“João Doria, você é um empresário bem-sucedido, tem uma linda família, uma bela casa… Pra que se meter em política, ainda mais numa época conturbada como esta?”
A frase resume a reação de parentes e amigos quando, no início dos anos 1960, o baiano João Agripino da Costa Doria Neto, advogado e publicitário bem-sucedido, de família tradicional, anunciou sua decisão de entrar para a política. Os temores não eram vãos. João elegeu-se deputado federal pelo Partido Democrata Cristão e incorporou-se à Frente Parlamentar Nacionalista, que apoiava o presidente João Goulart. Em 1964, veio o golpe militar e o Ato Institucional nº 1. Já como vice-líder do bloco dos pequenos partidos na Câmara, seu nome estava na lista. Teve o mandato cassado e os direitos políticos suspensos por dez anos. Acuado, partiu para o exílio em Paris. Logo depois, a mulher, Maria Sylvia, de 26 anos, e os filhos João Doria Jr., de 6 anos, e Raul Doria, de 1 ano, o seguiram.
João Doria pai não conseguiu manter na Europa o padrão de vida que mantinha em São Paulo. Longe disso. Em pouco tempo, o que restava de conforto e dinheiro desapareceu. Sem recursos, decidiram que Maria Sylvia e as crianças deveriam voltar ao Brasil – não mais para a confortável casa no Pacaembu onde moravam, com motorista e empregados, e sim para um apartamento simples no então distante bairro de Pinheiros, com suas ruas de terra. Ela, que nunca havia trabalhado, começou a fazer fraldas para vender. Penhorou as joias e fazia empréstimos com agiotas. Joãozinho a acompanhava à loja de penhores: “Nunca me esqueço daqueles dias. Eram terrivelmente cheios de tristeza”.
LEIA MAIS: 5 lições de liderança com o bilionário Michael Bloomberg
Enquanto costurava, Maria Sylvia chorava. Frequentemente, a luz era cortada por falta de pagamento. A vizinha emprestava a geladeira. O pequeno João tentava amenizar o clima de angústia enquanto ajudava a mãe na produção das fraldas. Costumava dar ao irmão caçula uma fatia de pão com manteiga e sal – o “almoço” – e depois uma fatia com manteiga, açúcar e canela – a “sobremesa”.
Graças a uma bolsa de estudos, Raul pôde estudar no conceituado Colégio Rio Branco. João teve que trocá-lo por uma escola pública. “Foram oito anos de enorme dificuldade”, lembra. “Ele ia todo dia me buscar para voltarmos a pé para casa”, diz Raul.
"Acho que ele nasceu assim. Responsável, organizado, preocupado em fazer tudo funcionar ao seu redor, em servir as pessoas”, avalia Raul DoriaNa Europa, o pai também dedicava-se aos estudos – tornou-se PhD em psicologia e especializou-se em um método de mind power que ajudaria a moldar a personalidade dos filhos – especialmente do mais velho, que era fascinado pelo pai e por tudo o que ele fazia.
Aos 13 anos, o menino decidiu que precisava ajudar a pagar as despesas da casa. “Fui bater na porta da agência de publicidade onde meu pai tinha sido presidente, a Standard Ogilvy, dizendo que eu tinha que trabalhar para ajudar minha mãe.” O diretor Maurice Cohen sensibilizou-se e deu-lhe um estágio com a promessa de promoção, caso aparecesse uma vaga. A vaga surgiu dois meses depois – assistente de rádio, TV e cinema.
João entregava quase todo o dinheiro (mais ou menos um salário mínimo) para a mãe. “Eu tinha carteira assinada, um salário, sanduíche e suco no almoço”, lembra. “Serei sempre grato a Cohen por isso.” Em casa, disse à mãe que ia trabalhar bastante para que ela pudesse descansar, para que ela parasse de sofrer. Não teve tempo de cumprir a promessa.
No ano seguinte, em 1974, o pai voltou do exílio. Parecia o fim do pesadelo. Três meses depois, no entanto, debilitada e deprimida pela longa ausência do marido, dos amigos e da família, que nunca aprovara seu casamento
com um “nordestino”, Maria Sylvia não resistiu a uma pneumonia e morreu. Tinha 36 anos. “Minha mãe morreu de tristeza”, lamenta o prefeito eleito.
O que poderia ser o começo de duas vidas marcadas por revolta e rebeldia foi o início de duas vidas de muito trabalho e de uma impressionante ascensão.
João Doria Jr. ainda era estudante de comunicação quando assumiu cargos de chefia na TV Tupi e na Rede Bandeirantes. Poucos anos depois, foi contratado como diretor na MPM, maior agência de publicidade do país. Aos 21 anos, era diretor de comunicação da Faap.
Teve então, nos anos 1980, suas primeiras experiências na vida pública, como secretário de Turismo de São
Paulo e presidente da Paulistur e da Embratur. Foi sócio da agência DLS e montou a Doria Editora.
Em 1987, foi convidado pela Rede Bandeirantes para apresentar o programa Sucesso. Seu primeiro entrevistado
foi Malcolm Forbes, filho do fundador de FORBES e editor-chefe da revista entre 1954 e 1990 nos EUA.
Na década seguinte, fundou a produtora Videomax e criou vários programas para a TV, incluindo o Business, que apresentava na Band até ser eleito.
VEJA TAMBÉM: Feliz Brasil novo
Entre 2010 e 2011, foi apresentador, na TV Record, do programa O Aprendiz – assim como Donald Trump, outro candidato considerado outsider, vindo da iniciativa privada, que venceu nas urnas.
Hoje é presidente (licenciado) do Grupo Doria, que inclui o Lide – Grupo de Líderes Empresariais, além de outros cinco negócios com a marca Doria. Considerado um dos líderes mais influentes do país, faz parte da galeria de colunistas de FORBES Brasil.
Raul focou a carreira em publicidade e na produção de vídeos. Sua produtora, a Cine – que já ganhou oito Leões em Cannes, entre vários outros prêmios –, tem sede em uma imensa casa no Jardim Paulistano, bairro nobre da capital paulista. Vai longe o tempo de almoços à base de pão com manteiga. “Mas ainda adoro aquele com canela e açúcar que o João fazia pra mim”, garante.
JOÃO TRABALHADOR
A campanha de Doria à prefeitura bateu em duas teclas: a do gestor e a do trabalhador, como cantava seu jingle.
Foram vistas por muitos como demagogia. Mas, quando se conhece a extensão de seus negócios e sua rotina de
trabalho, tais palavras parecem fazer sentido.
Fomos recebidos por ele na sede do Grupo Doria, em um endereço nobre da capital. Roupa, penteado, expressões, dicção e gestos impecáveis. Sempre que pode, fica de olho em um pequeno despertador que põe sobre a mesa. Parece não ter um segundo a perder. Segundo pessoas próximas, João nunca se exaspera, não sente dor, não adoece, não se cansa – apesar de dormir três horas por noite (só no domingo “extrapola” e fica seis horas na cama). Não tem vícios. “Nunca bebi”, garante.
LEIA MAIS: Inspirem-se, senhores candidatos, no ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani
Teria aquela época de privações e luto moldado essa personalidade quase blindada? “Talvez. Mas acho que ele nasceu assim. Responsável, organizado, preocupado em fazer tudo funcionar ao seu redor, em servir as pessoas”, avalia Raul. “Nem meu pai nem minha mãe eram assim.” Estariam exagerando? Veja o que o próprio diz.
FORBES Brasil: Sua capacidade de trabalho é muito comentada por quem o conhece mais de perto. É verdade que você trabalha tanto?
João Doria Júnior: Eu trabalho dois dias em um há pelo menos 20 anos, sábados inclusive. Pelo menos 16 horas por dia, isso é fato.
Seus médicos não veem risco nisso?
Já me deram vários alertas, várias recomendações: “você precisa dormir, precisa descansar”. Mas eu condicionei
meu organismo e minha mente para dormir pouco e poder ser muito intenso durante todo o dia.
Como fez isso?
Uma parte vem do aprendizado com meu pai. Ele foi psicólogo e nos orientava nessa relação entre disciplina física e disciplina mental. Parte desse treinamento envolve meditação diária e parte envolve a oração. Isso nos livra de maus pensamentos, dos aborrecimentos do dia anterior. Além disso, alimentação adequada e condicionamento físico – pouco, mas todo dia.
E o que dizem sua mulher e seus filhos sobre tamanha dedicação ao trabalho?
Eles sofrem. O ônus que eu tenho é não poder conviver mais com a família. Sou muito grato a minha esposa Bia e aos meus três filhos por compreenderem a dinâmica da minha vida.
Você está perto dos 60 anos. Não era hora de tirar o pé do acelerador?
Isso só daqui a 40 anos, pois pretendo viver 100 anos ou mais. E não vou diminuir o ritmo até lá.
O que aquele período de dificuldades na infância produziu em você?
Quando você tem tudo, todo o conforto, e de repente fica sem nada, com dificuldade até para comer, você passa a dar valor à vida, em primeiro lugar, ao trabalho, em segundo, e ao dinheiro. O legado que eu recebi foi o do desafio. Ou eu reagia ou me entregava também. As orações que toda noite fazíamos eu, minha mãe e meu irmão, que era muito pequenininho, me deram a paz de espírito necessária para afastar qualquer sentimento de revolta.
Você é um empresário bem-sucedido, tem uma linda família, uma bela casa… Pra que se meter em política, ainda mais numa época conturbada como esta?
Por amor ao Brasil, por amor a São Paulo, onde vivo. Fiquei muito triste com o que o PT fez, um desastre político, econômico e moral. Procurei o governador Geraldo Alckmin em agosto de 2015 e, sabendo que o PSDB ia fazer prévias, perguntei se ele via com bons olhos que eu entrasse na disputa. Ele disse que sim, mas me preveniu que eu não seria o candidato dele. E me deu cinco conselhos: gaste a sola do sapato, priorize a periferia, amasse barro, fale pouco e escute muito e finalmente seja você mesmo. Fui para a campanha desacreditado – imagine, um não político disputando com políticos tão experientes. Pouquíssimos acreditavam que eu pudesse ter um bom desempenho na campanha, quanto mais vencer. Comecei com 3% das intenções.
E com esse número você achava que ia vencer?
Sempre acreditei. Sem nenhuma arrogância, mas tudo o que enfrentei na minha vida eu enfrentei para vencer, não para participar ou fazer número. Eu não dizia para a equipe, mas entre amigos eu garantia: nós vamos vencer essa eleição. Em 35 dias fomos de 3% para 53%. Foi um fenômeno.
Arrepende-se de alguma promessa feita na campanha que terá que rever?
Arrependimento não. Mas, como não tenho compromisso com o erro, se precisar dar um passo atrás para dar dois adiante, eu darei. Isso é prova não só de humildade, mas de bom senso: não insistir no erro por teimosia. Corrija rápido e siga a trajetória do que é correto.
Sua campanha foi baseada no fato de você ser um gestor, algo que o eleitorado avaliou como necessário neste momento. De que maneira você vai aplicar seu talento como gestor e agregador para administrar uma cidade tão cheia de problemas como São Paulo?
Sendo exatamente um administrador e não um político. Um exemplo é o conselho de ex-prefeitos, algo que nunca nenhum político fez. Convidei os ex-prefeitos de São Paulo – Fernando Haddad, Luiza Erundina, Marta Suplicy, José Serra e Paulo Maluf – para três ou quatro reuniões anuais para que eles opinem sobre o que pode e o que não pode ser feito para melhorar a qualidade de vida das pessoas que moram aqui. Todos aceitaram.
Você tem o empresário e ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg como um exemplo a ser seguido. Que características dele gostaria de replicar em sua gestão?
Ele é uma referência que me motiva e me entusiasma. Também veio do setor privado e não tinha vida orgânica na política, também foi desacreditado no início, tratado com desdém, e fez o que outros não fizeram: trabalhou. Foi dedicado, perseverante, acordou cedo, dormiu tarde, foi reeleito e cumpriu o mandato como o melhor prefeito que Nova York já teve em sua história – e olha que Nova York já teve grandes prefeitos.
Por onde você vai começar?
A prioridade absoluta é com os mais pobres e mais humildes. A eles vamos dedicar a maior parte de nosso tempo e talento.
Qual é sua profissão, afinal: publicitário, apresentador, empresário, político?
Sou um cidadão brasileiro (risos).
“CARTA DO MEU PAI FEZ JOÃO SE CANDIDATAR”
Após a morte de Maria Sylvia, João Doria pai havia se casado com Maria Teresa. “Depois que ela morreu, em 2015, uma sobrinha ligou para minha assistente e disse: ‘Olha, tem uma caixa cheia de coisas aqui, mas quando eu fui abrir não eram coisas da Maria Teresa, eram da Maria Sylvia. Tem fotos antigas, papéis… Pelo jeito, isso nunca foi aberto’”, lembra Raul.
“Mandamos buscar o baú. Sentei no chão, abri e fui olhando item por item. Encontrei uma carta. Era do meu pai, endereçada a minha mãe. Ele contava que o pior havia acontecido. Estava preso em Brasília e já previa que perderíamos tudo. Mesmo assim, dizia que não se arrependia de nada, que não trairia seus ideais. Eu me emocionei muito. Minha primeira reação foi chamar o João, dizendo que ele precisava ver algo muito importante.”
João ficou preocupado com o chamado urgente e em pouco tempo bateu à porta. Quando leu a carta, desabou.
“Acho que essa carta deu a João o impulso decisivo para reforçar nele a ideia de entrar de vez na vida pública.”
O próprio Raul achou a escolha do momento para isso muito arriscada. “Trabalhamos tanto para chegar até aqui,
estamos numa fase que seria um bom momento para viver a vida com nossas famílias. Mas ele tem adoração por nosso pai, e também ficou apaixonado pela causa de melhorar a vida dos mais necessitados.”
Trechos da carta
(…) O pior aconteceu. (…) A hipótese mais viável, no momento, será beneficiar-me do asilo político e transferir-me para um país qualquer da Europa onde possamos recomeçar as nossas vidas, isso se você estiver disposta a suportar o ônus de uma vida modesta no exílio. Caso não queira me acompanhar, irei só. Tenho a consciência tranquila de que cumpri o meu dever. Não me arrependo das posições que assumi, pois embora seja a menos vantajosa e a mais ingrata, é contudo a que melhor corresponde às minhas convicções. Não abro mão delas a troco de uma vida cômoda ou de uma prosperidade negociada às custas da miséria do povo brasileiro.