Quando se pensa em inteligência artificial (IA), qual é a primeira marca que vem à cabeça? Provavelmente, a resposta seja Google ou Amazon. E isso não é por acaso: a empresa de Mountain View não apenas é a primeira a ter utilizado o machine learning com sucesso para seus produtos mais comuns, do mecanismo de busca ao Gmail, mas também está na vanguarda desta área, graças à startup DeepMind, e de programas de código aberto utilizados por profissionais da informática do mundo todo, como o TensorFlow.
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A Amazon, por sua vez, aposta na Alexa, assistente virtual que alimenta os dispositivos Echo e que aponta para a evolução da inteligência artificial, por se tornar cada vez mais capaz de entender e antecipar as necessidades dos usuários. A Amazon e Google se unem ainda gigantes como Facebook, cujo departamento de IA é guiado há muito tempo por um especialista do setor, Yann LeCun, e Microsoft, que há algum tempo se define como uma empresa focada em IA e que investe muito na potencialidade da Cortana, sua assistente virtual.
E quem tem ficado para trás? A grande ausente é a Apple. A empresa que revolucionou o mundo dos computadores, da música e dos smartphones tem, pelo menos até agora, errado completamente o alvo no setor que, mais do que qualquer coisa, pretende revolucionar a sociedade e nos levar em direção a uma quarta revolução industrial.
A ausência da Apple é surpreendente porque, no passado, a empresa intuiu a direção que o mundo digital tomaria, com muitas antecipações em relação aos concorrentes, o que permitiu conquistar uma vantagem que parecia intransponível. A história é conhecida: em 2010, a Apple adquiriu um aplicativo chamado Siri. Cerca de um ano depois, a Apple levou pela primeira vez a inteligência artificial ao bolso de milhões de pessoas, ao apresentar a sua assistente digital, Siri, precisamente na ocasião do lançamento do iPhone 4S. Antes de qualquer outro, a empresa fundada por Steve Jobs havia identificado um dos desafios fundamentais do futuro próximo: equipar os smartphones (e não só eles) com assistentes digitais para ajudar a planejar o dia, enviar e ler mensagens e emails e responder a perguntas variadas, entre outras coisas.
Como todos os proprietários de iPhones sabem, as coisas não andaram como prometidas: até hoje, apesar dos progressos recentes, significativos, a Siri é utilizada para tarefas banais como programar o despertador ou anotar, com certa dificuldade, lembretes. Enquanto isso, os concorrentes superaram a Apple em alta velocidade, com os já citados Alexa e Google Assistant. “A Siri não conseguiu me dizer os nomes dos principais candidatos à Presidência dos Estados Unidos. Ou quando ocorreriam os debates”, lamentou há certo tempo o repórter especializado Walt Mossberg, no portal “The Verge”. “Quando eu lhe perguntei ‘Como está o tempo em Creta [maior ilha da Grécia]’, ela me forneceu a previsão de Crete, uma pequena cidade no Estado norte-americano de Illinois. O Google Now, nos mesmos dispositivos Apple, com a utilização das mesmas palavras, respondeu corretamente a cada uma dessas perguntas.”
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Apesar de os progressos da Siri, a distância em relação ao Google e à Alexa ainda é vergonhosa. Um dos obstáculos mais importantes é causado, paradoxalmente, por uma das virtudes mais apreciadas da Apple: o respeito pela privacidade dos proprietários. “Para funcionar bem, a inteligência artificial necessita de uma enorme quantidade de dados”, diz um artigo do portal de notícias “Quartz”. “Apenas isso requer uma coisa que a Apple nunca esteve disposta a fazer: recolher os dados de seus usuários ou colaborar com terceiros para utilizar os dados que eles têm.” Como já sabemos bem até demais, Google, Amazon e Facebook, por sua vez, não pensam duas vezes quando se trata de fazer uso do preciosíssimo big data.
Mas a privacidade não é a única razão para esse déficit: a Apple sempre teve o culto pelo segredo, razão pela qual não publica suas pesquisas e não permite que seus colaboradores falem sobre os projetos em curso. Isso, porém, fez com que muitos talentos do machine learning (engenheiros que são tão difíceis de encontrar quanto caros) estivessem pouco dispostos a trabalhar em Cupertino enquanto seus colegas conquistavam a fama com pesquisas publicadas na plataforma especializada ArXiv, consultada pelos cérebros do mundo todo, e com conferências globais. De fato, ao pensar nos grandes nomes da inteligência artificial, não se encontra nenhum que trabalhe na Apple: Yann LeCun, como dito, encontra-se no Facebook; Geoffrey Hinton, no Google; e Andrew Ng foi do Google para o Baidu, antes de decidir se dedicar a um projeto pessoal.
As coisas, no entanto, estão começando a mudar. A Apple, há alguns meses, conseguiu contratar Ruslan Salakhutdinov, professor da Universidade Carnegie Mellon, e John Giannandrea, um dos profissionais mais importantes do Google. Para conseguir isso, a empresa precisou renunciar, ao menos em parte, ao conhecido mistério: há um certo tempo, a Apple publica artigos no “Machine Learning Journal”, para oferecer assim uma vitrine aos pesquisadores e permitir que eles participem de algumas conferências.
Um pouco tarde demais? Provavelmente, sim. Sabe-se que a verdadeira habilidade da Apple nunca foi a de chegar primeiro, mas a de melhorar os produtos já inventados pelos outros. Desta vez, porém, teria feito melhor se tivesse tirado proveito da ótima intuição que teve há oito anos.