As novas tecnologias atingiram em cheio a educação, conferindo uma necessidade emergencial de transformar os modelos educacionais para dar conta de formar os líderes do futuro. Em um mundo que rompeu as fronteiras do aprendizado, em que a inteligência artificial e os robôs assumem muitas profissões, é necessário repensar as salas de aula e os métodos de ensino. Saem as classes com carteiras e lousas fixas para dar lugar a tablets, painéis móveis e outras novidades. O professor deixa de ser a figura central detentora de todo o conhecimento – e o protagonista passa a ser o aluno. Provas escritas perdem espaço para os trabalhos em grupos. As habilidades socioemocionais são priorizadas, e os estudantes se preparam para se posicionar, argumentar e resolver questões globais, como o crescente fluxo migratório no planeta ou os impactos do aquecimento global. As excursões que antes eram para lazer são substituídas por projetos sociais, a começar pela comunidade em torno das escolas.
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Fluência digital, empreendedorismo, sustentabilidade, autonomia e habilidade para enxergar as necessidades do outro hoje são matérias tão importantes na formação desse futuro líder quanto os conhecimentos de ciências e matemática. E a língua inglesa passou a ser tão relevante quanto o uso do português – tanto é que as aulas desse idioma passaram a ser diárias nas novas escolas top de linha. Com propostas inovadoras, Concept, Avenues e Eleva estão entre as que se empenham em preparar os pequenos cidadãos para esse mundo mutante e veloz. Para montar seus currículos inovadores, os empresários da educação foram em busca dos modelos adotados por países como Finlândia, Singapura, Canadá, Suíça, Coreia do Sul e Suécia, que há anos ocupam os primeiros lugares nos rankings mundiais de qualidade de ensino e aprendizado.
O educador José Moran, doutor em comunicação pela USP, professor de Novas Tecnologias na mesma universidade e um dos fundadores do Projeto Escola do Futuro, estuda as novas tecnologias há três décadas e já vem, há anos,
alertando sobre o profundo abismo entre a escola, que classifica como “museu”, e a realidade dos alunos, que nasceram imersos no dinamismo provocado pelas novas tecnologias. “A escola não pode estar fechada em condomínios
mentais. Para ser realmente inovadora, ela precisa romper com esses limites.” Segundo Moran, o avanço recente dos currículos escolares se deu com a percepção dos próprios pais de que os modelos existentes já não faziam sentido para a geração digital. Para o educador, a escola tem a missão de encantar e abrir os horizontes de crianças e jovens. Ele ressalta que “o aluno hoje está muito mais envolvido nas decisões e tem um lado mais participativo e não apenas executivo, como era antes”. O papel do professor mudou, e hoje é fundamental que ele escute mais seus alunos e valorize as ações em grupos. Moran sublinha, porém, que nenhuma dessas ações tem propósito se não combater um dos principais entrave educacionais do país: a desigualdade social.
“Diante de um cenário bastante complexo, um grande líder precisa ser capaz de entender e resolver problemas globais”, afirma Jeff Clark, presidente da Avenues. Da sede em Nova York, que abriga filhos de bilionários americanos, Clark conversou por telefone com a FORBES sobre a filial brasileira, inaugurada no início deste ano, em
São Paulo. “Esperamos ver nossos alunos atuais e futuros aprenderem e crescerem para se tornarem líderes dentro da comunidade local, bem como globalmente, pelas próximas décadas ”, disse ele.
A Avenues foi fundada em 2012 por Alan Greenberg, ex-publisher da revista “Esquire”, Benno Schimidt, ex-presidente da Universidade Yale, e Chris Wittle, do setor de educação. A sede nova-iorquina, estabelecida em Chelsea, teve investimento inicial de US$ 100 milhões. Cada um dos 1.500 alunos paga US$ 50 mil por ano. No Brasil, a mensalidade está em torno de R$ 8 mil. Por ser uma escola global, a ideia é que os alunos de várias partes do mundo interajam entre si. Clark ressaltou o intercâmbio entre as escolas brasileira e americana, com estudantes de São Paulo participando de um projeto de quatro semanas em Nova York. Rachel, Felipe, Chiara e Rafael, da Avenues São Paulo, inscreveram-se no programa Mastery de Nova York. Rafael, por exemplo, optou pela política ao formular hipóteses sobre como seriam os resultados das próximas eleições presidenciais do Brasil se ocorressem nos Estados Unidos. Já Felipe, por meio do uso do iLab, fabricou modelos 3D de prédios nova-iorquinos. O intercâmbio deverá ser ampliado com as unidades em Shenzhen, na China, no Vale do Silício, na Califórnia, e em Doha, no Catar. Em uma década, a Avenues pretende abrir 25 escolas em metrópoles ao redor do mundo.
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Já a Concept, pertencente ao Grupo SEB, líder na educação básica brasileira e com 50 anos de existência, apoiou-se em três anos de pesquisas para montar a grade curricular de suas unidades de São Paulo, Ribeirão Preto e Salvador, ao custo de cerca de R$ 50 milhões para cada uma delas. “Queríamos oferecer uma escola que rompesse definitivamente com os paradigmas da dinâmica escolar atual ao tirar o foco do ensino e colocá-lo na aprendizagem. Para garantir que isso acontecesse, o projeto apoiou-se em algumas questões: a personalização da aprendizagem, a pedagogia de projetos, a contextualização da aprendizagem e a aprendizagem ativa”, afirma Thamila Zaher, diretora executiva e membro do conselho do Grupo SEB – ela é filha do dono do grupo, Chaim Zaher (leia entrevista com Chaim). Thamila conta à FORBES que uma equipe viajou para Finlândia, Singapura, Estados Unidos, Canadá e Suíça com a missão de extrair de cada país ideias inovadoras que ajudassem a arregimentar as quatro abordagens educacionais da escola: habits of mind, visible thinking, fieldwork education e o fun learning. Segundo ela, a Concept antecipa o futuro da educação básica no Brasil ao projetar que “em breve todas as escolas terão de se transformar para oferecer uma dinâmica de aprendizagem que respeite as demandas de um aluno absolutamente diferente daquele para o qual as instituições de ensino foram imaginadas há mais de 200 anos”. O grupo aposta agora em escolas voltadas às classes B e C sob a bandeira Luminova, com unidades a serem inauguradas no próximo ano.
Idealizada por Jorge Paulo Lemann, o maior bilionário do Brasil, e financiada pelo fundo Gera Venture Capital, a escola bilíngue Eleva, estabelecida em 2017, no Rio de Janeiro, também figura entre as mais inovadoras do país. Situada no bairro Botafogo, onde abriga 360 alunos, a Eleva chegou a ter uma lista de espera de 1.500 estudantes. A solução foi abrir uma nova unidade, que será inaugurada no ano que vem na Barra da Tijuca. O fundo Gera, do qual Lemann é o principal investidor, agrega 89 unidades das redes de ensino Pensi, Elite, Coleguium, Alfa e Nota 10, que somam 50 mil estudantes.
Antecedendo as escolas inauguradas nos últimos dois anos está a Lumiar, fundada há 15 anos pelo empresário Ricardo Semler e considerada pela Unesco como uma das 12 escolas mais inovadoras do mundo. Semler associou-se à rede de ensino Anima para colocar em prática um plano arrojado de expansão. Em apenas um ano, abriu uma escola na Holanda, duas na Inglaterra, uma nos Estados Unidos e uma na Bulgária, além de fechar acordo para a construção de uma unidade na Finlândia. A ideia do empresário é criar um “método Lumiar” de ensino self-managed, em que profissionais da área se apropriem da plataforma para montar suas próprias escolas. Semler ainda pretende levar esse modelo para as escolas públicas do país.
As tradicionais se adaptam
As chamadas escolas tradicionais, que não nasceram dentro desse modelo disruptivo, estão buscando alternativas para, o quanto antes, suprirem as novas demandas. É o caso do grupo Kroton e das escolas paulistanas Bandeirantes e Porto Seguro.
Com a fusão com a Anhanguera e, mais recentemente, com a aquisição da Somos Educação, focada no Ensino Básico, a Kroton, que já tem 50 anos de trajetória, tornou-se uma das maiores do setor. Tem 143 unidades de Ensino Superior em 20 estados, além de 1.310 polos de Ensino a Distância no país. Ricardo Galindo, CEO do grupo, afirma que, desde abril de 2017, eles sentiram os efeitos da revolução digital. “Não estava muito claro para mim e para alguns executivos da empresa qual era a dimensão dessa transformação digital e o real potencial que ela tinha de impactar a vida da organização. Senti-me na obrigação de buscar informação. Fizemos um trabalho de imersão gigantesco para entender esse tema a fundo e sua capacidade de transformar a vida da empresa. Realmente foi um muro que caiu na minha frente”, diz ele.
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Para entrar de cabeça nesse processo, Galindo conta que convidou desde o CTO da Pixar, que foi responsável pela integração entre a Pixar e a Disney, até bancos que fizeram processos de transformação digital. “Foi uma decisão muito pensada e amadurecida que levou a um engajamento efetivo. Hoje temos adaptive learning, flipped classroom, gamification e a melhor solução possível de ambiente virtual de aprendizagem (AVA) implementada, ou seja, tecnologias suportando o engajamento do aluno”, diz ele.
Já o Colégio Bandeirantes e o Porto Seguro são escolas reconhecidas como Apple Distinguished School, por atenderem a avançadas práticas tecnológicas. Para Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli, diretor presidente da Fundação Visconde de Porto Seguro, mantenedora do Colégio Visconde de Porto Seguro, “as ferramentas vão muito além do uso massivo que fazemos de tablets, computadores, impressoras 3D, robótica e laboratórios maker, chegando ao letramento digital e ao ensino do uso consciente e responsável das mídias digitais, mantendo a tradição de inovar”. Segundo Bitelli, o Porto Seguro prioriza a aplicação dos resultados em investimentos na educação e em projetos sociais.
Mauro de Salles Aguiar, presidente do Bandeirantes, também pontua que “a grande revolução não advém da tecnologia”. Para ele, o importante “é o novo papel do professor e do aluno, onde o estudante passa a ser realmente o protagonista do seu aprendizado e o professor passa a ter uma posição mais importante”. De acordo com Aguiar, o novo mestre, “em vez de repetir conceitos, passa a ser um facilitador do aprendizado, um mentor que organiza esse aprendizado”.
Reportagem publicada na edição 63, lançada em novembro de 2018
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