Os impactos associados ao Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc), criado pela Embrapa, trouxeram uma economia de cerca de R$ 16,8 bilhões para o agronegócio brasileiro no ano passado. A estimativa foi calculada para o Balanço Social 2018 da empresa de pesquisa e equivale, principalmente, a prejuízos que o país deixou de sofrer com perdas de safras e às consequentes indenizações securitárias que elas provocariam. De acordo com a metodologia usado no relatório, o trabalho da Embrapa é responsável por 40% desses resultados, o que equivale a cerca de R$ 6,7 bilhões.
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Isso porque, baseado em dados climáticos históricos, o Zarc indica as datas de plantio em que há menor risco de frustração de safra provocada por condições ambientais adversas, ou seja, orienta o produtor e o agente financiador sobre as épocas e regiões mais adequadas para se plantar, gerando maior segurança.
Trata-se de um mapeamento das áreas produtivas de mais de 44 culturas para cada município brasileiro. Os estudos envolvem clima, solo e grupos de cultivares, a partir de uma metodologia da Embrapa adotada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) como instrumento de política agrícola.
Os programas do Governo Federal Proagro, Proagro Mais e Subvenção Federal ao Seguro Rural Privado (PSR) exigem a consulta ao Zarc como requisito à adesão dos agricultores. Para os produtores que dependem do Proagro ou do Seguro como garantia de crédito, além de uma proteção, é uma forma de poder acessar o crédito rural. Estima-se que somente o Proagro teve uma economia superior a R$ 2,5 bilhões em 2018, graças à segurança ao investimento proporcionada pelas informações.
De 1996, quando o Zarc foi adotado pelo Proagro, até 2018, o programa pagou mais de R$ 14 bilhões em indenizações. A estimativa do Balanço Social da Embrapa é que esse valor seria mais de R$ 40 bilhões maior se não houvesse a tecnologia.
Já o PSR é uma modalidade em que o governo custeia parte do seguro contratado pelo agricultor junto a seguradoras privadas credenciadas pelo Mapa. Em caso de sinistro, são elas que pagam a indenização. “Existe um notório ganho na utilização do Zarc para o PSR, uma vez que sem ele dificilmente as empresas privadas ofertariam seguros agrícolas no país. Bem ajustada, a tecnologia gera confiança a esses agentes em ofertar seus produtos. No entanto, é difícil estimar esse impacto, dada a complexidade das variáveis contidas em um estudo dessa natureza”, ressalta o analista da Embrapa Informática Agropecuária André Fachini Minitti, que participou dos cálculos do Balanço Social.
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Os especialistas ressaltam que, além de reduzir o risco de perdas ao longo desse tempo, o Zarc foi útil para diminuir as fraudes no Proagro e para consolidar a produção no Planalto Central com a indicação de cultivares altamente produtivas e resistentes.
Atualização constante
Desde a implantação, o Zarc vem sendo ampliado e atualizado para atender demandas para novas áreas produtoras, cultivares e sistemas de produção. “O zoneamento sempre deve acompanhar as transformações da agricultura. Além de impactos diretos, reduzindo perdas, existem impactos indiretos significativos com difusão de informação, qualificação e tecnificação da produção”, afirma o pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária (SP), Eduardo Monteiro, coordenador geral do Zarc.
Monteiro conta que o Ministério da Agricultura publica periodicamente portarias com as recomendações do Zarc, contribuindo para reduzir as perdas na produção e assegurar o acesso aos programas de mitigação de risco e também viabilizando o acesso ao financiamento agrícola. O produtor deve observar essas recomendações para ter direito ao Proagro, ao Proagro Mais e ao PSR.
Suporte para seguro e crédito agrícola
O zoneamento agrícola é hoje uma importante base de informações para o seguro agrícola brasileiro. Na prática, a tecnologia permite que qualquer agricultor ou agente financeiro conheça as melhores opções de plantio em qualquer parte do Brasil. “O Zarc, que hoje é referência para contratação de seguro agrícola, indica as melhores datas de plantio de culturas para cada município, reduzindo os riscos para o agricultor”, ressalta o diretor de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa, Celso Moretti.
Os pesquisadores utilizam diferentes fontes para alimentar o zoneamento e acompanhar eventuais alterações regionais (no clima, por exemplo) que ocasionam alterações nas indicações de plantio de grãos. Na região do Matopiba (composta pela confluência dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), o núcleo de sistemas agrícolas da Embrapa Pesca e Aquicultura está incumbido de atualizar periodicamente informações relacionadas ao zoneamento, que são base de informações úteis para instituições financeiras oferecerem crédito na região.
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O desafio dos riscos na agricultura
“A produção agropecuária é uma atividade econômica com alto grau de risco e incerteza. O trabalho desenvolvido pela Embrapa no Zoneamento Agrícola de Risco Climático é uma importante contribuição na busca de maior sustentabilidade e competitividade do agro brasileiro”, pondera Moretti.
Eventos extremos, como seca, geada, excesso de chuva, granizo, vento e temperaturas elevadas podem causar sérios prejuízos às culturas, tanto durante a fase de enchimento de grãos quanto no período da colheita. Estima-se que a agricultura brasileira ainda sofra perdas anuais da ordem de R$ 11 bilhões somente por impactos climáticos. “A agricultura é uma atividade afetada constantemente por diversos tipos de riscos, principalmente o climático e, na maioria das situações, estão fora do controle humano”, diz o pesquisador da Embrapa Cerrados (DF) Fernando Macena.
Ele conta que o Zarc se transformou em instrumento orientador de política pública, imprescindível para a gestão de riscos na agricultura, e que beneficia a gestão de recursos públicos, assistentes técnicos, produtores e empresários rurais.
O pesquisador da Embrapa Trigo (RS) Gilberto Cunha lembra que, além dos riscos relacionados ao clima que afetam a produção, há também os de mercado, relativos aos preços praticados, e os vinculados ao ambiente institucional, especialmente os normativos. “Assim, sem dúvida, a gestão integrada de riscos está cada vez mais importante nesse setor”, ressalta.
Alíquotas reduzidas e menos perdas
A partir de 1996, por recomendação do Comitê Monetário Nacional (CMN), foram estabelecidas alíquotas reduzidas aos beneficiários do Proagro que optassem por seguir as indicações do Zarc para arroz, feijão, milho, algodão, soja e trigo. Com essas mudanças, houve redução significativa na perda de lavouras e, em consequência, nos pedidos de cobertura pelo Proagro referentes às seis culturas contempladas.
O índice médio de perdas, entre 1996 e 1998, foi de 2,73% nos contratos que optaram por seguir as recomendações do Zarc. Por outro lado, o índice médio de perdas no conjunto de todas as operações foi de 11,5%. Considerando valores atuais do Proagro, como por exemplo a safra 2016/2017, com 5,8% de perdas ou R$ 1,06 bilhão em coberturas e taxas, se as perdas nos patamares antigos de 11,5% fossem mantidas, isso representaria um gasto adicional de quase R$ 1 bilhão, de acordo com o coordenador do Zarc na Embrapa.
Prioridades da rede de pesquisa
Uma rede nacional de pesquisadores da Embrapa e de instituições públicas do país realiza estudos para aperfeiçoamento e atualização contínua das avaliações de risco. O trabalho é fruto do esforço dessa rede de pesquisas desenvolvidas para entender como as culturas agrícolas funcionam e respondem ao tempo e ao clima em seus respectivos ambientes, considerando-se mecanismos fisiológicos envolvidos no crescimento, adaptação e sobrevivência das plantas, em função do clima e dos tipos de solos locais.
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O desenvolvimento de sistemas inovadores de gestão de riscos na agricultura, integrando riscos climáticos, tecnológicos, socioeconômicos, ambientais e de mercado, está entre as prioridades de pesquisa. “Paralelamente, também estamos buscando aprimorar continuamente o zoneamento de riscos climáticos que serve de apoio e fomento às políticas públicas, com foco na intensificação produtiva sustentável, por intermédio da geração de tecnologias inovadoras para a produção de alimentos em um cenário global sob riscos crescentes”, informa
Impactos no Nordeste
Além de reduzir perdas agrícolas, o Zarc produz impactos indiretos no setor produtivo, especialmente pela disseminação de informações agronômicas e incentivo à adoção de melhores técnicas agrícolas. Nos últimos dois anos, a inclusão do sistema de produção da cana-de-açúcar irrigada, com a chamada irrigação de salvamento, permitiu encurtar o ciclo produtivo de 18 para 12 meses, aumentando a produtividade da cultura no Nordeste.
Outro exemplo é o zoneamento da soja na região conhecida como Sealba, que inclui os estados de Sergipe, Alagoas e Bahia, facilitando o acesso dos produtores ao Proagro, PSR e, indiretamente, ao crédito rural. No caso da palma forrageira, cactácea resistente à seca e de extrema importância no semiárido, os estudos avaliaram que o plantio antes do período chuvoso é mais adequado, contrariando a cultura de muitos municípios que praticavam o plantio apenas no fim do período das chuvas. A mudança de paradigma contribuiu para a difusão da informação e a alteração na prática agronômica tradicional permitiu aos agricultores aumentar a produção na região com menor risco.
“Os resultados gerados pelas pesquisas são de fundamental importância para a parametrização e utilização de modelos agrometeorológicos”, explica Macena. “Esses modelos são usados como ferramentas para identificar a qual risco climático as lavouras estão expostas e, dessa maneira, gerar informações mais confiáveis sobre o risco envolvido na produção das culturas agrícolas.” As informações são processadas por computadores de alto desempenho e geram modelos de simulação e mapas para 44 espécies e sistemas de produção vegetais no Brasil.
Entre as melhorias já implantadas está o aumento das faixas de risco de perdas nas lavouras. “Antes, esse índice era de 20% e agora há indicações de janelas de plantio com riscos de 30% e 40%. Ou seja, identificam-se riscos de maneira mais ampla, dando ainda mais segurança ao produtor na hora do plantio”, esclarece o geógrafo Balbino Evangelista, da Embrapa Pesca e Aquicultura (TO), responsável pelo zoneamento do milho primeira safra e do milho safrinha para todo o país, além do trabalho para sistemas integrados, especialmente o consórcio entre milho e braquiária, a ser entregue em 2019.
“Uma base de dados mais robusta, sistemas de processamento mais robustos e ágeis e acoplados em novas ferramentas de apoio à tomada de decisão, além do processo de validação do zoneamento em condições reais de campo, junto aos representantes das cadeias produtivas, são recursos que aumentam a confiabilidade do sistema e contribuem para melhores resultados no campo”, analisa Evangelista.
“É um exemplo de trabalho multidisciplinar e multinstitucional”, declara o pesquisador José Renato Bouças Farias, chefe-geral da Embrapa Soja (PR). “Agora estamos buscando introduzir novas metodologias de análise, novos fatores de risco, contemplar regiões de expansão da cultura e diferentes alíquotas de seguro”, conta Farias. Segundo ele, são usados dados de estações meteorológicas, distribuídas no Brasil, para rodar os modelos, cujos resultados são, posteriormente, validados em campo. Os pesquisadores observam e quantificam o comportamento da cultura frente a determinada adversidade climática, em experimentos e lavouras comerciais.
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No caso da soja, a base genética da cultura mudou desde os anos 1990. “Precisamos também mudar os parâmetros para quantificar, de forma mais precisa, os riscos. E ainda estamos avaliando outros fatores, como chuva na colheita, temperaturas elevadas e outros”, revela.
Farias lembra que a tecnologia beneficia também os sistemas de Integração-Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). “São sistemas que promovem grande benefício às lavouras, principalmente conferindo maior estabilidade na produção. A rotação e a diversificação de culturas, por exemplo, têm promovido melhor estruturação do solo e maior capacidade de recarga de água no sistema. Isso diminui muito o risco a que as culturas estão submetidas”, enfatiza o pesquisador.
Coordenado pelo Mapa, com apoio técnico da Embrapa, o zoneamento agrícola contou, na sua fase inicial, com a participação do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (Dnaee) – atual Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Instituto Agronômico (IAC) de Campinas. Atualmente 31 centros de pesquisa da Embrapa e diversas instituições do país participam dos estudos para atualizações e aprimoramentos permanentes do zoneamento.
Novas informações no semiárido
Outro desafio é encontrar soluções para a agricultura no semiárido brasileiro. Em abril, a Embrapa, o Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA) e a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) realizaram reunião técnica de avaliação dos sistemas de produção mais promissores para a região. O objetivo é priorizar a inclusão desses sistemas nos futuros Zoneamentos do Semiárido, a fim de facilitar aos produtores locais o acesso a programas como o Proagro e o PSR.
Em 2019, a rede Zarc/Embrapa, atendendo às demandas da Secretaria de Política Agrícola (SPA) do Mapa, passou a realizar estudos de Zoneamento para caju, consórcio milho-braquiária, milho primeira safra, feijão-caupi (feijão-de-corda, feijão-macassar) e amendoim. “Os números mais significativos na região são com a soja e o milho, que têm um maior impacto, mas o trabalho com feijão-caupi é importantíssimo para o Norte e Nordeste, onde a cultura é essencial na alimentação da população”, conta o pesquisador da Embrapa Meio-Norte (Teresina, PI) Aderson Soares Júnior.
A previsão é de que o zoneamento do feijão-caupi seja ampliado este ano para a Bahia e o Ceará, e também para os estados de Tocantins e Pará, no Norte, de acordo com o pesquisador Edson Alves Bastos, também da Embrapa Meio-Norte. Ele ressalta, ainda, as ações de aprimoramento que estão sendo pensadas, como a inclusão, na portaria, de uma nota técnica do sistema de produção, que indicará também algumas práticas mínimas recomendadas para a cultura. “Não é mais só dizer a época de plantio e as cultivares, mas devemos elaborar recomendações básicas para que o produtor possa ter mais chances de sucesso. Outra novidade para os próximos anos é a inclusão dos sistemas de produção de caprinos, palma e outras culturas, em especial para o semiárido”, destaca.
A apicultura é outra alternativa produtiva interessante nesse contexto. A produção de mel e outros produtos apícolas é fortemente influenciada pelo clima. Algumas condições podem, inclusive, provocar severa mortalidade de colmeias. Por isso, está sendo avaliada a possibilidade de essa atividade fazer parte dos sistemas produtivos incluídos no Zarc. A pesquisadora da Embrapa Meio-Norte Fábia de Mello Pereira enfatiza a importância da atividade para o Piauí e o Brasil. “Com a inclusão desses novos sistemas de produção, como a apicultura, por exemplo, teremos que trabalhar a modelagem, levando em conta condições de clima, água e a florada da região, além de outros detalhes específicos da área”, complementa.
A segunda maior safra da história
O Brasil deve produzir 235,3 milhões de toneladas de grãos, na safra 2018/2019, um crescimento de 3,4% ou 7,7 milhões de toneladas em relação à anterior, de acordo com o sétimo levantamento divulgado em abril pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O monitoramento feito pela entidade aponta que o clima no início da safra teve contribuição decisiva para o avanço do plantio, especialmente a soja. A produtividade agrícola deverá ser a segunda maior já registrada na série histórica da instituição e só não bateu o recorde por conta das mudanças climáticas e das altas temperaturas, ao longo do plantio da safra de verão, principalmente no Centro-Sul do Brasil.
A tecnologia que viabilizou a agricultura
O analista da Embrapa André Fachini Minitti conta que, antes de 1996, ano da adoção do Zarc, outros critérios eram considerados nos programas de mitigação de risco. “Ocorre que, com a falta de uma referência técnica para apoio à tomada de decisão, a margem de erro era grande, o que ocasionava um volume significativo de perdas agrícolas e, consequentemente, o acionamento do seguro em patamares muito elevados”, conta.
Naquela época, as perdas agrícolas atingiam níveis considerados altíssimos. Na safra 1992/1993, 30% das lavouras paulistas de arroz registraram algum tipo de sinistro. Já no Nordeste, a mesma safra sofreu perdas de 41% das plantações de feijão, 70% de milho e 81% de algodão herbáceo.
“Com tais níveis de perdas, a atividade agrícola básica tendia a tornar-se até mesmo inviável, impossibilitando, inclusive, que os produtores rurais pudessem continuar arcando com os altos custos da seguridade agrícola”, revela Minitti, citando a literatura científica que analisou o período.
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