Se você acredita em tendências, a inteligência artificial (AI) está pronta para mudar o mundo de maneiras dramáticas em breve. Quem é contra a tecnologia afirma que isso levará, na melhor das hipóteses, ao aumento do desemprego e da agitação civil, e, na pior, à erradicação da humanidade. Os defensores, por outro lado, nos dizem para aguardar um futuro de lazer e criatividade, à medida que os robôs cuidarão do trabalho penoso e da rotina.
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Um terceiro público – provavelmente o maior – fica feliz em admitir que pode ser complicado demais prever o nível de mudança que a tecnologia poderá impor e que tudo ainda está no ar. Mudanças anteriores em larga escala na forma de trabalho (como as revoluções industriais) podem ter sido perturbadoras no curto prazo. No entanto, o que aconteceu com o tempo foi uma transferência do trabalho do campo para as cidades – e não a ruína da sociedade.
No entanto, como o autor Calum Chace aponta em seu livro mais recente, “Artificial Intelligence and the Two Singularities” (Inteligência Artificial e as Duas Singularidades, em tradução livre, sem versão em português), desta vez há uma grande diferença. Revoluções industriais anteriores envolveram a substituição de habilidades humanas mecânicas por ferramentas e maquinário. Desta vez, são nossas funções mentais que estão sendo substituídas – particularmente nossa capacidade de fazer previsões e de tomar decisões. Isso é algo que nunca aconteceu antes na história, e, por isso, ninguém sabe exatamente o que esperar.
Quando encontrei recentemente Chace em Londres, ele me disse: “Muitas pessoas acham que isso não aconteceu no passado, então também não vai acontecer agora… Mas é diferente. A curto prazo, a IA irá criar mais empregos à medida que aprendermos a trabalhar melhor com as máquinas. Mas é importante pensar em uma escala de tempo ligeiramente maior do que os próximos 10 ou 15 anos”.
A principal ideia sempre foi a de que, como as máquinas cuidariam do trabalho servil (seja o trabalho manual, aumentando as habilidades de profissionais qualificados como médicos, advogados e engenheiros, ou tomando decisões rotineiras), os seres humanos estariam livres para gastar seu tempo em atividades de lazer ou criativas.
No entanto, como Chace diz, isso exigiria um cenário de “economia da abundância”, uma utopia tipo Jornada nas Estrelas na qual os meios para satisfazer nossas necessidades básicas, como sustento e moradia, seriam tão altamente disponíveis que se tornariam essencialmente livres.
Sem isso, os seres humanos se encontrariam em uma situação na qual teriam que sair e competir por qualquer trabalho remunerado que ainda estivesse disponível para eles em uma força de trabalho dominada por robôs. Um exemplo simples: uma fazenda totalmente automatizada iria, em teoria, fornecer comida a um custo muito mais barato do que uma que tivesse mão de obra humana, operadores de maquinário, equipe administrativa, agentes de distribuição e guardas de segurança.
No entanto, se o proprietário da fazenda ainda separasse seus bens de acordo com as maiores ofertas, haveria desigualdade na forma como os alimentos seriam distribuídos entre a população e o potencial para o surgimento uma classe social pobre, sem acesso a um sustento adequado. Nada de novo, claro. Essa subclasse sempre existiu ao longo da história. No entanto, isso não se encaixa exatamente na ideia da utopia de Jornada nas Estrelas que precisamos ter antes de podermos entregar confortavelmente os reinados às máquinas.
Isso tudo geraria um problema e a maneira ideal, aparentemente, seria fazer uma transição gradual e gerenciada para uma economia baseada no trabalho de máquinas inteligentes. Esse processo envolveria a supervisão cuidadosa de quais papéis humanos seriam automatizados e garantiria que os recursos “abundantes” estivessem em vigor para apoiar aqueles que, infelizmente, acreditam que estão sendo substituídos, em vez de meramente “potencializados”.
O problema é que isso exigiria dois elementos. O primeiro deles seria um esforço orquestrado dos governos e órgãos reguladores para entender a escala do desafio e possibilitar a estrutura correta para que ele aconteça. O segundo seria a aceitação por aqueles que lideram a carga, no caso a indústria de tecnologia, de que há um motivo mais importante do que o lucro para a mudança.
Nenhum deles parece provável de acontecer em breve. Apesar do lema de “tornar o mundo um lugar melhor”, o objetivo primordial da grande tecnologia ainda é gerar crescimento e lucro para as empresas. Além disso, gerenciar a mudança política poderia ser um trabalho ainda mais difícil do que persuadir um CEO de uma empresa de tecnologia de que ela não deveria se concentrar em receita ou lucros.
“As pessoas não são estúpidas”, diz Chace ao discutir como os sistemas de direção autônoma parecem corroer as oportunidades de emprego para os seres humanos cujo negócio está impulsionando. “Elas verão esses robôs ocupando os lugares dos motoristas e se darão conta de que não demorará muito até que eles ocupem também os seus lugares. Isso causará pânico. E o pânico leva a políticos populistas muito desagradáveis, tanto da esquerda quanto da direita, sendo eleitos.”
Chace também não acredita que o conceito de renda básica universal – que atualmente está sendo experimentado em alguns países escandinavos – seja a resposta certa, ou, pelo menos, não em sua forma atual. “O problema com a renda básica universal é que é básica. Se tudo o que podemos fazer é dar às pessoas uma renda básica, nós falhamos, e a sociedade provavelmente não pode ser salva.”
Um futuro em que a maioria dos humanos viva a partir de uma renda de subsistência financiada pelos frutos de uma força de trabalho robótica, enquanto uma classe alta de “1%” – aqueles que controlam os robôs – constrói seu império e alcança as estrelas não é atraente para as pessoas com uma mentalidade igualitária. Mas pode ser a direção que estamos seguindo.
No entanto, argumenta Chace, não é tarde demais para traçar um caminho melhor. “Todos nós temos um trabalho a fazer – acordar nossos líderes políticos, que não estão pensando nisso, e nossos líderes tecnológicos, que parecem estar em profunda negação. “Se nós entendermos o desafio, poderemos ter um mundo incrível para nós mesmos, nossos filhos e nossos netos. Um mundo onde as máquinas fazem as coisas chatas e os humanos fazem o que vale a pena, as coisas interessantes.”