A aposta é alta, mais condizente com um ambiente econômico de estabilidade, pujança, solidez e crescimento – algo bem diferente do que temos visto no país nos últimos anos. Entretanto, segundo FORBES apurou junto a multinacionais de diferentes setores, as gigantes mundiais já traçaram planos para investir pesado no país.
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As quatro montadoras ouvidas (GM, Volks, Mercedes e Toyota) anunciaram a intenção de investir, somadas, R$ 24 bilhões no país em curto prazo. Juntando-se a elas Walmart, EDN, Arcos Dorados, Shell, ExxonMobil e Total, chegamos ao valor agregado de R$ 84,5 bilhões.
Os indicadores econômicos de 2017, é bem verdade, apontam discreta melhora no ambiente macroeconômico. Apesar da expansão de 1,6% dos investimentos no terceiro trimestre, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no ano, até setembro, foi de 0,6%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sendo mais forte no primeiro semestre. Há consenso no mercado de que o piso de crescimento este ano seja de 1%, revertendo as retrações registradas em 2015 e 2016.
É importante frisar que, mesmo durante a crise, houve a entrada de dinheiro das multinacionais em empresas instaladas aqui. O Investimento Direto Produtivo (IDP) – que registra os ingressos de investimento estrangeiro – ficou em torno de US$ 75 bilhões por ano nos dois últimos anos, segundo o Banco Central (BC). Em 2017, o BC prevê uma entrada total nos mesmos patamares.
Só da indústria automobilística haverá um aporte de R$ 24 bilhões, somando os anúncios de GM, Volkswagen, Toyota e Mercedes. Isso confirma a recuperação do setor em 2017 após anos de queda, com uma projeção de alta de 25,2% na produção, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Os investimentos anunciados serão destinados ao lançamento de novos modelos, à modernização das fábricas e ao aumento da competitividade para a exportação de veículos. “Quando se anuncia um plano de investimento de cinco anos, você está falando de planejamento”, afirma Carlos Zarlenga, CEO da GM no Mercosul.
Esse planejamento citado pelo executivo exige adaptação ao novo marco regulatório do setor, chamado de Rota 2030 e que está em negociação entre o governo federal e as montadoras instaladas no país. “A Rota 2030 é uma evolução da indústria, e não uma ruptura com o Inovar-Auto, que contou com um investimento de R$ 15 bilhões do setor em pesquisa e desenvolvimento entre 2012 e 2017”, avalia Pablo Di Si, CEO da Volkswagen para o Brasil e América do Sul. Ele prevê a continuidade na busca por maior eficiência energética e segurança dos veículos produzidos no país, exigências do marco atualmente em vigência.
Para enfrentar seus “novos desafios”, a GM anunciou, em agosto, investimentos de R$ 4,5 bilhões para as unidades produtivas da montadora em São Caetano do Sul (SP), Gravataí (RS) e Joinville (SC). Esse aporte tem como destino projetos específicos dentro do plano de investimento de R$ 13 bilhões até 2020. “São novos motores e alguns produtos que vão entrar no mercado em 2019”, afirma Zarlenga. Especula-se o lançamento de uma nova família global de veículos da marca, específica para os mercados emergentes. “Vão ser muito bons, com muita tecnologia e os clientes vão adorar”, desconversa o executivo da GM ao ser questionado sobre as características dessa família.
A estratégia da montadora americana difere da adotada por Volkswagen e Toyota. Ambas anunciaram, junto com os valores dos investimentos, os modelos que estarão nas ruas brasileiras nos próximos anos. “O investimento de R$ 1 bilhão é para lançar dois modelos do Yaris e deixar a planta mais flexível”, afirma Steve St. Angelo, CEO da Toyota para América Latina e Caribe, sobre o destino de uma parte do aporte de R$ 1,6 bilhão no Brasil para os próximos anos.
O aumento da capacidade produtiva da fábrica de Sorocaba, onde é produzido o hatch Etios – modelo de entrada da marca japonesa –, foi projetado para a produção do Yaris, um veículo intermediário entre o Etios e o Corolla, com previsão de chegada às concessionárias no segundo semestre de 2018. “O anúncio ocorre dois a três meses antes do lançamento, assim os fornecedores e os funcionários já se adaptam”, explica St. Angelo. Os R$ 600 milhões restantes são destinados à ampliação da fábrica de motores em Porto Feliz (SP), recém-inaugurada.
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“Após o Novo Polo e o Virtus, haverá o lançamento de 18 novos modelos, inclusive em segmentos de mercado em que a marca ainda não está presente”, afirma Di Si, da Volkswagen, sobre o destino dos R$ 7 bilhões que a marca vai investir aqui até 2020. Uma parte desse valor – R$ 2,6 bilhões – foi destinado à modernização da fábrica de São Bernardo do Campo, adaptando-a ao conceito de “indústria 4.0”. A fábrica do ABC paulista é o local de produção dos dois novos modelos já anunciados pela companhia.
A Mercedes-Benz também se mexeu, mas seu objetivo é outro. A montadora alemã anunciou colocar R$ 2,4 bilhões no Brasil, até 2022, para modernizar as fábricas de caminhões e ônibus de São Bernardo do Campo (SP) e Juiz de Fora (MG) – também sob o conceito de indústria 4.0. Além disso, a empresa planeja o lançamento de novos modelos de veículos comerciais, sem divulgar quais.
“Prevemos um aumento de 20% nas vendas de caminhões e de 12% para ônibus”, projeta Philipp Schiemer, presidente da Mercedes-Benz do Brasil e CEO para a América Latina. Apesar da queda da produção nos últimos anos – de 140 mil unidades em 2013 para cerca de 50 mil em 2017 –, a Mercedes prevê uma retomada gradual para atender à demanda futura por veículos comerciais puxada pelo vigor do agronegócio, pelo aumento da produção na mineração e pela retomada da construção civil, especialmente com as futuras obras de infraestrutura planejadas pelo governo federal.
Além dos números de seu setor, os executivos das automobilísticas estão otimistas com o cenário macroeconômico brasileiro. Todos reconhecem a importância da inflação mais baixa, dos juros em queda e da redução do desemprego, além da retomada do crescimento e da confiança do consumidor. “O Brasil está com uma atitude de reforma”, diz Zarlenga, da GM, sobre a aprovação da regra que limita os gastos públicos e sobre a reforma trabalhista. “Sem as reformas e a modernização do Estado, não há crescimento sustentável”, analisa Schiemer, da Mercedes, que aponta a necessidade de previsibilidade dos indicadores econômicos para recuperar a confiança dos investidores.
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A capacidade de esses investimentos dinamizarem a economia brasileira por si só é relativizada por alguns economistas. “Uma parte importante (dos investimentos) vai ser realizada no exterior”, avalia José Francisco Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator. “Se o país cresce 2,5%, o aumento das importações é o dobro”, explica o economista, falando sobre a insuficiência do parque industrial brasileiro de prover máquinas e insumos durante o período de crescimento econômico.
No caso das automobilísticas, apesar de Gonçalves reconhecer a importância do setor para o país, ele lembra que sua cadeia produtiva é globalizada, sujeita a fatores externos, oscilações e adequações nem sempre favoráveis às fábricas instaladas no país. Mesmo assim, acredita ele, os investimentos devem ser um dos motores do crescimento do PIB nos próximos anos.
O SETOR EM NÚMEROS
O começo da redução do desemprego, a queda da inflação e a diminuição do nível de endividamento das famílias são os fatores que encorajaram o Walmart a investir R$ 1,5 bilhão no Brasil, sendo que R$ 1 bilhão vai para as lojas de hipermercados e R$ 500 milhões, aos supermercados. “Estamos falando de uma transformação de 250 lojas no horizonte de três a quatro anos”, diz Bernardo Perloiro, vice-presidente de operações, comercial e marketing do Walmart Brasil, sobre o investimento que visa à mudança do ambiente das lojas – da altura das gôndolas à comunicação virtual.
“Os hipermercados podem ser uma solução mais atrativa a um conjunto de consumidores”, justifica o executivo sobre a estratégia da rede, que aparentemente contraria a atual tendência do setor no Brasil. Especialistas apontam que os consumidores estão preferindo mercados menores nos bairros ou fazer a compra do mês nos chamados atacarejos (vendas no varejo em um ambiente de atacado).
Já a Arcos Dorados, franqueadora do McDonald’s no Brasil e na América Latina, vai investir R$ 1 bilhão até 2019 em seu plano de modernização das lojas. “O país é um dos mercados prioritários da rede”, diz Paulo Camargo, CEO da Arcos Dorados no Brasil. “A ideia [do investimento] é que todos os nossos restaurantes tenham alguns itens presentes no restaurante-conceito recém-inaugurado em São Paulo”, continua o executivo, sobre a transformação dos 900 pontos da rede (lanchonetes, sorveterias e cafés).
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A loja-piloto foi inaugurada em agosto e conta com um sistema de atendimento digitalizado, interativo e personalizado. Deixa-se para trás, dessa forma, a tradicional padronização de produtos e de atendimento conhecida em qualquer McDonald’s do mundo – marca registrada da rede de fast-food –, permitindo aos consumidores a customização de itens do cardápio.
A recuperação da economia como um todo impacta diretamente o setor de energia. Com a crescente demanda por energia no radar, a EDF EN, braço de energia renovável da estatal elétrica francesa EDF, prevê investir R$ 6 bilhões no Brasil, com o objetivo de elevar a capacidade de geração de energia da empresa no país em até 2 gigawatts. “O Brasil é um mercado com grande demanda energética e um ambiente regulatório favorável para a expansão das energias renováveis”, afirma Paulo Abranches, CEO da EDF EN no Brasil, que também aponta nossa abundância de vento e sol para a geração de energias eólica e solar.
Desde 2015, os franceses já colocaram R$ 3 bilhões no país em projetos de geração eólica, na Bahia, e solar, em Minas Gerais. “Estamos sempre avaliando as oportunidades de mercado”, diz o executivo sobre um possível interesse de adquirir participações da estatal Eletrobras – que o governo federal pretende privatizar. Abranches anunciou os R$ 6 bilhões durante um evento na sede da empresa, no Rio de Janeiro, em novembro, apesar de dizer a FORBES que a empresa francesa não trabalha com metas regionais de investimento. “Vai depender da oportunidade e da tecnologia disponível”, afirma o CEO.
À parte a situação econômica, os CEOs ouvidos por FORBES afirmam que a decisão de investir no país tem como objetivo de longo prazo consolidar a posição de suas empresas no Brasil. “A situação, em breve, estará melhor”, diz Camargo, da Arcos Dorados. “Crise é como academia: serve para ficarmos mais fortes e resilientes”, afirma St. Angelo, da Toyota. Ele garante que a empresa não demitiu durante a recessão, pelo contrário – investiu na capacitação de seus funcionários para que estivessem preparados na hora da retomada do crescimento.
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Os executivos também avaliam que, para esses investimentos – e outros que se seguirão – surtirem efeito de forma prolongada e sustentável, é preciso que o candidato vitorioso nas eleições presidenciais deste ano dê continuidade às reformas. “Espero que o presidente eleito mantenha a economia na rota de crescimento”, diz Schiemer, da Mercedes. “Essa eleição será inédita: pela primeira vez vai acontecer em um cenário de queda do desemprego e inflação baixa”, analisa Gonçalves. O ambiente estará, portanto, propício para uma escolha serena e sensata por parte dos eleitores. Que assim seja.
Investimentos das multinacionais pelo mundo
A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento divulga anualmente um relatório sobre o fluxo de Investimento Estrangeiro Direto (IED) no mundo, que revela os aportes das multinacionais fora de seus países de origem. Na última versão do documento, foi revelado que o IED em 2016 foi 2% menor em relação a 2015, totalizando US$ 1,75 trilhão. Mas há certo otimismo com os resultados de 2017, que preveem um aumento de 5% no índice. A estimativa é que o IED chegue a US$ 1,8 trilhão em 2017 e a US$ 1,85 trilhão em 2018. O Brasil foi o sétimo maior receptor de IED em 2016: foram US$ 59 bilhões, menos do que os US$ 64 bilhões de 2015.
Petrolíferas injetam R$ 52 bilhões
O governo federal realizou, em outubro, dois leilões para exploração do petróleo da camada pré-sal. A Shell foi um dos destaques, ao obter dois campos como operadora principal (empresa-líder de um consórcio responsável por um campo) e uma como participante, consolidando-se como a maior petrolífera privada do Brasil – atrás apenas da Petrobras.
O pagamento bilionário pelo bônus de assinatura – que resultou em uma arrecadação total de R$ 6,15 bilhões ao governo federal – não está incluso no plano de investimento de US$ 2 bilhões (R$ 6,5 bi) por ano até 2020 da petrolífera anglo-holandesa. Esse valor (quase R$ 20 bilhões) será aplicado no desenvolvimento dos campos, entre eles o de Libra, arrematado em 2013 em um consórcio do qual Petrobras (operadora), Total, CNOOC e CNPC também participam.
Outra petrolífera, a ExxonMobil, revelou que vai desembolsar US$ 2,38 bilhões (cerca de R$ 7,7 bi) no Brasil, a maior parte para o pagamento da participação dos campos que vai explorar junto com outras empresas.
A francesa Total está em seu ciclo de investimento 2013-2018, que prevê aportar R$ 24 bilhões na soma do período, sendo US$ 3 bilhões (R$ 9,7 bi) para o pagamento da participação no campo de Libra em 2013. A empresa não detalhou o destino do restante do valor total.
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