus melhores dias nos últimos 12 meses, com o maior pico acionário desde que abriu capital na Bolsa de Madri, em maio de 2001.
Com ações negociadas a € 33,23 (no dia 21 de outubro), a empresa está avaliada em € 103,55 bilhões, o que impacta diretamente no crescimento do patrimônio de Ortega, acionista majoritário do grupo, hoje calculado em US$ 77,5 bilhões. Estima-se que, só de dividendos, o espanhol fature US$ 400 milhões anualmente.
No dia 9 de setembro, quando a empresa chegou a € 33,10 por ação, Ortega ultrapassou Bill Gates como homem mais rico do mundo. Com a retomada do aumento do valor dos ativos da Microsoft, o norte-americano logo retornou ao primeiro lugar. A liderança momentânea não é o único motivo para que olhos de admiração se voltem para a Inditex. Os resultados sólidos da gigante têxtil nos últimos anos fizeram com que Amancio dobrasse de patrimônio em pouco menos de cinco anos.
Com mais de 7 mil lojas em 91 países, a Inditex, comandada por Pablo Isla, pupilo de Ortega, tem obtido resultados impressionantes nos últimos dois anos. Em outubro de 2014, suas ações eram negociadas a € 20,67 cada uma. Agora o valor passa dos € 33, um aumento de 60%, superior a qualquer outra empresa do setor. “Considerando a crise, é um crescimento muito relevante”, afirma Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), sócio-diretor da consultoria BTR e especialista em varejo europeu.
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De acordo com Terra, tal sucesso deve-se a dois motivos principais: a empresa mostrou resistência durante a crise global de 2008, época em que se tornou a maior varejista de moda do mundo, e internacionalizou suas marcas com sucesso. “A sueca H&M, por exemplo, que é sua concorrente direta na Europa, não teve o mesmo êxito.”
“No auge da crise, quando a Espanha sofria com o desemprego, a região da Galícia estava blindada graças a ele”, avalia Flávio Rocha, CEO da Riachuelo, que passou um dia na companhia de Ortega em 2009, quando o país caminhava para a recessão.
Ortega já sabia para onde apontar. “Estamos diante de uma crise econômica, mas precisamos nos concentrar nos países emergentes: China, Rússia, Brasil, Leste Europeu… Existem novos mercados com novos tipos de consumidor surgindo”, afirmou o bilionário à jornalista italiana Covadonga O’Shea, autora de O Gênio da Zara, em uma conversa em 2008. Só na China, o conglomerado tem hoje 582 lojas. E novos destinos não param de surgir no mapa de Ortega: em 2015, aumentou a presença nos Estados Unidos, mercado antes tomado pela GAP, para mais de 70 unidades, e abriu os primeiros negócios na Oceania.
“Amancio é um dos gênios empresariais do século, pois é um game changer não só para o setor têxtil de moda, como para todos os outros do varejo. Nas décadas passadas, quando começamos, havia uma crença muito presente na cadeia têxtil de que tudo era liderado pela indústria”, conta Rocha. “Ele mudou o papel do varejo. Antes, toda a produção era segmentada: fabricação, distribuição e venda. Amancio transformou tudo de uma forma holística, interligada. Hoje, é uma cadeia de suprimento totalmente redesenhada, não mais empurrada pela indústria. O varejo assumiu o papel da marca.”
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Se marca é a palavra-chave, para a Inditex o sucesso tem quatro letras: Zara. Das oito grifes do conglomerado, a rede de fast- fashion é, sem dúvida, o carro-chefe. Eleita por FORBES a 53ª marca mais valiosa do mundo em 2016, com valor de mercado de US$ 10,7 bilhões, a varejista fundada em 1975 tem mais de 2.100 lojas espalhadas por 88 países.
Para os especialistas, o sucesso da marca consiste em ter encontrado uma maneira de oferecer moda a um valor mais acessível. “Ela está entre o apparel e a boutique: conseguiu combinar produtos que, pelo preço, geram escala, mas trazem uma proposta de diferenciação”, afirma Terra.
Juracy Parente, doutor em administração pela University of London e chefe do Departamento de Marketing da FGV-Eaesp, vê o segredo da rede na velocidade com que a marca lança coleções. “É o que chamamos de mass prestige. A rapidez com que eles conseguem desenhar e fabricar faz com que o consumidor se sinta exclusivo e, mais que isso, sinta a necessidade de voltar”, explica. Enquanto boutiques mais tradicionais levam até seis meses para produzir e lançar uma nova coleção, a Zara chega a fazê-lo em duas semanas – estima-se que 40% do estoque seja trocado a cada sete dias.
“É um produto de qualidade média, mas, dada a rapidez, a rentabilidade das lojas é alta”, afirma Parente. De acordo com Terra, enquanto varejistas como o Walmart têm margens de lucro que variam entre 2% e 3%, a rede espanhola chega a impressionantes 15% a 18%. “São patamares altíssimos, você consegue o retorno sobre o investimento muito mais rápido.” Assim, a Zara foi responsável por grande parte da receita de € 20,9 bilhões da Inditex no ano passado.
Mas o aumento da operação traz uma série de desafios, como a terceirização da produção, antes concentrada em fábricas próprias na Espanha. Em agosto de 2011, a Superintendência Regional do Trabalho e do Emprego de São Paulo abriu uma investigação contra a rede após denúncias de trabalho escravo. Em comunicado enviado à agência Reuters, a Inditex admitiu ter encontrado 16 trabalhadores não regularizados, em uma conduta que o grupo declarou “repudiar absolutamente”. De acordo com a companhia, o caso restringia-se a uma “terceirização não autorizada”.
Sem divulgar faturamento regional, o Brasil representa a terceira maior força da empresa nas Américas, atrás de México e Estados Unidos, respectivamente, com 70 lojas (55 unidades Zara tradicionais e 15 Zara Home, com artigos de decoração, em todas as regiões do país).
Começo difícil
Nascido em 1936 numa família pobre em um vilarejo de León, no noroeste da Espanha, Amancio começou a trabalhar numa loja de roupas de La Coruña, aos 12 anos. “Não tinha tempo de estudar porque trabalhava 24 horas por dia. A percepção daquilo que eu queria fazer se tornava mais clara, e eu não podia parar até estar em posição de lançar a ideia para os outros”, contou à jornalista O’Shea. “A única coisa da qual me arrependi depois de tanto tempo foi que nunca aprendi a falar inglês.”
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Sempre foi avesso aos holofotes, diferente de grande parte dos ícones do mundo da moda. Antes de a empresa abrir capital, quando ele foi obrigado a tirar uma foto oficial para apresentar na Bolsa de Madri, nem os moradores de La Coruña conheciam seu rosto. “As únicas pessoas que quero que me reconheçam na rua são meus familiares, amigos e colegas de trabalho”, explicou Ortega ao recusar uma foto com a jornalista italiana. “Tento viver uma vida tranquila, como outro qualquer.”
Dono de uma mansão à beira-mar, Ortega evita eventos públicos e, mesmo aposentado oficialmente como chairman da empresa desde 2011, ainda acompanha de perto a rotina das fábricas. “Eu achava que ele era um homem da tecnologia, visto as inovações que a Zara traz”, conta Flávio Rocha. “Mas quando o visitei descobri que é um homem de produto. Ele passa o tempo todo acompanhando a produção.” O’Shea, amiga do espanhol desde o início dos anos 1990, teve uma experiência semelhante quando ligou para parabenizá-lo pelo seu 75º aniversário. Ao ser questionado onde iria comemorar, Amancio foi categórico: “Na empresa”.
Além do trabalho, outra paixão é o futebol. Um dos poucos lugares públicos em que era possível encontrá-lo até pouco tempo atrás eram as tribunas do Riazor, estádio do Deportivo La Coruña. Uma história, não confirmada pela família, conta que, no dia 18 fevereiro de 2012, o casamento de sua filha mais nova, Marta, atrasou alguns minutos porque Amancio estava vendo o jogo do seu time do coração vencer (2 a 1) o Barcelona B pela Segunda Divisão do Campeonato Espanhol.
Também gosta de hipismo, graças à filha caçula. Aos 33 anos, Marta Ortega dedicou as horas vagas da adolescência e do início da vida adulta como amazona. Em 2000, o bilionário investiu estimados € 9 milhões para a construção do Centro Esquestre Casas Novas, em Arteixo, cidade onde fica a sede da Inditex. Favorita do pai, especula-se que Marta está sendo treinada para assumir o comando da gigante têxtil em breve. Atualmente, ela organiza a seção feminina da Zara com outras quatro pessoas. A organização horizontal da empresa estabelece que não haja apenas um chefe – mesmo que seja a filha do dono.
A filha mais velha, Sandra Mera, herdou grande parte da fortuna da mãe, Rosalia, falecida em agosto de 2013, aos 69 anos. Rosalia ficou com 5,1% dos ativos da empresa quando a Inditex abriu capital. Diferentemente da irmã mais nova, Sandra não se interessa pelos negócios e muito menos pela vida pública: dedica-se a comandar a Fundación Paideia, organização sem fins lucrativos criada pela mãe. Ela é, hoje, a segunda pessoa mais rica da Espanha, atrás do pai, com uma fortuna estimada em US$ 7,1 bilhões.
Amancio também dedica parte do tempo ao comando da fundação que leva seu nome. Em 2015, a FAO investiu € 23,5 milhões em projetos sociais – 82% deles voltados à educação, como formação de professores, bolsas para estudantes de baixa renda e construção de escolas em La Coruña.
Aos 80 anos, o homem que se tornou o mais rico do mundo por dois dias não sabe quais serão seus próximos passos. “Só não quero parar.”