Allan Brandt, 63 anos, professor de história da medicina em Harvard, parece surpreso por ter se tornado parte da história médica. Em 2012, recebeu um diagnóstico de leucemia mieloide aguda (LMA), um câncer mortal que tinha uma possível cura: transplante de medula óssea. A irmã era compatível, e ele passou duas vezes pelo suplício, para depois ver o câncer voltar. “Ninguém fica bem com um terceiro transplante”, diz. Ele foi salvo por uma tendência que está em alta entre as empresas de biotecnologia: medicamentos que têm como alvo uma proteína produzida por um gene específico geralmente descoberto por meio do sequenciamento do DNA do câncer. Às vezes, só funcionam num pequeno número de pessoas e requerem exames diagnósticos. No caso de Brandt, a Agios Pharmaceuticals dispunha de um remédio cujo alvo é uma mutação genética que, por sorte, ele tinha. Somente uns poucos milhares entre as 21 mil pessoas que recebem diagnóstico de LMA a cada ano têm. “No período da minha doença, eu pude ter acesso ao que considero um remédio salvador e recuperei a saúde”, diz.
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O que leva os fabricantes de fármacos a investir em mercados de apenas alguns milhares de pessoas? A rapidez é um dos motivos: como os benefícios para as pessoas muito doentes são grandes, os estudos são mais curtos e de porte menor. Um medicamento da Agios, o Idhifa, foi aprovado pela Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) apenas quatro anos depois do início dos estudos clínicos; o processo costuma levar 12 anos. Outro motivo para investir é o preço. A Agios licenciou o Idhifa para a Celgene, que cobra US$ 25 mil por mês por ele.
O outro motivo é o fato de a parte científica estar bombando, e a combinação de maiores probabilidades de sucesso e prazos mais curtos vem atraindo desenvolvedores de fármacos como mariposas em direção a uma lâmpada. Josh Bilenker, ex-avaliador da FDA que virou capitalista de risco na Aisling Capital, decidiu se concentrar exclusivamente nessas drogas quando fundou uma empresa, a Loxo Oncology, em 2013, selecionando “alvos” genéticos em que havia bons indícios de eficácia, mesmo que apenas em pacientes com uma mutação rara. “Atinja o alvo com bastante força, defina seus pacientes e simplesmente trabalhe que nem um doido na parte clínica e regulamentar”, diz.
A estratégia surtiu efeito em junho, quando o primeiro fármaco da Loxo apresentou resultados impressionantes: dos 50 pacientes que o utilizaram, 38 tiveram redução de tumores. (Os resultados atualizados mostram que os tumores encolheram em 44 de 54 pacientes.) O remédio, chamado larotrectinib, foi testado numa mutação rara chamada TRK, capaz de gerar tumores nos pulmões, na pele e no cérebro. E a Loxo deu outro passo inédito. Ela já tinha começado a desenvolver uma segunda droga para pacientes cujos tumores tinham se tornado resistentes à primeira; ou seja, quando o primeiro medicamento da empresa não conseguir ajudar o paciente, outra opção estará engatilhada. Ela já foi testada em dois pacientes.
As ações da Loxo acumulam alta de 175% este ano, graças ao entusiasmo com o larotrectinib e com outros dois medicamentos para cânceres raros que ela está desenvolvendo. Outras empresas com foco em doenças raras também estão se saindo bem. A ações da Igynta, que está testando uma droga chamada entrectinib, cujos alvos são a TRK e uma mutação rara chamada ROS1 que causa cânceres pulmonares, subiram 190%. Já as da Blueprint Medicines, empresa dedicada a fármacos que atacam outras mutações raras, inclusive um tipo de câncer do trato digestivo, tiveram valorização de 150%. Mas a história da Agios deve deixar os investidores cautelosos. As ações da empresa subiram 100% desde a Foundation Medicine, em Cambridge, e José Baselga, diretor médico do Memorial Sloan Kettering Cancer Center oferta pública inicial, ocorrida em 2013, mas caíram 50% desde o valor recorde de janeiro de 2015. Às vezes os resultados são tão bons, que os investidores se esquecem de que os mercados são um tanto pequenos.
Outro problema: será que os médicos vão encontrar todos esses pacientes cujos cânceres têm mutações genéticas raras? Isso envolverá um exame diagnóstico – em geral com um sofisticado sequenciador de DNA de alta tecnologia – nos pacientes que não tenham obtido bons resultados com os medicamentos comuns. Neste momento, isso acontece principalmente em importantes centros de pesquisa de universidades. A Foundation Medicine, em Cambridge, está tentando obter a aprovação da FDA para um exame padronizado. A empresa de instrumentos de laboratório Thermo Fisher Scientific e a Illumina também estão desenvolvendo novas ferramentas de diagnóstico. “Acho que podemos ver que a maré está virando tanto na qualidade dos exames como no acesso [dos pacientes] a eles”, afirma Jacob Van Naarden, diretor de negócios da Loxo. “Parece algo palpável, mas que ainda não chegou.”
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As empresas pequenas não são as únicas nessa arena. As primeiras terapias-alvo importantes vieram de gigantes como Novartis, Pfizer e AstraZeneca. “Existe uma ideia do talmude de que o jeito de salvar a humanidade é uma vida por vez”, diz José Baselga, diretor médico do Memorial Sloan Kettering Cancer Center. “No desenvolvimento de medicamentos, nossa obrigação é questionar todos os dogmas.”
AS GRANDES
As grandes farmacêuticas também estão interessadas em pacientes com mutações genéticas. As drogas para tratá-los podem gerar bilhões. Mas é difícil um medicamento fazer diferença nas ações de empresas muito capitalizadas
ASTRAZENECA
Terapias: o Iressa foi retirado do mercado em 2005 e voltou em 2015 para uma população específica. O que vem a seguir: o Calquence, destinado a um linfoma raro. Terapia-alvo pioneira: Iressa, para câncer de pulmão
NOVARTIS
Terapias: o Gleevec, uma das primeiras terapias-alvo para cânceres raros e uma das mais bem-sucedidas, agora é medicamento genérico. Mas a Novartis dobrou a aposta ao comprar a área de oncologia da GlaxoSmithKline em 2015. Terapia-alvo pioneira: Gleevec, para leucemia
PFIZER
Terapias: comercializa o medicamento para câncer pulmonar Xalkori e está trabalhando no próximo, o lorlatinib, que concorrerá com empresas menores como a TP Therapeutics e a Ignyta. Terapia-alvo pioneira: Xalkori, para câncer de pulmão
ROCHE
Terapias: a Roche é dona da Genentech, pioneira entre os fabricantes de terapias-alvo. O Herceptin, para câncer de mama, foi a primeira droga importante contra a doença combinada a um exame diagnóstico. Terapia-alvo pioneira: Herceptin, para câncer de mama
BEM NO ALVO
Drogas que tratam mutações raras são um mercado atraente para empresas de biotecnologia menores, cujas ações dão saltos quando elas divulgam dados positivos dos pacientes
LOXO ONCOLOGY
Terapias: fundada por um ex-avaliador da FDA com o objetivo de encontrar drogas com efeitos fenomenais, mesmo que os pacientes que possam se beneficiar sejam muito raros. Os primeiros resultados referentes a cânceres causados por uma mutação denominada TRK chamaram a atenção de Wall Street.
IGNYTA
Terapias: muitas empresas buscam focar suas drogas numa única mudança genética. O entrectinib da Ignyta se parece mais com um canivete suíço: tem como alvos a TRK, a ROS1 e a ALK e demonstrou potencial em mais de uma doença.
BLUEPRINT MEDICINES
Terapias: para criar seu primeiro remédio, essa empresa voltada a cânceres raros vai atrás de um tumor chamado GIST, que foi tratado pela primeira vez com o Gleevec, uma das primeiras terapias-alvo para o câncer. A droga está sendo testada num subtipo genético em que os medicamentos existentes não funcionam. A mesma droga está sendo testada em outra moléstia, a mastocitose.
AGIOS
Terapias: a Agios, dirigida por David Schenkein, veterano da biotecnologia, enfoca o metabolismo das células cancerosas. Tem uma droga no mercado, comercializada com a Celgene, e outra a caminho, ambas para leucemia mieloide aguda.
Reportagem publicada na edição 56, lançada em dezembro de 2017