O estado de Rajasthan tem uma das piores taxas de ensino da Índia – e, provavelmente, de todo o mundo. As mulheres da região sofrem consideravelmente com a falta de educação, o que resulta na consequente escassez de oportunidades. Mas há um homem, Michael Daube, que pretende mudar este cenário.
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Michael Daube é fundador do CITTA, organização sem fins lucrativos que tem como objetivo construir e apoiar o desenvolvimento de uma das comunidades mais remotas, marginalizadas e com a economia mais desafiadora do mundo. Em Rajasthan, ele está trabalhando com a família real Jaisalmer para criar um espaço multifuncional que vai promover educação para 400 jovens meninas e oferecer treinamento de habilidades tradicionais, como arte, tecelagem e bordados, para as mulheres locais.
“Se olhar tanto de modo objetivo quanto de modo íntimo, é possível perceber que as mulheres parecem sempre estar na parte inferior das sociedades”Muito do trabalho da Rani Ratnavarti Girl’s School, a escola para as meninas, e da Women’s Cooperative, o centro de treinamento para as mulheres, está sendo feito por pessoas como o estilista de Mumbai, Sabyasachi Mukerjee, que está criando os uniformes das garotas, e pela arquiteta de Nova York, Diana Kellogg, responsável pela projeção do espaço. Além disso, empresas como a J.Crew, Donna Karan, Anthropologie e Kate Spade estão trabalhando com a Women’s Cooperative para criar projetos que trazem uma renda para a comunidade, enquanto, ao mesmo tempo, aumentam a consciência cultural da região.
Esta não é a primeira vez que Daube presencia um impacto assim. O empreendedor visionário das causas sociais sabe como os homens podem ajudar a fazer a verdadeira diferença – especialmente quando se trata do empoderamento das mulheres ao redor do mundo. “Eu estou feliz em ver tanto diálogo e tantos discursos acontecendo sobre os mais variados assuntos. Eu acho que agora temos uma boa oportunidade de atualizar muitos dos nossos valores arcaicos. Não há hora melhor do que este momento tumultuado para promover grandes mudanças”, afirma Daube.
Ele conta que a profissão de artista era a única que unia seu amor pela antropologia, arqueologia, arte e viagem. Durante as férias dos seus estudos de arte no Pratt Institute, no Brooklyn, fez várias viagens – foi para a China através do Paquistão e percorreu as margens do rio Nilo em um trem de terceira classe, parando nos templos mais remotos ao longo do caminho. “Mas um exame final em serigrafia teve um enorme impacto na minha vida. Enquanto eu limpava a tela com um jornal velho, uma foto na primeira página de um palácio de pedra me chamou atenção. Eu comecei a ler então a história de um estado da Índia chamado Orissa, que tinha um dos templos mais importantes do país. Lá ficava também um dos locais mais pobres da Índia, com a maior população de tribais. As imagens da história aumentaram meu senso de aventura e alcançar esse palácio de pedra e conhecer essa região se tornou meu objetivo. Com o artigo do jornal no meu bolso, eu parti para explorar a Índia. No meu caminho para lá, fiquei em um mosteiro budista em Katmandu, estudando meditação, e depois trabalhei um pouco com a Madre Teresa, em Calcutá. Aos poucos cheguei ao palácio de pedra e fiquei oito meses na região. Passei os dias em frente ao Golfo de Bengala, deixando tudo que eu sabia bem longe. Não havia celulares (apenas um telefone na cidade que mal funcionava e precisava ser reservado com antecedência), e quase não havia eletricidade”, lembra ele.
Quando voltou da viagem pela Ásia, Daube se estabeleceu para começar, enfim, sua carreira como artista. Alugou um galpão na cidade de Jersey e começou a limpá-lo para fazer um estúdio. “Para a minha surpresa, encontrei um retrato original feito pelo fotógrafo britânico David Hockney do estilista Ozzie Clark, dos anos 1960. A primeira coisa que passou pela minha cabeça foi: ‘Que sorte e que oportunidade de fazer algo substancial’. Então eu voltei para Orissa e comecei o primeiro programa hospitalar lá.”
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Daube trabalhou com outros artistas para levantar fundos para terminar o projeto. Um dia, enquanto estava no escritório do músico David Byrne, seu assistente comentou que eles estavam bastante emocionados com o movimento zapatista mexicano. E que alguém do estado de Chiapas, no México, estava em Nova York apelando por um centro médico feminino na selva (naquela época, o governo negou cuidados médicos para as comunidades maias). David Byrne, então, se propôs a organizar um show com diferentes artistas, mas estava preocupado em encontrar alguém que pudesse implementar isso. “Eu vivia nas comunidades da Selva Lacandona (ao leste de Chiapas) e aproveitei a oportunidade para apoiá-los. Percebi que, ao trabalhar em dois países diferentes, acabei criando uma entidade de desenvolvimento, e ela precisava de um nome e de um status sem fins lucrativos. Escolhi a palavra CITTA porque é uma palavra-chave em sânscrito que significa “mente em associação com o coração”. É a parte da nossa mente que pode sentir compaixão e que conhece a interconectividade de todos nós que compartilhamos neste mundo.”
O empreendedor conta que a viagem lhe deu a chance de viver fora das normas que tinha estabelecido para sua vida, de ver e fazer coisas que o ajudaram a entender situações que nunca tinha imaginado. “Uma vez, durante uma das minhas viagens, eu estava no fundo das cordilheiras do Himalaia em iaques [animais típicos da região], com tibetanos. Uma semana depois, eu estava organizando o lançamento de um livro do neto de Gandhi no Mayfair London”, conta. “Viajar era uma exercício que me permitia entender e reagir às questões enfrentadas por tantas pessoas diferentes. Agora é raro eu sentir que alguém é uma “outra pessoa”, e eu me sinto em casa com tantas culturas e comportamentos tão distintos. Eu não sinto um choque cultural tão grande. Viajar e ampliar os meus pontos de vista me permitiu entender as necessidades de certos povos ou comunidades marginalizadas de uma maneira muito mais profunda, e, em último caso, ser mais capaz de encontrar formas dentro da sua realidade de encontrar uma solução.”
A CITTA tem como principal objetivo ajudar as mulheres ao redor do mundo. “Se olhar tanto de modo objetivo quanto de modo íntimo, é possível perceber que as mulheres parecem sempre estar na parte inferior das sociedades. Apenas veja as enormes desigualdades das mulheres em Hollywood – apesar de fazerem o mesmo trabalho que os homens. Você consegue imaginar no Afeganistão?”, pergunta, explicando sobre sua inspiração para começar o projeto.
Daube diz que, depois de ser apresentado à região e aprender sobre a necessidade de melhoria da educação das meninas de lá, começou a prestar atenção aos dados do governo indiano. Rajasthan era o penúltimo estado no ranking dos indicadores gerais de educação. Jaisalmer é o pior, especialmente na área rural. “Acrescente à essa mistura uma das sociedades hindus mais conservadoras que sobraram na Índia, de fronteira com o Paquistão, e com uma grande população rural muçulmana, e você provavelmente pode adivinhar qual é a situação da população feminina em termos de educação e oportunidades”, diz ele sobre seu último projeto na Índia. “Além disso, Jaisalmer é ponto de partida de ciganos e a sua música e as tradições de artesanato são um tesouro global. Infelizmente, isso está desaparecendo rapidamente devido à pobreza e às mudanças na sociedade. Então eu me perguntei: ‘Não seria realmente útil oferecer treinamento e trabalho para as mulheres locais, que iriam preservar a apoiar as tradições, além de criar um ambiente seguro paras as famílias enviarem as meninas para a escola?’. Foi um desafio para trazer tudo isso junto, mas finalmente está dando frutos. Quando eu trabalhei com a Madre Teresa, fiquei impressionado ao ver como um pequeno projeto poderia ter um impacto tão grande na mentalidade das pessoas ao redor do mundo. E, assim como o caso do estupro em um ônibus na Índia criou um movimento global, minha esperança é que esse projeto seja um modelo para o desenvolvimento, empoderamento e segurança das mulheres não apenas no país, mas um símbolo para o mundo de que isso é possível.”
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De acordo com Daube, é preciso ter muito jogo de cintura para lidar com as comunidades locais. “Todo mundo fala sobre o benefício das mudanças ou sobre igualdade, mas o fato é que poucos conseguem enxergar onde isso pode realmente impactar. Então, às vezes, você precisa usar recompensas alternativas ou aumentar as conexões sociais para atingir o objetivo. A política também é muito difícil de ser feita na Ásia e em, basicamente, todos os outros lugares do mundo atualmente. Muitos representantes do governo não estão realmente preocupados com programas sociais adicionais.”
Apesar dos desafios, Daube dá um conselho para quem pretende seguir seus passos: “Entenda qual é sua paixão e use as habilidades únicas que você tem. Isso vai trazer a maior felicidade. O resto é apenas um bônus.”