Um dos principais economistas da atualidade, o sul-coreano Ha-Joon Chang é também um grande expoente da escola do desenvolvimento econômico – que enxerga a elevação da capacidade produtiva como uma fonte essencial para o progresso socioeconômico de um país -, matéria que ensina na renomada Universidade de Cambridge, na Inglaterra
Chang é, ainda, um dos principais críticos da ideia de que a adoção de “boas” políticas e instituições – relacionadas ao livre-mercado – devam ser responsáveis por impulsionar o avanço econômico nos países em desenvolvimento. Esta é narrativa principal por trás de seu best-seller “Chutando a Escada, a Estratégia do Desenvolvimento em Perspectiva Histórica”, no qual relata como os atuais países desenvolvidos enriqueceram ao realizarem políticas diferentes daquelas que hoje recomendam aos países em desenvolvimento.
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Diante de um público internacional, este também foi o tema da apresentação do sul-coreano durante a 7ª edição do Laporde (Latin America Advanced Programme on Rethinking Macro and Development Economics), promovido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) entre os dias 8 e 12 de janeiro, em São Paulo. A iniciativa teve o apoio do Institute for New Economic Thinking – instituição que tem o bilionário George Soros entre os fundadores.
Chang conversou com FORBES logo depois da sua apresentação. A entrevista se baseou no artigo “Hamlet sem o Príncipe da Dinamarca: Como o Desenvolvimento Desapareceu do Discurso Atual de Desenvolvimento”, escrito por ele em 2010, e passou pelo estágio atual do discurso do desenvolvimento, como esse discurso difere do que foi apresentado em meados do século 20 e o nível atual de evolução econômica no Brasil.
FORBES BRASIL: Como é o discurso atual sobre o desenvolvimento econômico?
Ha-Joon Chang: Houve, por um tempo, um consenso implícito de que o desenvolvimento estava relacionado à transformação estrutural da economia, especialmente com a escola estruturalista latino-americana dos anos 1930 e com o pensamento do desenvolvimento econômico dos anos 1950-1960. Os países precisam incorporar diferentes tecnologias para a produção de novas mercadorias, adquirir habilidades para inovar, aspectos que foram apontados por Walt Rostow e Albert Hirschman nos anos 1950. Por isso, esses economistas nunca debateram se os países em desenvolvimento precisam se industrializar.
Nas últimas décadas, teve a ascensão de um discurso de desenvolvimento pautado sobre a redução da pobreza, como os famosos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODMs) da ONU, lançados em 2000. A centralidade dos ODMs era a melhoria das condições individuais de vida. Esse aspecto também é importante, mas é uma visão estreita sobre desenvolvimento, pois quase não menciona a necessidade das transformações estrutural e produtiva, tampouco o aumento da produtividade. Muitos países ignoram os problemas estruturais, especialmente a industrialização.
Em 2015, com o lançamento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), também da ONU, houve alguns reconhecimentos, mas ainda não o bastante. Acho que essa lacuna não contribui para o fortalecimento de políticas públicas para o desenvolvimento.
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FB: Como trazer a transformação estrutural para o centro do discurso atual de desenvolvimento econômico?
HJC: É necessário um longo debate de persuasão, trazendo a questão para os termos agregados, como a elevação da poupança e dos investimentos, a mobilização da força de trabalho e o aumento da velocidade do crescimento econômico. Erros serão cometidos durante este processo devido ao discurso dominante do neoliberalismo, mesmo entre os progressistas, como o indiano Amartya Sen e os defensores dos direitos civis.
Não se pode trazer de volta o discurso padrão que vigorou entre 1930 e 1960, mas reestruturá-lo para direcionar às questões atuais da produção. Não podemos nos esquecer que a produção é uma forma de organização social, e houve, de certa forma, um reconhecimento por uma discussão que associa a transformação estrutural com o atual discurso do desenvolvimento. É preciso levar o indivíduo mais a sério, falar mais sobre a desigualdade, elementos centrais que devem estar no discurso atual de transformação produtiva, não apenas um simples retorno ao discurso de 1930.
FB: Um desses novos tópicos é a questão do meio ambiente, pois produção é geralmente associada à poluição?
HJC: É preciso, neste caso, ter um debate mais informativo, pois as pessoas pensam que a produção é necessariamente ruim para o meio ambiente. É inevitável que haja alguma poluição, a não ser que se desenvolvam tecnologias limpas para o consumo energético. Por outro lado, impulsionar políticas para a transformação produtiva é uma premissa para o desenvolvimento de novas tecnologias. Desenvolve-se, desta forma, tecnologias que auxiliem os países a mitigar as consequências das mudanças climáticas, porque, mesmo se estiver sob controle, isso vai acontecer.
Muitos países vão sofrer com mais enchentes, tempestades e outros desastres naturais, o que vai exigir planejamento. O Haiti, por exemplo, teve um terremoto que matou mais de 200 mil pessoas anos atrás, enquanto no Japão há terremoto todo mês e quase não há mortos, porque os japoneses detêm tecnologias para lidar com essa situação. Até mesmo para lidar com as consequências das mudanças climáticas os países precisam desenvolver tecnologias ecológicas, que vão precisar de investimentos e de pesquisa e desenvolvimento. E a maior parte dessas tecnologias vem dos países ricos.
O Brasil é uma exceção – apesar de não ser um país desenvolvido -, pois tem uma alta capacidade. Mas a maioria dos países tem que adquirir a tecnologia dos países ricos, o que exige uma política de transferência. Mesmo que um país adquira muita tecnologia do exterior, ou tenha a habilidade de adaptá-la para suas especificidades locais, é preciso da capacidade produtiva.
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FB: Como o senhor avalia o Brasil atualmente em termos de desenvolvimento?
HJC: Infelizmente o Brasil retrocedeu. Em 1970, o seu país produzia mais itens manufaturados do que China, Coreia do Sul, Taiwan e Singapura juntas. Até os anos 1980 o setor manufatureiro correspondia a 35% do PIB brasileiro, uma das maiores participações entre os países industriais em desenvolvimento.
O Brasil depende, hoje, da exportação de commodities, cuja tendência é de crescimento. O setor manufatureiro corresponde, atualmente, a 11% do PIB. As cadeias industriais brasileiras estão totalmente desintegradas. Isso destrói a capacidade construída durante o século 20.
FB: O Brasil pode recuperar o seu sistema industrial?
HJC: Acredito que sim… A China, por exemplo, está fazendo isso. O Brasil não será mais capaz de produzir algumas coisas, pois algumas indústrias se desintegraram, além de faltar engenheiros e profissionais capacitados. Talvez em 10 anos o país ainda não se recupere, mas é possível. O Brasil precisa de mais esforço para conseguir uma recuperação industrial.