Por se tratar de um banco mundialmente relevante em termos sistêmicos, os recursos de gestão de riscos do Deutsche Bank devem ser importantes não apenas na Alemanha e nos Estados Unidos, como também em qualquer país onde a entidade financeira tenha entidades jurídicas.
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Tim O’Brien, da “Bloomberg” , e David Enrich, do “New York Times”, produziram recentemente artigos detalhados e bem-pesquisados sobre o relacionamento do presidente Donald Trump com o Deutsche Bank. Eles apresentam inúmeros casos que remontam a duas décadas atrás, nos quais Trump “inflou sua riqueza” ao tentar obter aprovação para subscrição de títulos ou empréstimos. Esses casos colocam seriamente em dúvida a qualidade da gestão de riscos do Deutsche Bank na empresa como um todo.
Caso se prove que Trump exagerou intencionalmente seu patrimônio líquido, os jornalistas precisam começar a usar a palavra “mentiu”. Quando alguém mente para um banco a fim de receber crédito ou aprovação para subscrever uma emissão de títulos, isso tem um nome: fraude. As pessoas mentem para os bancos não só por desejarem obter a aprovação de um empréstimo ou produto de investimento, mas também por buscarem condições mais favoráveis, como um vencimento mais longo em um empréstimo ou taxas de juros mais baixas do que as que obteriam se dissessem a verdade.
A fraude é um elemento importante do risco operacional, que, segundo os termos do Acordo da Basileia do Comitê de Supervisão Bancária da Basileia (agora Basileia III), é definido como uma violação na administração cotidiana de uma empresa devido a uma falha relacionada a pessoas, processos, tecnologia ou eventos externos.
A fraude pode ser externa, ou seja, alguém de fora do banco mente para ele a fim de obter aprovação para uma transação. No entanto, ela também pode acontecer dentro da instituição financeira, quando um funcionário auxilia um cliente para que este consiga um empréstimo ou realize uma transação financeira por meio de uma mentira, fazendo alterações em informações relevantes ou interferindo em um processo bancário estabelecido para facilitar a aprovação.
Não há dúvida de que serão divulgadas mais informações sobre Trump e suas relações com o Deutsche Bank quando o Procurador Geral de Nova York analisar documentos para os quais uma requisição foi emitida em 11 de março e quando o Comitê de Serviços Financeiros dos EUA, sob a liderança da deputada Maxine Waters, também solicitar informações da empresa. Nos EUA, o Deutsche Bank é uma instituição de cerca de US$ 135 bilhões que está ligada a milhares de pessoas físicas, instituições financeiras, empresas não financeiras e municípios. Dadas a dimensão, a complexidade e as ligações da companhia com os setores residencial, financeiro e corporativo, aqui vão apenas algumas perguntas que exorto os legisladores, os órgãos reguladores e a mídia dos dois lados do Oceano Atlântico a fazer e a obter documentos com comprovação das respostas.
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Perguntas para o Deutsche Bank
Desde 1997, pelo menos, o Federal Reserve (banco central dos EUA), que é o órgão regulador do Deutsche Bank, tem uma série de manuais de conformidade abrangentes para os inspetores bancários seguirem ao inspecionarem os bancos.
Esses manuais estão disponíveis ao público para que todos os bancos saibam exatamente o que o Federal Reserve espera deles. O Manual de Inspeção de Filiais e Órgãos de Organizações Bancárias Estrangeiras dos EUA tem orientações detalhadas com relação a elementos importantes da gestão de riscos de um banco, tais como risco de crédito, amostragem de empréstimos e padrões de subscrição. Ele também inclui orientação sobre sinais de alerta referentes a controles internos e fraudes. Há uma seção inteira, a 3430.1, dedicada ao private banking, área por meio da qual Trump obteve a maior parte de seus empréstimos.
Vamos às perguntas:
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- Onde estão as informações escritas sobre os processos de aprovação de subscrição de títulos ou empréstimos que determinam se o Deutsche Bank de Frankfurt precisa aprovar transações de um determinado valor ou se isso fica a critério exclusivo da filial ou da entidade jurídica à qual o cliente solicita uma transação financeira?
De acordo com Enrich, algumas pessoas do Deutsche estavam “argumentando que alguns altos executivos nem sequer sabiam que a relação [com Trump] existia”.
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- Que valor de transação é necessário para os altos executivos saberem de um cliente grande? Quem é responsável por informar os altos executivos de Nova York e Frankfurt sobre o que acontece no private banking?
- Onde estão as políticas e os procedimentos de controles internos por escrito, especialmente para as divisões de investimento e de private banking de Nova York e Chicago?
- Quem confere se esses controles são seguidos?
- Quantos empréstimos ou outras transações financeiras Trump já pediu?
- Quais são os valores de cada transação e a que entidade jurídica elas foram pedidas?
- Quais entidades jurídicas do Deutsche nos EUA ou no exterior aprovaram empréstimos ou qualquer transação financeira para Trump?
- Como o Deutsche determina e calcula os limites de concentração por pessoa e por finalidade de empréstimo, como imóveis comerciais? Os empréstimos e outras transações financeiras estavam dentro dos limites de concentração do banco? Como os limites são monitorados? O que acontece quando há violações? Caso tenha havido violação dos limites de concentração, vocês pediram às entidades jurídicas que limitassem as transações financeiras para Trump? Os empréstimos foram feitos em entidades jurídicas diferentes para evitar limites de concentração geográfica, individual ou de produto?
- Quais são as suas políticas de empréstimo imobiliário? Elas estão de acordo com a orientação que consta na Seção 3100.1 do manual de conformidade do Federal Reserve?
- Quais documentos, projetos arquitetônicos, planos de zoneamento, imagens, modelos financeiros ou outros dados vocês solicitaram a Trump e às partes relacionadas quando os funcionários do banco tiveram de analisar solicitações de subscrição de títulos ou empréstimos?
- Algum dos seus funcionários visitou as propriedades com relação às quais Trump estava pedindo empréstimos?
- Vocês podem apresentar os documentos, projetos e fotos que Trump lhes forneceu para respaldar a aprovação dos empréstimos?
- Os funcionários do Deutsche pediram a Trump a metodologia que ele usou para determinar o valor de seus ativos, em especial dos imóveis e de sua marca?
- Vocês conversaram com os contadores de Trump?
- E, caso tenha sido usado um modelo para determinar o valor dos ativos, qual é a expertise do modelador? O modelo foi auditado?
- Em 2004, Trump disse a vocês que o patrimônio dele valia US$ 3 bilhões. Vocês calcularam que ele tinha um patrimônio líquido de cerca de US$ 788 milhões. Que metodologia vocês usaram para calcular o patrimônio líquido dele? Vocês mostraram sua metodologia a Trump e aos contadores e modeladores dele? O que explica essa diferença enorme?
- No depoimento “Trump, demandante, versus Timothy L. O’Brien”, de 19 de dezembro de 2007, Trump descreveu como ele avalia seu patrimônio líquido. Essa metodologia é aceitável para o Deutsche para determinar o patrimônio líquido de todos os clientes que buscam empréstimo? Pelo que vocês sabem, quais trabalhos acadêmicos usam essa metodologia para determinar um patrimônio líquido?
- O Deutsche concebeu seu próprio modelo e usou seus próprios dados para determinar o patrimônio líquido de Trump?
- Esse modelo foi validado por validadores de modelos independentes e posteriormente auditado por auditores internos ou externos?
- Como é feita a governança de modelos no Deutsche? Alguém interferiu no processo para garantir que Trump recebesse os empréstimos e a taxas favoráveis?
- Os imóveis são difíceis de avaliar devido à questão da liquidez e à dificuldade de encontrar um grupo de pares exato para fazer comparações. Uma marca é ainda mais difícil de avaliar devido à subjetividade na determinação do valor. Essas dificuldades foram levadas em conta no processo de aprovação de empréstimos e de outras transações financeiras?
- Considerando-se o histórico de inadimplência de Trump para com vocês e outros bancos, qual era a pontuação interna de risco dele no Deutsche?
- Essa classificação interna de risco foi usada de alguma maneira ao determinar se alguma transação financeira deveria ser aprovada? Vocês seguiram as normas da Basileia II e III nos termos da Abordagem Avançada para saber como as pontuações internas de risco devem ser usadas em empréstimos e em medições de capital regulamentar? Vocês foram intimados por violar qualquer norma da Basileia II e/ou III referente à medição de risco de crédito?
- Essas inadimplências foram usadas na quantificação de probabilidades de perda ao precificar qualquer linha de crédito ou empréstimo a ele? Foram usadas para calcular o valor de garantia que ele deveria apresentar? Como e com que frequência o valor da garantia foi avaliado? Vocês chegaram a solicitar mais garantias quando a capacidade creditícia de Trump ou o valor da gestão de garantias diminuiu?
- As condições oferecidas a ele para empréstimos ou emissões de títulos foram compatíveis com as que são oferecidas a pessoas com a mesma pontuação de risco, ou foram mais favoráveis?
- Sempre que Trump foi inadimplente com vocês ou outra instituição financeira, vocês diminuíram a pontuação interna de risco dele?
- De que maneira a gravidade da perda e a probabilidade de inadimplência de Trump foram usadas para calcular as provisões para perdas com empréstimos e o capital regulamentar do banco? Esses cálculos foram conferidos? Alguém fez alterações nesses cálculos para acelerar a aprovação de empréstimos ou transações de subscrição de títulos ou para tornar mais favoráveis o capital e as provisões para perdas com empréstimos
- Vocês constataram que precificaram incorretamente alguma transação financeira ou empréstimo para Trump? Em caso afirmativo, vocês recalcularam suas provisões para perdas com empréstimos, suas ponderações de risco e/ou seu capital regulamentar? Vocês informaram órgãos reguladores bancários e financeiros dos EUA e da Europa?
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Empréstimos incorretamente precificados levam a provisões para perdas com empréstimos inexatas e também a um valor incorreto de capital regulamentar para sofrer perdas inesperadas. Esses números constam nos relatórios financeiros divulgados e nas apresentações de risco do Pilar III da Basileia (que, na Europa, foram adotadas em 2006). Tanto as divulgações financeiras quanto as de risco são utilizadas por investidores em ações e títulos e por qualquer contraparte envolvida em um derivativo, empréstimo ou qualquer outra transação financeira com um banco.
Distorções intencionais devem ser investigadas como fraude; distorções acidentais devem ser investigadas como um exemplo de uma má gestão de riscos que pode estar ocorrendo não apenas nas transações financeiras com Trump, mas também com outros clientes.
- Vocês perguntaram a Trump se ele estava processando ou sendo processado por alguém no momento em que ele pediu empréstimos a vocês?
- Os processos movidos por ele ou contra ele afetaram a maneira pela qual vocês determinaram a pontuação de risco interna dele ou a garantia que deveria apresentar para empréstimos?
- Onde estão os relatórios dos auditores internos sobre os processos de subscrição de títulos ou empréstimos relacionados às transações com Trump nos últimos 20 anos? O conteúdo mostra algum sinal de alerta? Se sim, como esses sinais de alerta foram acompanhados?
- Vocês encontraram alguma pessoa ou pessoas no Deutsche que ajudaram Trump a calcular o patrimônio líquido dele? Se sim, como vocês lidaram com esses funcionários?
- Vocês encontraram pessoas que ignoraram erros, documentos ausentes ou declarações falsas nos pedidos de empréstimos ou outras transações financeiras de Trump?
- Enrich afirma que vocês “cobraram tarifas referentes aos bens que Trump colocou em sua custódia e tiraram proveito da fama dele para atrair clientes”.
- Enumerem todas as tarifas que receberam e os clientes que atraíram. Como vocês atraíram esses clientes? Vocês têm alguma documentação, de qualquer tipo, em que usaram o nome de Trump para conseguir mais clientes?
- Considerando-se a sua gestão de risco de crédito e risco operacional com relação aos empréstimos a Trump, existe algum motivo para os investidores ou órgãos reguladores financeiros pensarem que seus controles são melhores para outros clientes, sobretudo para aqueles mais ricos do que Trump?
- Como vocês estão calculando sua exposição ao risco operacional?
- Tendo em conta todas as multas que lhes foram cobradas, vocês vão aumentar a sua parte dos ativos ponderados pelo risco operacional e, consequentemente, os seus níveis de capital regulamentar?
- Se Trump ou vocês forem acusados de fraude, com que rapidez vocês levantarão capital para risco operacional?
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Caso os legisladores e órgãos reguladores não consigam respostas a essas perguntas em breve, acho que já estará na hora de dizermos não só auf wiedersehen (“até logo”) ao Deutsche Bank, mas, mais apropriadamente, auf nimmerwiedersehen, (“até nunca mais” ou “já vai tarde”).
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