A economia brasileira está, desde 2014, enfrentando as águas mais turbulentas de seu passado recente. E só agora o mar agitado de nossa economia começa a se acalmar, embora nuvens negras persistam no horizonte, insinuando tormentas.
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A retomada começou em 2017, quando a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) foi estimada em 1% pelo Boletim Focus, o levantamento do Banco Central (BC) com as projeções econômicas de instituições financeiras.
O retorno do crescimento influenciou a projeção positiva de cinco executivos de grandes empresas ouvidos por FORBES. Eles também opinaram sobre as deficiências da economia brasileira, as ações que os setores público e privado devem tomar no curto prazo, assim como o cenário político e a perspectiva para as eleições de outubro. Além deles, foram consultados dois economistas e um cientista político.
“Cerca de 80% dos executivos brasileiros acreditam na melhora da economia global nos próximos 12 meses e 39% esperam que as receitas de seus negócios cresçam no período”, afirma Fernando Alves, sócio-presidente da PwC Brasil, comentando o resultado da última pesquisa CEO Survey realizada pela consultoria global. O otimismo se baseia, também, no bom desempenho de outras variáveis macroeconômicas.
A inflação encerrou 2017 em 2,95% – abaixo do piso da meta de inflação. A taxa de juros está em queda desde outubro de 2016 e está, desde o dia 7 de fevereiro, em 6,75% – o menor patamar nominal da história. Ao mesmo tempo, a produção industrial em 2017, mensurada pelo IBGE, apresentou uma expansão de 2,5%, a primeira alta depois de três anos de queda.
“O pior já passou. Os indicadores mostram que a recuperação é sustentável”, diz Cleber Moreira, presidente da Schneider Electric para o Brasil. “A projeção é de retomada de crescimento do PIB, estabilização da inflação e diminuição do desemprego”, analisa Ronaldo Iabrudi, CEO do Grupo Pão de Açúcar. Também otimista, Luiz
Pretti, presidente da Cargill no Brasil, calcula que o PIB deva crescer acima de 3,5%.
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As projeções variam conforme o entrevistado, mas o sentimento geral de ânimo é comum a todos eles. “Este ano vai ser um pouco melhor que 2017, mas não vai ser céu de brigadeiro”, pondera Nelson Marconi, economista da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EESP). Ele projeta uma expansão entre 1,5% e 2% impulsionada pelas exportações, especialmente do setor automobilístico. “É muito difícil ter surpresas com um cenário altamente favorável”, analisa José Francisco Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, que vê a expansão econômica próxima de 3%, puxada pelo aumento do consumo das famílias.
“Este ano, o foco da iniciativa privada deve ser na austeridade e no fortalecimento nos negócios”, recomenda Iabrudi. Ele aponta que as companhias que “mantiveram a roda girando” nos últimos três anos – com medidas de redução de custos e de despesas, por exemplo – já devem colher frutos. “Enquanto isso, o governo tem que melhorar a confiança do empresariado”, pede o CEO. “Em 2018 o desemprego, que continua alto, vai diminuir”, afirma Moreira. “O aumento da ocupação por autônomos e de postos de trabalho sem carteira de trabalho vai se intensificar”, analisa Marconi, que projeta uma queda de 0,2 ponto percentual por mês da taxa de desemprego.
MAIORES RISCOS
Para que todo esse roteiro seja seguido sem sobressaltos, é preciso que o ambiente global continue favorável e que as incertezas no cenário político do país não contaminem a economia de forma significativa, segundo avaliação do presidente da Cargill. “A queda das bolsas americanas é um risco”, completa Rogelio Golfarb, vice-presidente de assuntos corporativos da Ford do Brasil, referindo-se à queda de 4,6% da Bolsa de Nova York na primeira semana de fevereiro, a maior desde 2011. “No curto prazo, no entanto, o cenário externo é positivo.”
A eventual elevação da taxa de juros nos EUA pode diminuir a vinda de dinheiro ao Brasil – e a outros países emergentes –, o que encarece o financiamento no exterior do governo e das empresas brasileiras – e pode levar o Banco Central a retomar o processo de elevação da taxa de juros, aprofundando o desequilíbrio das contas públicas. “Esse é o grande risco para o ano”, avalia Gonçalves, lembrando que a possibilidade de aumento da taxa de juros nos EUA apareceu pela primeira vez em 2013 e levou a uma volatilidade nas principais bolsas de valores do mundo, na taxa de câmbio e nos juros no período. “O consenso do mercado, agora, é que vai haver duas elevações – talvez com mais uma depois – na taxa de juros pelo Fed”, afirma o economista do Banco Fator.
ARRUMAR A CASA
A perspectiva de melhora do desempenho econômico não pode ser motivo para que, novamente, o país coloque suas ineficiências debaixo do tapete. Pelo contrário. “É preciso reverter o forte desequilíbrio fiscal dos últimos anos”, aponta Pretti, sobre a necessidade de o governo resolver os sucessivos déficits primários e a consequente elevação da dívida pública. Desde 2014, o setor público fecha as contas no vermelho, com um déficit primário (quanto o governo arrecadou menos seus gastos antes do pagamento de juros) de R$ 124,4 bilhões, o que corresponde a 1,9% do PIB. O presidente da Cargill avalia que essa tarefa cabe ao próximo governo.
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Para o presidente da Schneider, a reforma da Previdência é outra prioridade. “Trata-se de uma economia que o Brasil deve aprender a fazer”, diz, enquanto o executivo da Ford afirma que “há dúvidas sobre a aprovação da reforma pelo Congresso ainda este ano”. Moreira lembra então de outra reforma: “Nossa carga tributária não estimula o crescimento”. Fernando Alves, da PwC, concorda: “É preciso uma reforma tributária que beneficie a competitividade, como nos EUA”.
Infraestrutura é outro tema recorrente. “Não é uma questão nova, mas é cada vez mais urgente em um cenário de grande competitividade global”, diz Alves. “Há um alto custo para o escoamento da produção”, reclama Pretti, apontando que as exportações brasileiras aumentaram sem uma correspondente melhoria da infraestrutura logística. O executivo da Cargill convoca a iniciativa privada a investir para melhorar o fluxo de mercadorias e serviços pelo país – a exemplo do que fez sua empresa, que destinou R$ 400 milhões na ampliação de dois portos no Pará (Santarém e Miritituba) e na melhoria da navegação do Rio Tapajós.
As empresas do país também precisam, na análise da PwC, diminuir seu custo operacional e buscar novas tecnologias que lhes tragam maior competitividade. “É preciso investir em inteligência artificial, Internet das Coisas, automação e cidades inteligentes”, diz Alves. Segue o mesmo raciocínio o presidente da Schneider: “Sem desenvolvimento em pesquisa e tecnologia, não há crescimento”. Por isso, ele pede ao governo urgência na elevação de recursos para a educação. “Ela é a base para o Brasil entrar de vez na era da inovação tecnológica”, afirma. Para ele, todos os executivos devem incluir em suas agendas os assuntos relacionados à chamada indústria 4.0.
NOVO PRESIDENTE
“Os empresários vão esperar a definição das eleições para investir”, prevê o professor Marconi, da FGV. As incertezas em relação ao pleito de outubro são as principais nuvens negras no horizonte citadas no início desta reportagem, como se observa nas previsões dos executivos e analistas ouvidos. “Não se sabe quem são os candidatos e o que vão oferecer”, diz Golfarb, da Ford. “As alianças não estão claras”, aponta Iabrudi, do Pão de Açúcar. “Esperamos uma boa discussão de propostas, com pluralidade de ideias”, torce Alves, da PwC. “Vai ser uma disputa muito acirrada, com muitos candidatos, segmentada e exposta a toda sorte de acontecimentos”, analisa o cientista político Carlos Melo, do Insper. “Não sabemos o destino do primeiro colocado nas pesquisas, quem vai ser o outsider e se o centro conseguirá se organizar”, completa.
Entre outros efeitos, essas incertezas podem ter impacto inflacionário. “A proximidade das eleições pode intensificar especulações na taxa de câmbio, pressionando a inflação”, explica Marconi. “É razoável imaginar que vai haver volatilidade na Bolsa de Valores e na taxa de câmbio, mas isso não deve afetar de modo relevante a taxa de juros, a inflação e a atividade econômica”, analisa Gonçalves, do Banco Fator.
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Sobre em quem votariam, nenhum deles quis se pronunciar. Mas disseram o que esperam do futuro presidente eleito. “O Brasil não pode ser gerido por super-homens”, afirma Moreira, que não crê na solução de problemas a partir das decisões de uma única pessoa. Para ele, o novo chefe do país “tem que liderar a reforma de valores com conhecimento técnico, montar uma boa equipe e fazer as instituições trabalharem para o bem comum”.
“O próximo presidente deve ter uma condução ortodoxa na economia e rigor na questão orçamentária”, avalia Golfarb. Para ele, a indicação do ministro da Fazenda pelos candidatos vai ser a base da campanha. Já para Alves, “o governante deve ter conhecimento sobre as demandas de diferentes setores da economia e da população, aliando suas necessidades aos potenciais do Brasil”. “O governo precisa resgatar a confiança e a estabilidade no país”, pede Iabrudi. É o que todos nós pedimos e esperamos.
CONJUNTURA INÉDITA
“É a economia, estúpido.” A frase tornou-se famosa nas eleições presidenciais americanas de 1992, quando Bill Clinton derrotou o presidente George W. Bush em meio à recessão que os EUA enfrentavam naquele ano. Aqui como lá, as condições econômicas também influenciam o voto. Para José Francisco Lima Gonçalves, do Banco Fator, o cenário das eleições presidenciais deste ano é uma novidade na história recente do país, pois contempla uma redução do desemprego (após níveis recordes de alta), melhora da atividade econômica (após dois anos de fortes quedas) e baixa inflação.
Em 1989, a vitória de Fernando Collor ocorreu com crescimento do PIB e desemprego baixo, mas com hiperinflação. Em 1994 e 1998, o controle da inflação credenciou a vitória de FHC, mas a atividade econômica claudicava. Em 2002, apesar da inflação controlada, o desemprego alto e a atividade fraca foram os fatores que levaram Lula à vitória – ele repetiu o feito quatro anos depois graças ao efeito China (cujo notável crescimento puxava o Brasil para cima).
Em 2010, Lula elegeu a sucessora sob forte atividade econômica e desemprego em baixa (a inflação começava a crescer). A vitória de Dilma Rousseff em 2014 ocorreu sob inflação em elevação, já no início da forte recessão que havia se iniciado antes das eleições. No entanto, o nível de desemprego ainda era baixo.
A incerteza em 2018 vai ser predominante no lado econômico, por causa do ineditismo da combinação dos dados sobre atividade econômica, taxa de desemprego e inflação. “É difícil dizer como a recente melhora econômica terá efeito nesta eleição”, relativiza Carlos Melo, cientista político do Insper, afirmando que a forma como está ocorrendo a queda do desemprego – a partir da criação de vagas sem carteira assinada – não anima o eleitor. “O cenário econômico favorável não deve ajudar o governo”, acredita Gonçalves, “devido à ligação passada do presidente Michel Temer com o PT e às denúncias de corrupção contra ele.”
Reportagem publicada na edição 57, lançada em março de 2018