Resumo:
- A marca Porsche, após 70 anos, ainda é sinônimo de automóveis de alto desempenho;
- Anton “Toni” Piëch, bisneto de Ferdinand Porsche, quer mudar a maneira como se constrói um carro esportivo e desafiar a definição tradicional do que significa ser um fabricante de automóveis;
- Piëch e Rea Stark Rajcic decidiram reunir recursos – financeiros e intelectuais – e construir uma empresa juntos.
Em 1948, Ferdinand Porsche – o famoso engenheiro automotivo austríaco e designer do Volkswagen original – e seu filho, Ferry, começaram a construir carros esportivos pela primeira vez, sob o nome da família. Sete décadas depois, a marca Porsche é, até hoje, considerada sinônimo de veículos de alta performance.
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Atualmente, outro integrante da extensa família está se preparando para deixar sua marca no mundo automotivo. Ele não quer redefinir o significado de um carro esportivo, mas, sim, mudar a base sobre a qual se constrói um e desafiar a definição tradicional do que significa ser um fabricante de automóveis.
Há quatro anos, Anton “Toni” Piëch, bisneto de Ferdinand Porsche, e Rea Stark Rajcic, um designer industrial, estavam em busca de sua próxima grande oportunidade empresarial. Apresentados por um amigo em comum, os dois logo perceberam que estavam interessados em buscar algo em uma indústria em constante movimento.
“Estamos vivendo um momento de ruptura”, diz Piëch, de 41 anos. “Isso dá uma vantagem aos recém-chegados em relação aos veteranos.” Especialmente quando eles estão tentando entrar em uma indústria lucrativa de capital intensivo, como a automotiva. O lado bom é que uma startup está livre de práticas caras e expectativas.
Ao contrário de muitas montadoras estabelecidas, por exemplo, uma startup pode renunciar à construção e ao suporte, digamos, de uma instalação multimilionária de pesquisa e desenvolvimento até o momento em que possa pagar o suficiente por ela. Isso mantém os custos mais baixos e permite que o início seja mais ágil.
Piëch e Stark decidiram reunir recursos – financeiros e intelectuais – e construir uma empresa juntos. Embora os dois sejam entusiastas de automóveis, e a construção de carros espetaculares esteja, literalmente, no sangue de Piëch, eles ainda estavam muito hesitantes em começar o processo. Piëch, em especial, sabia o quão implacável a indústria poderia ser: “Só porque uma pessoa gosta de beber vinho não significa que deva comprar uma adega.”
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Em 2016, depois de muita reflexão, eles decidiram começar a Piëch Automotive – nomeada em homenagem ao pai de Anton, Ferdinand Piëch, neto de Ferdinand Porsche e lendário presidente do Volkswagen Group, reverenciado por transformar a People’s Carmaker na moderna usina automotiva que é hoje.
Os dois homens queriam abordar o setor de uma maneira diferente. Eles imaginaram um carro elétrico que seria, ao mesmo tempo, atemporal e de ponta. “Compartilhamos a frustração de que não há um atualmente”, diz Piëch. Desde as discussões iniciais, no entanto, até mesmo a Porsche entrou no mercado de veículos elétricos com o Mission E e o Taycan.
O requinte era uma obrigação. “O luxo é o único segmento estável do mercado”, insiste Piëch. Além disso, é o único do setor que pode suportar o custo da tecnologia principal da companhia: uma plataforma aberta e modular, com motores, baterias e software intercambiáveis. O conceito subjacente é que, à medida que a tecnologia melhora, o automóvel também pode acompanhá-la. O chassi precisava ser flexível, capaz de abrigar uma variedade de motores – elétrico, híbrido, célula de combustível, combustão interna convencional – e escalável, como a plataforma de arquitetura modular compacta (CMA) da Volvo, que sustenta o novo modelo XC40.
“Acreditamos que o risco de apostar na tecnologia errada, na hora errada, é realmente grande no mercado atual”, diz Piëch. Então, por enquanto, a montadora abraça todas as plataformas. O empreendedor chama isso de “tecnologia agnóstica”.
A Piëch Automotive arrecadou cerca de US$ 25 milhões de amigos e familiares. “Agora queremos fazer uma rodada maior de financiamento da Série A com investidores mais estratégicos”, diz Piëch, que espera levantar algo entre US$ 50 milhões e US$ 100 milhões.
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Em março, no Salão Internacional do Automóvel de Genebra, a Piëch Automotive apresentou seu primeiro conceito, o Mark Zero, um sofisticado cupê esportivo elétrico. O modelo combina atributos típicos de carros do gênero e tecnologias inovadoras com um perfil GT (capô longo e cauda truncada) atemporal e atraente, e tem proporções muito favoráveis para seu estilo – largo, baixo e longo. Há, também, traços visíveis do Porsche.
Três motores elétricos, um dianteiro e dois traseiros, que podem fornecer pouco mais de 200 cavalos de potência cada um, para uma total de 611 cavalos, proporcionam impulso suficiente para uma corrida de zero a 99 quilômetros por hora em 3,2 segundos e velocidade máxima de 249 quilômetros por hora. Quando o veículo chegar ao mercado em 2022, terá um preço estimado entre US$ 150 mil e US$ 200 mil.
Além da arquitetura modular, a bateria do Mark Zero diferencia o carro de seus pares. Fornecida pela Desten, na China, ela pode ser recarregada a 80% da capacidade em 4 minutos e 40 segundos – quase tão rápido quanto completar um tanque de combustível -, ao usar um carregador projetado e construído pela TGood, fabricante também chinesa. Embora essa afirmação seja surpreendente, a empresa anunciou recentemente que tinha a velocidade de carregamento independentemente certificada por fontes na Europa e na Ásia.
De acordo com o engenheiro chefe da Piëch, Klaus Schmidt, a bateria tem propriedades térmicas altamente eficientes que permitem que seja resfriada por ar – em vez de líquido como muitos outros veículos elétricos. Como resultado, o equipamento quase não produz calor durante a carga e a descarga, o que possibilita períodos rápidos de recarga.
Contudo, o sistema da TGood não é necessário para recarregar o carro. Isso pode ser feito com qualquer outro, como o da ChargePoint ou até mesmo da Tesla, ao se conectar a uma tomada padrão.
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Embora a tecnologia autônoma faça parte do mix de produtos (ela será equipada com os sensores e o poder de computação necessários para navegar sozinha), o Mark Zero não será lançado com um recurso semelhante ao Autopilot, da Tesla. Ele sairá das linhas de montagem com a tecnologia projetada para ajudar o motorista – como o monitoramento do ponto cego e o controle de velocidade avançado – sem tirar o volante das mãos.
“Queremos fabricar carros que aproveitem as novas tecnologias, mas preservem as características tradicionais dos esportivos, como uma posição de assento baixa, boa distribuição e bom controle de peso, chassi rígido e um tipo muito direto de manuseio”, diz Piëch.
A maneira como a Piëch Automotive planeja construir o Mark Zero – assim como um sedã e um SUV de alta performance – é tudo, menos tradicional. Para isso, a montadora buscou inspiração no setor de tecnologia, principalmente no manual da Apple. Em vez de construir centros e fábricas com custos proibitivos, como outras startups, a empresa contratou pessoas com experiência em cada uma das especialidades necessárias para construir o carro: design, tecnologia, desenvolvimento, cadeia de suprimentos, montagem etc. Em seguida, a Piëch Automotive se juntará a companhias com equipe e equipamentos para realizar o trabalho pesado nessas áreas, como a Apple faz com a Foxconn.
“Todo o modelo de negócios e a nossa tecnologia são construídos em torno da parceria com empresas inovadoras”, diz ele. “Somos donos da marca, do controle de qualidade da cadeia de suprimentos e do design. Estamos voltados para o cliente e o desenvolvimento de marca – queremos ter controle sobre tudo que tiver relação com a experiência do consumidor. Quando se trata da produção, usamos uma série de fornecedores de primeiro e segundo níveis que são extremamente experientes em áreas específicas de desenvolvimento e produção.” Assim, em vez de uma Foxconn, a montadora suíço-alemã terá várias empresas parceiras como parte do desenvolvimento e da montagem física.
Como resultado, a Piëch Automotive é enxuta e tem poucos ativos. “Nossos custos gerais e operacionais são baixos, e nossa arquitetura modular de veículos nos permite desenvolver tipos diferentes de carros de uma maneira extremamente econômica”, explica o empreendedor. “Isso leva a um investimento muito menor, um perfil de risco muito melhor e uma lucratividade planejada em um ano ou dois no mercado. Muitas coisas podem acontecer ao longo do caminho, mas acho que estamos em uma posição inicial muito melhor para alcançar esses objetivos do que os modelos tradicionais de negócios automotivos.”
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Embora muitos membros da indústria questionem se a companhia pode realmente ser chamada de montadora, Willy Shih, professor da Harvard Business School, acha que o plano da Piëch Automotive tem méritos. Ele diz que construtores por contratos têm sido usados na indústria automotiva há anos para produzir carros de nicho como o Roadster Z8, da BMW, e o Cayman e o Boxster, da Porsche. É ótima estratégia para startups. Isso permite que elas “anunciem um produto, obtenham algumas vendas e construam uma reputação sem gastar muito capital”, diz Shih.
É, também, uma maneira de não ficar preso a ativos não utilizados caso a empresa precise mudar sua tecnologia de transmissão. “Você não quer mais as baterias de hidreto metálico de níquel? Sem problemas, isso é resolvido por seu fornecedor”, diz o especialista.
Devido ao modelo de negócio, a Piëch Automotive tem apenas 25 funcionários efetivos, divididos entre suas instalações em Zurique e Munique. “Já tivemos equipes de engenharia com mais de 150 pessoas trabalhando [no Mark Zero] integralmente”, conta Piëch. “Já tivemos times de design de 80 a 90 pessoas durante fases específicas do projeto.” Mas elas não trabalham diretamente para o empreendedor. “Isso é fundamental para sermos ágeis”, ele explica. “Selecionamos as pessoas e as empresas de que precisamos para uma fase certa de desenvolvimento, por exemplo. Quando não precisamos mais delas, elas não ficam na nossa folha de pagamento.”
Piëch sabe que ser descendente de duas lendas da indústria automotiva pode ser uma faca de dois gumes. “Estou ciente, todos nós estamos, da responsabilidade que temos em relação à herança desse nome”, diz ele. Mas os benefícios também podem ser enormes. “É uma boa opção para o tipo de carro que estamos produzindo e para a marca que estamos construindo.”
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