Se você é um trabalhador, você é um importador. Nenhuma afirmação é tão verdadeira quanto essa. Suas “importações” podem vir do outro lado da rua ou do outro lado do mundo, mas o seu trabalho é uma expressão do desejo de comprar coisas, de importar.
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Da mesma forma, se você é um consumidor, você é um trabalhador. Se não for esse o caso, você é sustentado por outro trabalhador. O trabalho é, disfarçadamente, uma demanda por bens e serviços. Sem a oferta, não há o que comprar.
A única forma de compreender a “demanda” de mercado é entendendo a oferta que a precede. Oferta é a expressão de demanda sem a intenção de comprar. Na pequena cidade de Cairo, em Illinois (EUA), os trabalhadores não estão fornecendo produtos suficientes e, como resultado, têm pouca oferta no mercado. Em Nova York, os trabalhadores hiper focados fornecem bens em abundância, o que explica a fartura da cidade. Onde há muita produção, há muitas “importações” para satisfazer as necessidades do setor produtivo. A Lei de Say, sobre o funcionamento dos mercados, é clara ao explicar isso.
Esse argumento lembra um comentário recente feito pelos escritores Max Boot e Oren Cass. Boot era um membro proeminente da direita na política norte-americana, até quando se “assumiu” como parte da esquerda. Já Cass é um teórico político da direita, mas não um conservador típico. Embora conservadores tenham o costume de desenvolver um governo restrito, Cass tem uma base de fãs das mais estabelecidas, principalmente porque está promovendo a compaixão graça ao aumento salarial e da felicidade. Ele também reivindica seguidores com sua página editorial no “New York Times”. Subsídios salariais para trabalhadores, supostamente deixados para trás com a globalização, são tópicos em alta tanto na direita quanto na esquerda política. Além disso, Cass alimenta os anseios da direita que se desenvolveram, de um dia para o outro, graças à paranoia extraordinária com relação à China. Tanto Boot quanto Cass tiram vantagem da Lei de Say, mas por motivos diferentes.
No caso de Boot, sua mudança de discurso para a esquerda inclui, infelizmente, todo o desdenho sem fundamento ao capitalismo que esperamos dessa população. Em outras palavras, Boot está comunicando a seus leitores ávidos do “Washington Post” que, na verdade, ele nunca gostou do capitalismo. Com uma coluna no jornal que lamenta a Revolução Industrial, ele transformou a “sociedade além de todo o reconhecimento”, uma vez que foi ela que “criou imensas fortunas para as famílias Rockefeller, Carnegie, Gould e de outros ‘barões ladrões’” e, ao mesmo tempo, “uma grande miséria para milhões de pessoas, que precisaram abandonar o campo para trabalhar em fábricas na cidade”.
Com tanto conhecimento histórico, não é possível que uma pessoa como Boot acredite que a vida no campo era ótima antes dos supostos “barões ladrões” começarem a produzir em massa itens que eram considerados luxo na época. Apesar de John D. Rockefeller não ter inventado a lâmpada de querosene, ele começou a produzí-la em larga escala para que os preços caíssem e o item fosse acessível para qualquer pessoa. Da mesma forma, Henry Ford não inventou o automóvel, produto raro no início do século 20, mas passou a produzi-lo em grande quantidade.
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Boot argumenta que “milhões de pessoas tiveram de abandonar o campo para trabalhar em fábricas na cidade”, mas isso não é realidade. A verdade é que eles se mudaram porque as oportunidades na cidade eram muito melhores. Os sinais dados pelo mercado atualmente são repletos de informações, relacionadas ao fluxo de pessoas. É preciso entender que empreendedores norte-americanos queriam os bens e serviços que eram cada vez mais oferecidos graças aos gênios do capitalismo, aqueles que Boot menospreza hoje. A mudança dos trabalhadores para a cidade foi uma expressão da demanda e, como evidenciado pela fortuna que os “barões” construíram ao satisfazer as necessidades das massas, o salário na cidade era muito melhor do que no campo.
A questão é que as fortunas do começo do século 20 foram um efeito do aumento salarial, tanto que cada vez mais trabalhadores da linha de produção passaram a ser atendidos pela própria família Rockefeller, entre outras. Assim, trabalhadores tinham prazer em fornecer produtos, e empreendedores ficaram ricos com a produção.
Por isso, é engraçado e triste ouvir a afirmação de Boot, que diz que a moderna “Revolução da Informação” está criando vastas fortunas para as famílias Gates, Bezos, Jobs e Zuckerberg e empobrecendo milhões de trabalhadores. Isso não é verdade. O que o escritor não está levando em consideração é que quanto maior e mais valioso o negócio, maiores as chances de que o modelo de vendas e serviço seja focado nas massas. Se os leitores duvidam disso, é só dar uma olhada em qualquer ranking das empresas mais valiosas do mundo.
Não significa que um empreendedor não consiga enriquecer ao servir uma pequena parcela da sociedade, mas as chances de se tornar um bilionário são maiores quando se satisfaz a todos. Se os trabalhadores comuns fossem empobrecidos pelos bilionários, não haveria nenhum bilionário. Em outras palavras, as ações de empresas como Microsoft, Amazon, Apple e Facebook estariam em queda, como reflexo do empobrecimento de seus consumidores e usuários. A liderança dessas quatro companhias na bolsa de valores é um sinal de que o homem comum está se saindo bem e não foi empobrecido.
Já o outro escritor, Cass, reconhece que agora a classe trabalhadora norte-americana pode comprar “mais coisas baratas”, mas ignora o significado da argumentação acima. Se um norte-americano qualquer consegue comprar um super computador, esse é um sinal de que as recompensas do trabalho (oferta) crescem cada vez mais. Membros da direita acham que o trabalhador está sofrendo, mas a falta de conhecimento de Cass sobre os smartphones no bolso dos trabalhadores prova que sofrer é um termo relativo. As frustrações não surgem da fome ou da falta de confortos, mas sim de quão fartas são as ofertas. Um fato crucial a ser considerado é o que está ao alcance dos cidadãos norte-americanos. Eles têm tanto ao alcance que um bilionário novo surge a cada dia, um sinal de que a vida do trabalhador está cada vez melhor.
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Se os leitores duvidarem das argumentações acima, é necessário considerar, mais uma vez, o motivo pelo qual tantos norte-americanos têm a palavra “bilionário” anexada a seus nomes. Isso é um sinal de que as chances estão crescendo para o típico norte-americano. Nós trabalhamos e fornecemos produtos a fim de ganhar também.
Em vez de celebrar a produtividade dos trabalhadores norte-americanos, Cass e seus fãs continuam em busca de inimigos. Incentivados por políticos como Donald Trump e Peter Navarro, conservadores desenvolveram uma aversão aos chineses. Embora a divisão de trabalho e os caminhos abertos tenham criado uma fortuna nos EUA, Cass afirma que essa não é a realidade e que os chineses querem viver como nós. Supostamente, o norte-americano típico sofre com a competição gerada pelos subsídios do governo da China. O engraçado é que políticos conservadores costumavam reduzir os subsídios para negócios, o que acabava, logicamente, enfraquecendo-os. Além disso, os chineses são vistos como pessoas que querem roubar, simplesmente pelo fato de serem quem são, quando, na verdade, são as ideias dos empresários norte-americanos que falham. Para ser justo, Cass conseguiu influenciar o discurso de Mitt Romney, candidato à presidência do Partido Republicano em 2012, sobre ser mais duro com a China. Essa paranóia dura há tempos, o que coloca suas teorias econômicas em xeque.
E não faltam teorias para Cass. Interessado em fazer com que o trabalhador típico “participe de maneira significativa do mercado de trabalho”, ele reivindica subsídios para os trabalhadores – e os membros da direita estão desmaiando com isso. Essa vontade não ignora apenas a correlação óbvia entre o aumento da riqueza dos bilionários e o aumento salarial, mas também ignora algo que os conservadores costumavam entender claramente: salários não podem ser decretados se não saírem do bolso de alguém. A remuneração é um efeito do investimento, e investimento é o que sobra no final do mês depois da compra dos itens de necessidades básicas. É por isso que os ricos são críticos quando se trata do aumento salarial. Para ser sincero, você não pode ter salários mais altos sem reduzir os impostos daqueles que são mais capazes de economizar: os ricos.
Faço toda essa argumentação sobre taxas simplesmente porque Cass não menciona a redução tributária para as pessoas mais ricas. Nem mesmo seus colegas conservadores, que continuam a aplaudir a aprovação de um lei de impostos descaradamente keynesiana de 2017, visando reduzir as taxas para a classe média. O escritor também não fala sobre um dólar estável, que reduziria ainda mais os riscos decorrentes de investimentos em dinheiro. Resumindo, o desejo expresso por Cass de melhorar a vida do trabalhador típico não tem base política. Cass quer redistribuição de riqueza. Nada mais. Os conservadores estão aplaudindo. O mundo está de cabeça para baixo.
Boot e Cass não mudam de ideia. Eles não podem lamentar pela riqueza e pelos padrões de vida dos ricos ao mesmo tempo que lamentam pelo trabalhador oprimido. A verdade é que a riqueza se dá quando se satisfazem as necessidades do trabalhador típico. O fato de que o número de bilionários está aumentando é um sinal de que a vida do trabalhador norte-americano nunca esteve melhor. Boot e Cass entenderão isso quando conhecerem a Lei de Say, assim como os conservadores, quando aprenderem a estabelecer políticas.
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