Estudos indicam que 68% das mulheres nos Estados Unidos sofrem com sobrepeso. Diante desse quadro, grande parte das novas coleções plus size e de “tamanho único” não são grandes o suficiente. Por isso, a startup Pari Passu decidiu fazer algo diferente: ela projeta roupas especialmente para mulheres gordas.
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Após uma análise de dados e pesquisa com a consultoria de negócios da moda Alvanon, a Pari Passu desenvolveu um sistema de ajuste patenteado. A marca começou a trabalhar com 7,5 mil tipos de corpo em 3D, de mulheres a partir do tamanho 14 (equivalente ao tamanho 48 no Brasil). A partir daí, foram escolhidos três tipos corporais a fim de criar um sistema único de dimensionamento, em que não apenas o tamanho, mas também o formato do corpo, fossem elementos essenciais.
Abaixo, a entrevista com os cofundadores da Pari Passu, Shanna Goldstone e Edward Slezak, mostra o início e a história da marca, assim como a mudança de postura diante das mulheres plus-size.
FORBES: Como foi trabalhar com a atriz Melissa McCarthy na origem da Pari Passu?
Shanna Goldstone: A oportunidade de trabalhar com Melissa McCarthy abriu nossos olhos. Ed e eu estamos juntos no varejo há 15 anos, e nunca havíamos atuado no segmento plus size. Ao trabalhar com Melissa, começamos a olhar para outros nichos, e isso nos alertou para algo que antes nem reconhecíamos como um problema.
Edward Slezak: Trabalhar com Melissa foi a porta de entrada para um segmento de mercado que desconhecíamos. E pareceu óbvio que havia uma oportunidade para oferecer um produto melhor para a maioria das mulheres, promovendo uma experiência mais agradável a elas. Nós queríamos fazer parte disso, e nossa experiência nos permitiu ingressar nesse nicho.
FORBES: Contem um pouco do passado de vocês.
SG: Ed e eu trabalhamos juntos há cerca de 15 anos, 10 deles na Aeropostale.
ES: Nós ficamos um bom tempo na Aerpostale. Shanna era parte da nossa equipe de marketing, eu era o conselheiro geral. Sou advogado por formação, e ainda exerço um pouco a profissão. Eu também fui executivo de uma empresa que passou de camisetas e hoodies para cupcakes, vendidos na Crabs Bakeshop (rede norte-americana de padarias). Temos muita experiência em diferentes setores do varejo, mas, até trabalharmos com Melissa, nunca havíamos atuado no comércio plus size. Depois de enxergar essa problemática, que pessoas fora do padrão costumam enfrentar, é impossível não se importar.
FORBES: Agora, falem um pouco sobre o sistema de ajustes de vocês.
ES: Nosso sistema de ajuste é muito simples. Tudo se resume a moldar e dimensionar. A forma, para determinar o bom caimento de uma peça, é muito mais importante do que o tamanho dela. Focamos nossa linha em separações personalizadas. Cada par de calças conta com 21 opções diferentes: três formas e sete tamanhos, tudo com base na pesquisa e no trabalho que fizemos que durou, em média, 16 meses até o lançamento. Inauguramos recentemente, mas toda a pesquisa e o histórico nos permitiu criar as três formas distintas de que falamos, capazes de vestir 90% ou mais da população.
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FORBES: Incrível. Eu, por exemplo, sou do tipo “pêra”. Visto tamanhos diferentes em cima e em baixo, o que representa um obstáculo para mim e a maioria das mulheres que conheço. Surpreende isso ainda ser um problema.
SG: Ainda não acreditamos que fomos os primeiros, ao menos até onde sabemos, a resolver esse problema.
ES: Ao falarmos sobre nossos moldes, não fazemos referência a nenhuma fruta. É desrespeitoso com as mulheres, e não é isso que estamos procurando, seja na qualidade ou na mão de obra.
FORBES: Qual é a linguagem da Pari Passu para se referir aos moldes?
SG: Queríamos que a linguagem fosse a mais neutra possível. Por isso, usamos as letras “B”, “C” e “D”, e os tamanhos variam de um a sete.
FORBES: Contem das tipagens de corpo em 3D usadas para o sistema de ajuste.
ES: Nós ficamos cerca de 16 meses nesse processo. Uma boa parte deles envolveu muita pesquisa de desenvolvimento. Começamos com um levantamento de um projeto de “escaneamento corporal” em grande escala, em shoppings e nos mercados do país. Com isso, pudemos ver e ter contato com pessoas de todas as formas e tamanhos, todas as etnias, todos os gêneros e todas as idade, a fim de tentar obter o máximo possível de dados sobre os corpos norte-americanos contemporâneos.
Investimos em parte dessa pesquisa, aquela que se aplicava ao nosso cliente principal: mulheres, entre 30 e 50 anos de idade, acima do tamanho 48. Além disso, a tipagem gerou mais de 7,5 mil variedades corporais específicas de nossa clientela.
Em seguida, fizemos o 3D com os dados da pesquisa e, graças a ele, chegamos aos mais diversos moldes, que logo se tornaram corpos físicos. Portanto, temos formas únicas de corpo para todas as três formas. Eles não se parecem com nada que você já tenha visto – e se viu, foi em um ateliê de costura. Estes moldes são representativos das mulheres de hoje. São representações muito precisas do que as mulheres são atualmente.
SG: Foi muito difícil finalizar os formulários. Tivemos que analisar, estudar e validar nossa hipótese. Qualquer um que enxergue pode ver que diferentes pessoas têm diferentes tamanhos. Mesmo trabalhando com um bom fabricante e analista de dados, ainda foi muito difícil, pois os protótipos estão enraizados na sociedade e os moldes costumam não variar muito, sempre se voltando para uma forma mais “tradicional”.
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Mesmo depois do estudo, o primeiro modelo ainda se parecia muito com as formas tradicionais. Voltamos, então, ao fabricante com a premissa de que o resultado foi diferente daquilo que queríamos. E eles nos afirmaram que tomaram a liberdade de modificar alguns dados a fim de que a fabricação fosse mais fácil, mas era justamente isso que estávamos tentando mudar. Por isso, tivemos que começar tudo de novo.
ES: Tentamos pelo menos umas três vezes até que chegássemos ao nosso atual resultado. E foi isso que usamos para criar nossos modelos iniciais. Cada um dos nossos estilos tem um padrão único, e para o mercado isso é bastante inédito. Chegamos a esse nível de detalhe criando o padrão para as roupas separadamente, a fim de garantir que o ajuste fosse perfeito. Depois de fazermos tudo isso, criamos algumas amostras e começamos a testá-las em mulheres reais. E, atualmente, já conseguimos vestir milhares de mulheres com corpos totalmente diferentes. Nós não estamos tentando nos promover, mas o ajuste que nosso produto oferece é incrível.
FORBES: Como são as modelos da marca?
SG: Além do 3D, usamos três modelos com dimensões diferentes.
ES: Começamos a usar modelos pois era algo crítico para nós. Acreditávamos que a única grande questão do mercado plus size era caber. Mas se pudermos obter o ajuste certo e usar tecidos bons, naturais, que não sejam de poliéster e a alfaiataria proveniente da melhor fábrica dos Estados Unidos, conseguiremos criar algo especial.
FORBES: Como vocês escolhem os tecidos e os detalhes?
SG: Começar e terminar tudo com perfeição é um dever nosso. Usamos materiais da mais alta qualidade. A lã, por exemplo, é comprada na mesma fábrica que a Hermes compra. É linda. A diferença é que nós a usamos em uma pequena parte dos nossos produtos, só para dar mais conforto. Nós não usamos tecido de alta elasticidade para trapacear no ajuste. Utilizamos botões de madrepérola e de couro italiano ultrafino. É muito importante para nós dar aos clientes algo que eles nunca viram.
FORBES: O luxo é um novo mercado para mulheres plus size. Existe algum conselho para aquelas que não estão acostumadas a se ver nesse mercado?
SG: Claro, e poderia falar sobre isso durante dias. Em primeiro lugar, temos que perguntar por que as mulheres não acham que valem o investimento. Obviamente, por um longo tempo, elas foram orientadas a mudar de corpo, fazer dieta, perder dez quilos, se preparar para o verão, mudar a cor do cabelo. E, honestamente, isso é ridículo. Todo mundo é digno. Todos devem investir em si próprio. As mulheres não precisam mudar ou emagrecer. Pregamos a ideia de que precisamos fazer as roupas caberem nas mulheres, e não as mulheres nas roupas.
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FORBES: Existe uma questão emocional forte na moda plus size, devido à falta de mercado. Vocês se depararam com isso ao lançar a Pari Passu?
ES: Sim. Uma das modelos começou a chorar quando chegou aqui para experimentar as roupas. Ela disse: “Eu nunca fui capaz de usar roupas que vestem perfeitamente nesse tamanho. Parece que essas roupas foram feitas para mim”. Ali nós tivemos certeza de que estávamos no caminho certo.
FORBES: Como é entrar em um mercado tão novo?
ES: É um pouco assustador. Escutamos coisas como: “Ela não está disposta a investir em si mesma. Ela está infeliz com seu tamanho. Ela quer emagrecer. Ela não vai investir em roupas ou tecidos de melhor qualidade”. Mas nunca demos importância. Acreditávamos que, se déssemos essas oportunidades às mulheres plus size, os resultados viriam. Podemos notar que muitas delas têm bolsas Birkin e usam joias caríssimas, então, por que não investir em uma roupa de melhor qualidade?