A capacidade de cobrar impostos é uma das fontes de soberania de um Estado. Por isso, o sistema tributário é associado a uma atividade no nível local, estadual e federal, ou seja, dentro das fronteiras de um país. As transformações da economia mundial nas últimas décadas aumentaram a complexidade no pagamento de impostos, com as empresas operando em diferentes territórios, cada um com um sistema tributário próprio.
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As novas tecnologias – como inteligência artificial, robótica e blockchain – podem levar aos profissionais que trabalham na área uma certa simplificação – e não somente no caso das grandes empresas, já que a globalização e as ferramentas disponíveis atualmente permitem que pequenas e médias empresas operem também em outros países. Na avaliação do norte-americano Joe Harpaz, diretor global do Segmento Corporativo de Impostos e Tributos da Thomson Reuters, a utilização desses recursos tecnológicos pode ampliar a capacidade dos profissionais de analisar e prever as constantes mudanças de cenário na legislação tributária.
Harpaz, que é colunista da FORBES nos Estados Unidos, participou em outubro do Synergy 2017, realizado em São Paulo. Ele conversou com FORBES Brasil sobre o sistema global de tributação, as novas tecnologias para a área, a ascensão de uma nova profissão no segmento e o cenário brasileiro.
As novas tecnologias podem beneficiar quais tipos de empresas exatamente?
Os profissionais da área tributária devem ter uma perspectiva global sobre tributação e impostos, algo que não é trivial, pois os impostos estão sob uma perspectiva municipal, estadual e federal. Não são apenas as grandes empresas presentes em vários países que devem ter essa perspectiva, mas também as pequenas e médias. Hoje pode-se abrir uma empresa no Ebay e na Amazon em qualquer lugar do mundo e vender para vários países, operando sob a jurisdição de vários regimes tributários.
O senhor disse que as ferramentas tecnológicas criaram uma nova profissão na área contábil. Como foi isso?
A implementação de tecnologias emergentes na área tributária deve mudar a concepção do profissional da área. O armazenamento das informações tributárias na nuvem, por exemplo, resulta em ganhos para o mundo contábil. Essa mudança específica levou até ao desenvolvimento de um novo profissional: o taxologist – combinação das palavras, em inglês, tax (impostos) e technologist (tecnólogo). Este profissional não é simplesmente um contador, pois ele deve entender de tecnologia, do processo e do fluxo de trabalho, além da integração com outros sistemas. É um profissional que também está vinculado à área de tecnologia da informação. A nova profissão foi bem recebida nos Estados Unidos, onde já se utiliza o termo no LinkedIn. Depois da palestra, várias pessoas me disseram que esse é exatamente o tipo de profissional que precisam.
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Onde esses especialistas são formados? Na universidade ou adquirem as habilidades durante a carreira?
É uma habilidade rara. A formação, neste caso, passa pela combinação de profissionais vindos das áreas de TI e de impostos. O profissional da área tributária normalmente forma-se em contabilidade e começa a trabalhar em uma empresa de consultoria, principalmente em uma das Big Four – termo que faz referências às quatro maiores consultorias tributárias do mundo (Deloitte, KPMG, E&Y e PwC). Em seguida, ingressa na área de tributação de uma grande empresa. O profissional de TI que trabalha com tributação geralmente inicia a carreira em um setor de tecnologia da informação e, em determinado momento, começa a trabalhar especificamente na área tributária.
A implementação dessas novas tecnologias pode simplificar a complexidade do sistema tributário no Brasil?
A exemplo dos profissionais de outros países, quem trabalha no setor de tributação no Brasil não tem muita experiência com ROI (retorno sobre o investimento) na introdução da tecnologia, pois é uma área que, normalmente, contrata esse serviço de uma das Big Four. E, neste momento de recessão no Brasil, as empresas não têm orçamento para fazer essa contratação. Com a automação, é possível reduzir o número de profissionais na equipe que lidam com as tarefas do dia a dia e liberar profissionais para as áreas mais estratégicas.
Quais são as novas tecnologias aplicadas neste setor?
A maioria das empresas ainda está no nível básico, apenas com o software que lida com o compliance da automação e faz a ligação com o sistema contábil da empresa. Ele também faz o cálculo correto do imposto e atende às normas dos governos. No entanto, inteligência artificial, robótica e blockchain são as vanguardas tecnológicas na área. Robótica é a mais promissora. Algumas companhias no Brasil implementaram soluções nesse sentido, basicamente em atividades já existentes e repetitivas nas quais é possível programar. Além disso, robótica não demanda mudança do processo de trabalho. Já a inteligência artificial e a tecnologia de machine learning estão, neste momento, apenas no estágio da experimentação. Estamos começando, na Thomson Reuters, a experimentar capacidades com inteligência artificial e machine learning para entender sistemas legais e como as mudanças impactam as empresas. É difícil para um profissional se manter atualizado de todas as mudanças tributárias. Já o computador pode entender essas atualizações da legislação e analisar os impactos na empresa e na cadeia produtiva. O blockchain, mais conhecido por ser a tecnologia que registra as transações do bitcoin, também cresce, especialmente em relação aos bancos de dados. Governos começaram a testar o uso de blockchain para o pagamento de impostos.
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Você mencionou que a adoção da tecnologia ajuda a reduzir o tempo necessário para processar as informações tributárias. Mas também é possível encontrar fórmulas para pagar eficientemente os impostos, ou até diminuir o valor?
Acho que os dois caminhos. É possível trabalhar com a redução de tempo e de custo. Eu diria que não é reduzir os impostos pagos, mas sim aumentar a precisão. As empresas geralmente contratam uma das Big Four para reduzir o valor dos impostos. Com a automação, além disso, é possível fazer um comparativo com outras empresas, como também o controle de riscos, pois o pagamento equivocado de impostos pode trazer grandes multas. A eliminação de riscos é o que guia a adoção dessas tecnologias no setor.
As tecnologias facilitam a gestão de uma empresa global que tem operação em diferentes sistemas tributários?
É uma pergunta interessante. Temos que analisar algumas coisas. A primeira delas é que qualquer empresa, seja multinacional ou não, lida com um sistema global de tributação. É um desafio! A outra coisa que acontece, especialmente no caso das empresas maiores, é a exigência da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) de as empresas reportarem os lucros país por país. Isso leva à troca de um grande volume de informações entre os governos, levando-os a saberem as melhores alíquotas a serem praticadas em seus países. Com a OCDE colocando pressão sobre as grandes companhias neste momento, vai haver um maior controle e visibilidade das taxas de impostos que as empresas pagam globalmente.
Em termos de tecnologia, o mercado em geral ainda está muito local. É bem complicado para as companhias lidarem com isso. Trabalhamos na Thomson Reuters o que se chamamos de “uma fonte para as grandes e pequenas companhias de contabilidade”. É construir, basicamente, uma plataforma comum e global sobre os impostos em muitos países, o que é muito difícil de fazer, porque há muitas regras e formas de aplicação. Muitas empresas até podem fazer isso, especialmente as grandes, mas a implementação é muito cara. Imagine então para uma empresa pequena.
Em que estágio está o Brasil em relação à adoção dessas tecnologias?
A situação é interessante no Brasil, pois o país disponibiliza alguns dos sistemas tecnológicos mais avançados e sofisticados para os negócios e governos, como a Nota Fiscal Eletrônica, enquanto outros países do mundo começaram a adotar iniciativas semelhantes só agora. O governo brasileiro recebe um volume grande de informação, o que possibilita o uso de novas soluções como Big Data para analisar se os compliances dos impostos estão sendo feitos.
Outro dado interessante: o Brasil é um dos líderes no tempo de consumo para fazer compliance de impostos. A PwC revelou que 2017 foi o primeiro ano em que houve redução no tempo exigido para as atividades tributárias no Brasil – média de 126 horas –, o que demonstra que as empresas brasileiras começaram a implantar a automação e já estão tendo retorno.