Uma moeda. Era tudo o que aquele menino de 12 anos, magro e sardento, caçula de cinco irmãos, tinha no bolso quando pegou um pau de arara na pequena e pobre Caraúbas, na “tromba do elefante” do Rio Grande do Norte, rumo a Natal. A seca havia transformado em pó sua esperança de encontrar ali dias melhores. A seca havia tornado quebradiços os laços que o ligavam à família. Sem se despedir, partiu.
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Levava consigo, além da moeda, uma ilusão. Um dia, ouviu a mãe dizer que tinha conhecido a primeira-dama do estado numa quermesse ali mesmo, em Caraúbas. Em sua cabeça de criança, achou que as duas tinham se tornado grandes amigas. Desde aquele dia, alimentava a esperança de ir à casa do governador e pedir ajuda – algo que certamente os importantes amigos da família não poderiam negar.
Depois de 300 km de estrada, desconforto e ansiedade, desembarcou na rodoviária da capital. Não sabia para onde ir, e pediu ajuda a um carregador de malas. O rapaz ouviu a história daquele menino frágil, porém convicto, e o levou até a casa do governador. Recebeu como pagamento a solitária moedinha. Tocou a campainha. A primeira-dama não estava (tinha viajado ao Rio), muito menos o governador. Seu mundo desabou. Desamparado, chorou. Os guardas ficaram com pena e o abrigaram na guarita. Consta que um tio do governador comoveu-se com a situação e conseguiu trabalho para ele com seu amigo Moisés Ferman, dono de uma relojoaria.
O papel político do empresário é levar a lógica concorrencial para o ambiente político. Esse modelo gera e distribui riqueza, diminui a desigualdade e criar empregos
O patrão lhe deu uma rede para dormir e pagava salário (muito baixo, logicamente) e café da manhã. O mundo estava em guerra, e Natal era usada como base militar americana – nada menos que 10 mil soldados do Tio Sam conviviam com os 55 mil moradores.
O garoto aprendeu a fazer bons negócios com os estrangeiros, que se divertiam comprando seus relógios. Conseguiu juntar um bom dinheiro. Tanto que, terminada a guerra, aos 18 anos, comprou a relojoaria do patrão, que àquela altura tocava outros negócios em Recife.
Com o fim do conflito e a debandada dos soldados americanos, era preciso pensar em alternativas. Relógio não vendia mais. Com menos de 20 anos, fundou uma loja de roupas, também na capital. Foi um sucesso. Os negócios e a riqueza do menino de sardas não parariam mais de crescer.
QUEM ERA ELE?
O empresário Flávio Gurgel Rocha gosta de contar essa história para ilustrar o quanto preza o trabalho duro, a honestidade, a meritocracia – e a livre iniciativa. O menino da aventura é Nevaldo Rocha, 87 anos, seu pai. A família é proprietária do Grupo Guararapes – dono do maior shopping center do Rio Grande do Norte e da rede de lojas Riachuelo, entre outros negócios – e, com uma fortuna avaliada em US$ 1,3 bilhão, aparece na 1.567ª posição na Lista FORBES de maiores bilionários do mundo (39º lugar entre os bilionários brasileiros).
Para tocar a expansão das empresas no centro-sul do país, os Rocha mudaram-se para São Paulo quando Flávio tinha 8 anos. Ele fez o exame de admissão, passou e começou a estudar no disputado colégio Dante Alighieri. “Eu sofria bullying por causa de meu forte sotaque nordestino”, diz, com sotaque nordestino. Tão resoluto quanto o pai, decidiu conquistar o respeito dos colegas mostrando do que era capaz. “Todo mês, quando chegava a cadernetinha com as notas, eu era sempre o primeiro da classe. Os primeiros recebiam prêmios e homenagens”, lembra. “A meritocracia era um valor muito cultivado.” Na verdade, confessa, perdeu a hegemonia uma vez. “Foi uma comoção na escola, naquela altura ninguém imaginava que eu pudesse perder o posto. Fiquei muito bravo.”
MOMENTO HISTÓRICO
Em 1986, movido pelo “desejo de participar daquele momento histórico” que seria a Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988), candidatou-se a deputado federal. Foi eleito – e repetiria o feito em 1990. Em ambos os casos, com votações expressivas. “Fui um dos caçulas da Constituinte”, lembra, orgulhoso. Em 1994, foi pré-candidato à Presidência da República pelo PL (renunciou em favor de Fernando Henrique Cardoso). Sua principal bandeira de campanha era a instituição do imposto único no país.
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CAMPANHA
Aos 59 anos e com a vida pessoal e profissional bem resolvida, ele decidiu sair da zona de conforto e iniciou uma campanha, uma verdadeira cruzada, em nome da livre iniciativa e contra a corrupção e o inchaço do Estado. Prega a participação mais aberta e efetiva do empresariado na condução do país. É visto frequentemente transmitindo sua mensagem na TV, internet, jornais, revistas e eventos.
Essa militância, aliada ao fato de aparecer nas mídias sociais do MBL (Movimento Brasil Livre) e de ter seu nome aventado pelo Partido Novo para as eleições presidenciais de 2018, jogam sobre ele expectativas de voos mais altos no cenário político nacional.
Agora, passados 23 anos de sua candidatura à chefia da nação, mais maduro e muito mais indignado, não seria o momento de voltar à vida pública? “Estou tendo espaço – mais até do que muitos políticos – para defender minhas ideias sem precisar de um mandato. Mas, na hora que eu achar que posso ser mais útil lá do que estou sendo aqui…”, responde ele, deixando a conclusão da frase em suspense.
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MOITA
Flávio Rocha acha que cabe aos empreendedores o protagonismo neste momento de transição para um novo país, depois de tantos descaminhos. “Isso pressupõe de uma vez por todas o fim de práticas nefastas, como o empresário se entrincheirar nos interesses de sua empresa e não olhar o todo – é o que chamo de ‘empresário moita’. É importante defendermos nosso ideário para viabilizar a virada de página no país. O empresário não precisa necessariamente envolver-se em política partidária para exercer seu papel político. Esse papel pode e deve ser exercido a partir de sua posição de liderança na empresa”, prega ele.
Esse novo país, calcado no binômio democracia e livre mercado, explica, pressupõe um esforço maior do empresariado no sentido de garantir maior exposição e protagonismo. “Vi com satisfação o Jorge Paulo Lemann fazer um mea-culpa, dizendo que a única coisa da qual ele se arrepende é ter sido omisso politicamente. É isso, temos que dar a cara a bater, inspirar, mostrar nosso propósito, ser a locomotiva do país.”
INCHAÇO
Historicamente, criou-se no Brasil a ideia de que prosperar e acumular riqueza eram pecados – e o tsunami da Lava Jato ajudou a estigmatizar ainda mais a classe empresarial. “O medo de serem todos colocados no mesmo saco aos olhos da imprensa e da opinião pública gerou essa postura de retração, de introspecção dos empresários de modo geral. Mas são duas coisas muito diferentes: uma é o empresário de mercado, outra é o empresário de conchavo”, analisa o CEO da Riachuelo.
Para ele, o empresário de conchavo nasceu como apêndice do inchaço do Estado. “Esse sujeito perguntava ‘A quem devo dar propina para receber favores estatais?’ em vez de perguntar ‘Como eu faço para deixar meu cliente mais satisfeito?’ E assim a máquina funcionou nos últimos anos, criando falsos vitoriosos de cima para baixo, conforme a vontade do Estado todo-poderoso”, analisa.
Os “verdadeiros campeões” são aqueles forjados de baixo para cima, pela “saudável lei da seleção natural do mercado – que premia o esforçado, o talentoso, o competente”. O “efeito colateral” dessa seleção natural são a riqueza e a prosperidade de toda a sociedade.
BOLSAS
“A bondade estatal é de curto prazo. Despejar dinheiro sem nenhum ganho de produtividade, sem nenhuma repercussão no ambiente de negócios, sem aumento da competitividade, cria momentos de prosperidade artificiais. A conta chega mais rápido do que se imagina”, diz o empresário, ao relacionar os programas assistenciais dos governos Lula e Dilma ao desemprego atual. O que fazer, então?
Sua receita para diminuir a pobreza e as desigualdades no país é compartilhar os modelos de sucesso da livre iniciativa em todos os setores. “Competição e bem social não são antagônicos – muito pelo contrário.”
REVOLUÇÃO
“Eu trabalho com varejo, e o varejo é onde podemos assistir de camarote a tudo isso que estou dizendo. No começo dos anos 2000, vimos o maior salto de produtividade que a humanidade já presenciou. Tinha acontecido nos anos 80 e 90 em países mais desenvolvidos e chegou aqui, por coincidência, no governo do PT. A chamada revolução do varejo foi a transformação da cadeia puxada pela produção pela cadeia puxada pela demanda. Grandes redes, tecnologicamente bem equipadas e integradas, promoveram esse varejo de alta performance. Além disso, o desenvolvimento dos meios eletrônicos de pagamento e das notas fiscais eletrônicas fecharam o cerco contra a clandestinidade. Assim, as redes chegaram a crescer 800%, 1.000%”, conta.
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VOO DE GALINHA
Nessa hora entraram em cena “a ganância do Estado e uma política econômica desastrada”. “Aquela grande formalização, que deveria reverter em aumento da produtividade, alimentou o crescimento da máquina estatal. Nós nos transformamos em uma carruagem cujo peso é maior que sua força de tração”, compara. “E perdemos a chance de perpetuar a inclusão de 40 milhões de novos entrantes no mercado de consumo. Foi um voo de galinha.”
Desiludido, o eleitor aprendeu a exigir reciprocidade, a cobrar seus direitos. “Isso trouxe uma forma diferente de votar, como se viu na maré liberalizante das eleições de 2016, com Doria à frente. Foi um movimento avassalador, que pegou a esquerda de surpresa.”
Com o empresariado e o eleitor em sintonia, vivemos um momento ideal para começar um novo ciclo na história política do país. “Não se ganha mais eleição atendendo corporações que se apoderaram da carruagem estatal. Agora tem que pensar no usuário final do seu serviço. O político, cada vez mais, terá que acordar pensando ‘Como eu faço para atender melhor o aluno da rede pública, o paciente do sistema de saúde, o cidadão que precisa de segurança?’ É exatamente isso o que eu e cada um dos nossos 40 mil colaboradores fazemos: dia após dia, nos perguntamos o que precisamos fazer para satisfazer nosso cliente.”
PRÓXIMO PRESIDENTE
Perguntado sobre qual será o perfil do próximo chefe da nação, Flávio descreve: “Será um liberal com uma visão de país dentro da fórmula que deu certo no mundo todo, que preza a democracia e o livre mercado”. Exatamente como João Doria. Exatamente como Flávio Rocha.
* Matéria publicada na edição 50 de FORBES Brasil, de abril de 2017