Resumo:
- Baudis cresceu em Praga, capital da República Tcheca, em uma época conturbada, mas conseguiu sobreviver às adversidades;
- A concorrência com o mercado americano sempre foi um problema, mas a ideia de oferecer softwares de graça trouxe o destaque necessário;
- A ousadia nos negócios continua, com novos projetos que podem ajudar a companha Avast crescer.
Na cobertura do hotel de cinco estrelas U Prince, Pavel Baudis observa a cidade onde viveu a maior parte de seus 59 anos. Atrás dele, está a turística praça da cidade velha de Praga e as grandes torres góticas e pontiagudas da Igreja de Nossa Senhora antes de Tyn, à sua frente, uma série de terraços ocres.
A cidade se tornou consideravelmente mais colorida desde que ele nasceu. Baudis viveu tempos sombrios depois que as tropas do Pacto de Varsóvia acabaram com a Primavera de Praga, consolidando um comunismo tão rigoroso em suas ideias que impediu seu pai de exercer a psiquiatria e limitou sua própria educação. Então veio a liberalização após a Revolução de Veludo, em 1989, criando oportunidades para inventores como Baudis.
Durante todo o tempo, ele perseverou com uma atitude paciente. Foi esse pensamento que tornou possível que ele transformasse uma pequena companhia de cibersegurança que cofundou durante os dias de declínio do regime comunista, em uma indústria da qual é líder e que está ultrapassando grandes rivais americanos como McAfee e Symantec. Essa atitude também fez dele um entre poucos bilionários tchecos.
A obra-prima de Baudis é o Avast, software antivírus presente em mais de 400 milhões de computadores e smartphones ao redor do mundo. Como os similares McAfee e Norton, também desenvolvidos no fim dos anos 1980, foi programado para impedir criminosos cibernéticos e espiões de instalarem ferramentas de furto de dados nos computadores. A maior diferença é que o Avast é grátis e disponível apenas on-line, não em lojas físicas. Esse modelo de antivírus grátis levou a companhia de Baudis a um sucesso estrondoso, culminando na abertura de capital na bolsa londrina, que colocou a empresa no caminho de se tornar um negócio de US$ 4 bilhões e elevou a fortuna de Baudis para US$ 1,4 bilhão (dado de junho de 2019).
Apesar de o aumento de sua riqueza tê-lo colocado no clube dos bilionários, Baudis é a personificação da modéstia. Usando um colete simples estilo “navy” e uma pochete preta, com seu cabelo branco arrepiado cercando a cabeça calva, Baudis não mostra sinais da sua fortuna. Durante as duas horas de conversa no gélido terraço do hotel, foi taciturno, escolhendo as palavras cuidadosamente enquanto metodicamente dava alguns goles em seu chocolate quente e em sua cerveja Staropramen. Ele revela não ter “hobbies caros”; seu maior passatempo é o “geocaching”, um jogo em que os participantes caçam tesouros usando coordenadas do GPS. Seus investimentos são pequenos e sensatos, os mais recentes em uma fábrica de fraldas e em um hotel próximo com a vista do maior cartão postal da cidade, o castelo de Praga. “Eu não sou muito bom em gerenciamento de hotéis. É um bom ensinamento,” diz Baudis sobre o último investimento.
Uma das decisões mais rentáveis de Baudis foi recrutar um americano insistente para tornar o Avast em um gigante da sua área. Esse homem, sentado à frente de Baudis, falando sobre as gargalhadas dos turistas e o murmúrio dos casais é Vince Steckler, CEO da Avast há dez anos. É a primeira vez que os dois são entrevistados juntos por um veículo de imprensa em língua inglesa desde o IPO.
O ex-executivo da Symantec, mais agitado e impetuoso que o tcheco e parecido com um general do exército aposentado, com seu físico encorpado e sua careca, fica feliz de se gabar sobre o sucesso da companhia que Baudis trata com normalidade. “Eu estava pensando em Aston Martin hoje mais cedo. Nós éramos o segundo maior IPO [na bolsa de Londres] do ano. Aston era o maior. Agora nós somos mais valiosos que Aston Martin,” disse Steckler. Ele não está errado. A fabricante de carros favorita de James Bond viu suas ações caírem na bolsa e seu valor baixar para cerca de US$ 3 bilhões.
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Steckler não foi uma escolha óbvia. Em 2005, quando ele era um executivo da Logicon, Inc., recebeu uma multa de US$ 35 mil sob acusação de que teria ajudado a Legato, empresa de software do Vale do Silício, a inflacionar sua receita ao assinar um acordo de US$ 7 milhões com uma cláusula de cancelamento. De acordo com a Comissão de Títulos e Câmbio dos Estados Unidos, Steckler sabia que a permissão de cancelamento do acordo poderia impedir a Legato de contabilizar o pedido como uma venda e aconselhou os executivos da empresa a esconder a cláusula de seu departamento financeiro. Um ex funcionário da Avast disse que o pessoal da empresa costumava brincar sobre ter um “ex-condenado” no alto escalão.
A ficha de Steckler foi bastante abordada pela imprensa britânica na época do IPO. Usualmente falante, Steckler não quis dar falar sobre o episódio na época e nem recentemente quando a Forbes o inquiriu sobre o assunto. Ele não estava no topo da lista de Baudis e do cofundador Eduard Kucera quando eles estavam procurando por um CEO em 2009. Os fundadores inicialmente queriam o antigo chefe de Stockler, o ex-VP da Symantec, Dieter Giesbrecht. “Eles acharam alguém que realmente gostaram e não era eu”, brinca Steckler, que agarrou a chance de se mudar de Singapura para Praga e tomar o comando das mãos dos cofundadores, que agora estão dirigindo a companhia como diretores.
Apesar das polêmicas de Steckler, sob sua supervisão, a companhia dobrou a base de usuários e registrou um lucro de US$ 248,3 milhões em 2018, de acordo com os resultados da empresa. Steckler revela que, quando entrou na companhia, em 2009, o faturamento era de apenas US$ 20 milhões. Depois de uma profusão de aquisições que aumentaram massivamente o número de usuários, algumas parcerias rentáveis e uma aproximação agressiva com o mercado global, o rendimento disparou nos últimos dez anos. Mas o reinado de Stockler está quase chegando ao fim. Duas semanas após nosso encontro, ele anunciou que vai se aposentaria no final de junho. O substituto é o braço direito e um dos primeiros contratados por Baudi, o tcheco Ondrej Vlcek.
Steckler pode ter dado algo semelhante a um choque de adrenalina de capitalismo americano, mas foi a inabalável crença de Baudis e Kucera em seus produtos que colocou a Avast no caminho de alcançar o status de unicórnio e depois ultrapassá-lo.
Baudis tomou atitudes que poderiam ser associadas às de magnatas modernos da tecnologia como Mark Zuckerberg, mas sem a extravagância. Ele deixou seu trabalho acadêmico em química no final dos anos 1980, admitindo não ser um cientista convencional e voltando sua mente criativa para os computadores. Durante o regime soviético, poucas máquinas estavam disponíveis para Baudis, mas ele conseguiu colocar suas mãos em um Olivetti M24 enquanto trabalhava no Instituto de Pesquisas para Máquinas Matemáticas.
Ele sabia que não existia mercado para os softwares gráficos em que estava trabalhando, com a política e a economia tão isoladas na Tchecoslováquia daquela época. “Era frustrante o fato de que mesmo que você fosse muito bom e fizesse um ótimo trabalho, estava desperdiçando seu tempo e conhecimento,” revela. Isso foi nos momentos finais do período de normalização, que gerou o tipo de ambiente que você espera de um projeto de comunismo falho. “Muitas pessoas te chamam para discutir suas crenças e visões políticas, e então se eles não ficarem satisfeitos com as repostas você está fora do trabalho,” relembra Baudis.
Mas então Baudis recebeu um disquete que continha um dos primeiros vírus de computadores, chamado Vienna. “Nenhum de meus colegas estava realmente interessado nisso. Eles acharam que era um brinquedo. Então, comecei a explorá-lo,” disse. Esses colegas devem lamentar hoje em dia: sua ferramenta, que simplesmente encontrou e deletou o software nocivo, se tornou o principal componente do primeiro antivírus Avast e da plataforma de lançamento para os negócios.
Embora a parceria tcheco-americana fosse fazer maravilhas para a Avast posteriormente, a competição com as gigantescas indústrias dos EUA nos anos 1990 e começo dos anos 2000 quase derrubaram Baudis e Kucera. Eles se defenderam diversas vezes das tentativas da McAfee e da Symantec de dominar o mercado. Em 1997, a McAfee tentou adquirir o negócio tcheco. O sempre consciente Baudis conta que em vez de vender, ele e Kucera ofereceram licenciar o mecanismo que move o software. “E eles disseram, ‘não, sem chance’. Mas, depois de duas semanas, simplesmente voltaram e o licenciaram,” diz Baudis, sorrindo.
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E então, no início dos anos 2000, com a Symantec aplicando preços extremamente baixos para tentar dominar o mercado global, os chefes da Avast tiveram de tentar algo ousado. O plano era se globalizar também, mas como eles não tinham orçamento de marketing, só havia uma opção: oferecer o Avast de graça. “Não tínhamos nada a perder.” AVG, uma rival local, tinha o mesmo dois anos antes, mas cometeu o erro de não oferecer o programa em vários idiomas, conta Baudis.
A Avast não cometeria o mesmo equívoco. Dois anos depois de entregar o serviço de graça em 2001, o antivírus tinha um milhão de usuários; em 2006, batia os 20 milhões. Baudis atribui um pouco do sucesso à sorte, mas dá o maior crédito à cultura aberta, geek, que que promoveu ao redor do Avast. “Nós tivemos muita sorte com o momento e com o fato de que o programa não era apenas de graça, mas também estabelecido pelo boca a boca”, ele relembra.
Enquanto os antivírus Kasperski, McAfee e Norton faziam dinheiro com os custos pontuais de suas ferramentas, vendidas na Best Buy e outras lojas físicas, o Avast fez renda encorajando os usuários a adquirir e baixar as versões completas do software, que se tornou ainda mais eficiente durante o tempo, com as próprias ferramentas o retroalimentando. Parcerias de marketing com outros desenvolvedores de software produziram novas fontes de receita. Por exemplo, desde 2009, como retribuição a uma taxa de valor desconhecido do Google, o Avast recomenda que novos usuários façam o download do navegador Chrome.
A AVG cresceu com ritmo e método similares. Não muito tempo depois da entrada de Steckler, os líderes da Avast decidiram que a AVG precisava sair do caminho. Depois de desistirem de abrir capital na Nasdaq, em 2012, Baudis, Kucera e Steckler desenvolveram um plano para engolir a AVG. Com poucos fundos, eles atraíram a empresa de capital privado CVC Capital Partners, em 2014, para investir grande na Avast. Isso levou a companhia a valer US$ 1 bilhão. Dois anos depois, após várias rejeições, a AVG desistiu e foi comprada por US$ 1,3 bilhão. Isso fez com que o número de computadores e celulares que utilizam o Avast subisse para quase 400 milhões. Embora não fature bilhões como os rivais, o Avast levou a melhor no jogo dos antivírus, no fim de 2018. De acordo com a consultoria Opswat, contabilizando os usuários de Windows, o Avast somou 6% a mais do que o segundo lugar, McAfee.
Com o AVG fora da jogada, a Avast estava no caminho para abrir seu capital. Mas, menos de um ano antes do IPO, problemas surgiram. O Avast descobriu que 2,3 milhões de computadores foram infectados depois de hackers encontrarem uma forma de transformar uma outra aquisição da companhia, a Piriform CCleaner em uma plataforma de ciberespionagem. Em setembro de 2017, hackers infectaram downloads do CCleaner, que deveriam ajudar os clientes a remover softwares perigosos. Alguém que atualizou ou instalou o CCleaner corrompido durante o período teve a proteção retirada e uma invasão instalada em seu computador. De acordo com analistas de cibersegurança, os ataques tinham todas as evidências de ser uma tentativa de um apoio do governo chinês de infectar as maiores companhia de tecnologia, incluindo Cisco, Intel e Microsoft, embora seja incerto quão bem-sucedido o ataque foi. A resposta de Baudis sobre a crise é tipicamente simples: “Nós aprendemos nossa lição. Quando adquirimos uma companhia como essa, precisamos colocar nosso método em prática muito antes do que fizemos.”
A Avast gerenciou bem a crise, sendo cooperativa com a justiça e a comunidade de cibersegurança e direcionando a narrativa para o fato de que a companhia tinha sido pega por um dos mais talentosos espiões do planeta. O evento foi um contratempo no caminho rumo à bolsa, onde a Avast chegou em 10 de maio de 2018, com valoração de US$ 3,4 bilhões. Isso colocou a Avast entre as cinco maiores aberturas de capital tecnológicas na história da bolsa de Londres. Foi muito mais longe do que tudo que Baudis sonhou que seria possível nos anos 1980. Ele diz que a única coisa que queria era um produto que fosse mais popular do que seus programas gráficos: “É gigante, e é um bom sentimento.”
Em uma aposta para expandir ainda mais, a Avast planeja lançar seu primeiro hardware doméstico neste ano, de acordo com Steckler. O pequeno aparelho vai monitorar o tráfego de internet dentro de casa, alertando e bloqueando ameaças aos aparelhos conectados à rede, como geladeira e sistema de som. “Você pode causar muitos danos com a Alexa [assistente virtual da Amazon]”, avisa Baudis.
O Avast Omni, nome do produto, será vendido com uma mensalidade anual que cobre também computadores e celulares. Nenhuma outra empresa de antivírus rival foi tão fundo em produtos para casa, e Steckler admite ser um risco. Mas, de acordo com o analista Toni Massimini, da Frost & Sullivan, se alguém tem condições de fazer isso, esse alguém é a Avast. “É algo sobre o qual as pessoas estão falando, mas vamos ver se vai realmente funcionar. Eu acredito que a Avast tem uma grande chance.”
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Apesar de todas as mudanças na estratégia e chefia, o sempre sagaz Baudis manteve boa parte de suas ações na empresa, enquanto os outros não. Razão significante para explicar porque ele é um bilionário, e os colegas não. Baudis possui 27% da companhia, enquanto Kucera tem 10,5% e Steckler 3,3%.
Pessoas dentro e fora da empresa apreciam a construção estável dessa colossal companhia cibernética que se mantém há 30 anos, desde que a Revolução do Veludo libertou a Tchecoslováquia do controle comunista. “Faz 20 anos que eu conheço o Pavel Baudis. Tenho muito respeito por ele como pessoa e por tudo que construiu,” disse Kaspersky Costin Raui, uma das faces mais antigas no mundo da segurança cibernética.
Baudis também preservou o caráter geeky que ajudou a manter a Avast durante todas as mudanças. “Você precisa mudar toda a companhia e ainda precisa manter a sua essência de alguma forma.” Essa essência é o motivo de mais da metade dos 1.700 funcionários da Avast trabalharem em pesquisa e desenvolvimento em laboratórios na República Tcheca e na Califórnia, nos EUA. E o porquê de o Olivetti original que Baudis explorou nos anos 80 ainda estar na sede em Praga.
Enquanto o sol se põe sobre Praga, Baudis relembra quanto a cidade mudou. “Era tudo cinza em 1990. Muitos prédios estavam mal conservados. O centro da cidade mudou muito. É como um zoológico ou algo assim,” ele diz, claramente descontente com o inacabável fluxo de britânicos em despedidas de solteiro.
Logo antes de voltar para sua casa, Baudis fala sobre a fundação Avast, que direciona 2% do lucro da companhia para boas causas. Uma delas focada em melhorar os tratamentos paliativos de saúde na República Tcheca. É o jeito de Baudis devolver para o país que, durante os difíceis anos do comunismo e os posteriores do capitalismo, o ajudou a se tornar o bilionário que é hoje em dia.
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