Cada uma das mais de 800 lojas do Magazine Luiza conta com sua própria página no Facebook. Essas “fanpages”, como são chamados os perfis de empresas e celebridades na rede social, estão sob a responsabilidade dos gestores das unidades. Para facilitar a divulgação dos posts e viralizar, eles recebem um cartão de crédito específico para a compra de impulsionamento nas redes. Batizado de Magalocal, o projeto tem o objetivo de melhorar a comunicação com os consumidores por meio da criação de conteúdos específicos para cada região em que a empresa atua. Para o bem e para o mal, as lojas têm total liberdade para criar seus posts, sem passar pelo departamento de marketing ou outra instância qualquer. Para garantir que o “bem” (a boa imagem da empresa) prevaleça, o grupo varejista criou o cargo de reputation manager – um primeiro passo rumo à criação do posto de CRO –, ocupado desde julho de 2017 por Ana Luiza Herzog. A executiva tem a missão de zelar por um dos ativos mais importantes para qualquer companhia: a reputação. Por isso, sua posição é estratégica dentro da organização – ela se reporta diretamente ao CEO, Fred Trajano.
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Maior banco privado do país, o Itaú Unibanco também conta com um executivo focado na gestão da reputação. Leandro Modé, superintendente de comunicação corporativa, relações governamentais e reputação da instituição financeira, é responsável por disseminar a cultura corporativa do banco entre os colaboradores e parceiros. “Costumo dizer que todo mundo dentro do banco é responsável por sua reputação”, afirma. “E temos sempre de pensar em qual é a contribuição que oferecemos, além do nosso negócio. As empresas alcançaram tamanhos muito grandes. Algumas têm faturamento que supera o PIB de alguns países. Por isso precisamos mostrar à sociedade a nossa função”, define. Isso se traduz, segundo Modé, em uma atuação “responsável e transparente”, que parte de uma visão holística do papel da companhia e de suas relações com os stakeholders.
EXPOSIÇÃO NAS REDES SOCIAIS
O movimento que tem levado empresas do mundo todo a considerar a contratação de especialistas em reputação é puxado pela crescente exposição de suas marcas e profissionais desde o surgimento das redes sociais. Defender a imagem e a credibilidade das organizações tornou-se um ponto nevrálgico. Pesquisa realizada pela consultoria Deloitte com mais de 300 executivos em três continentes mostra que 88% dos respondentes afirmam que suas companhias trabalham no gerenciamento do risco à reputação – e 21% delas já contam com o cargo de CRO.
Há um aspecto financeiro ligado a essa tendência. Segundo o levantamento da Deloitte, 25% do valor de mercado das companhias está diretamente relacionado a sua reputação. Outra pesquisa, feita no Reino Unido pela consultoria Reputation Dividend, aponta que nas empresas britânicas de capital aberto a reputação responde por 38% de seu valor de mercado. Enquanto a performance comercial indica o sucesso das corporações, diz a consultoria, a reputação é o que mantém o coração da empresa batendo.
O assunto é levado muito a sério pelas lideranças: 87% dos executivos ouvidos pela Deloitte colocam o risco à reputação como mais importante do que os riscos estratégicos a que suas organizações estão expostas. Ou seja, eles têm mais medo de ver a imagem da companhia arranhada do que adotar um plano de negócios equivocado. “Consertar um erro estratégico é mais fácil do que recuperar a reputação”, justifica a professora Vanessa Cepellos, pesquisadora do Núcleo de Estudos em Organizações e Pessoas da Fundação Getulio Vargas de São Paulo. “Quando a reputação é colocada em xeque, não são só os consumidores que se afastam, mas também investidores e parceiros.”
No caso do Itaú Unibanco, essa é uma questão que extrapola os limites da companhia. “No nosso setor, quando um banco perde a confiança do mercado, há um risco para o próprio sistema financeiro”, afirma Modé. “Tanto que o assunto é acompanhado pelo Conselho de Administração e, também, pela autoridade reguladora, o Banco Central.”
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Os riscos são, de fato, altos. Para Sidney Ito, sócio da KPMG no Brasil e líder da área de riscos da consultoria, o que está em jogo, quando se fala em reputação, é a continuidade do negócio. “Os maiores ativos de uma empresa são seus valores e sua cultura. Os produtos vendidos ou serviços prestados são diretamente afetados por esses ativos. A reputação vem como consequência. Uma ruptura nesse processo pode gerar um ciclo negativo de perda de confiança que pode inviabilizar a própria operação.”
Não são raros os casos de companhias que passaram por esse ciclo trágico. Um dos mais célebres é o da Arthur Andersen, que chegou a ser uma das maiores empresas de auditoria do mundo, mas quebrou após ser envolvida na fraude contábil da Enron, em 2001. No Brasil, a maioria das empresas envolvidas na Lava Jato também serve de exemplo – a Odebrecht se destaca por ter sido um dos maiores conglomerados empresariais do país (recentemente, mudou seu nome para OEC, numa tentativa de afastar o estigma da corrupção).
MISSÃO, VISÃO E VALORES
“A reputação é um ativo importantíssimo, mas que, na realidade, não pertence à empresa”, afirma o especialista em risco Alexandre Di Miceli, fundador da consultoria Direzione e professor da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap). “Ela é o resultado da avaliação dos stakeholders sobre a atratividade de uma companhia em comparação com as outras.” Ou seja, “não dá para operar de determinada maneira e criar um departamento de marketing para maquiar essa imagem”, diz ele. Para Hugo Bethlem, diretor-geral do Instituto Capitalismo Consciente, organização que promove a prática de uma gestão humanizada nas empresas, a questão da reputação se assemelha à construção de um castelo de cartas. “Leva um tempão para colocar de pé e um peteleco para destruir”, diz. “É fundamental também compreender a diferença entre estética e ética. Estética é o que você diz que é. Ética é aquilo que você realmente é. Se elas não se conversam, você tem um problema.”
NA PRÁTICA
Alinhar essas duas pontas é grande parte do trabalho desenvolvido no Magazine Luiza. O gerenciamento de reputação na gigante do varejo consiste em monitorar as redes sociais e responder a praticamente todas as interações. Ao mesmo tempo, tem a função de pensar estrategicamente a imagem da companhia e interagir com as outras áreas da organização para criar maneiras de disseminar sua cultura a todos os colaboradores – são mais de 20 mil.
A preocupação com esse alinhamento é tanta que a correta disseminação da cultura da empresa está diretamente atrelada à remuneração dos executivos. “Cerca de 10% da minha remuneração variável depende de metas culturais”, afirma Ana Luiza Herzog. “A cultura de uma empresa parece algo intangível, mas quando você entende os processos e rituais que balizam o comportamento das pessoas, começa a enxergar a questão muito claramente.”
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Criado por uma mulher e, durante muito tempo, comandado por Luiza Helena Trajano, que atualmente preside o Conselho de Administração, o Magazine Luiza acredita que deve sua boa reputação ao fato de ter mantido, desde a fundação, uma base de valores intacta, atrelada ao propósito da companhia. É essa base de princípios – “inegociáveis” – que teria permitido à empresa confiar cegamente em seus funcionários, até mesmo para publicar algumas aparentes loucuras nas redes sociais em nome da organização. Como um clipe no qual algumas vendedoras da loja de Avaré, no interior de São Paulo, cantam e dançam um funk para divulgar uma promoção de televisores. O vídeo “falou a língua” dos consumidores e viralizou: em apenas um fim de semana, as vendedoras-cantoras atingiram 80% da meta do mês.
Essa liberdade criativa nas redes sociais pode ser aterrorizante para a maioria dos gestores de imagem em atuação no mercado. Mas não para Ana Luiza: “Nossa cultura é muito forte. Desde que cheguei, não tivemos um caso de dano à nossa reputação”.
Saber lidar com o erro, por sinal, é outro ponto importante para a gestão da reputação. Segundo Bethlem, aceitar que todos têm vulnerabilidades é um sinal de maturidade. Isso vale tanto para o funcionário que comete um deslize não proposital quanto para a própria companhia, no relacionamento com os clientes. Admitir uma falha eventual, desde que não seja um problema sistêmico, como uma atuação corrupta, não vai destruir a reputação de uma companhia. Tentar esconder o erro e ludibriar o consumidor sim. “Muitas crises de reputação decorrem do fato de a empresa não dar liberdade para os profissionais assumirem que sua estratégia estava errada”, diz o especialista.
LEGITIMIDADE
A gestão de reputação, por fim, pode ser resumida em uma palavra: legitimidade. No fundo, a função do CRO é manter a empresa conectada ao seu propósito, ou seja, aos princípios que motivaram sua criação. Na maioria dos casos, segundo o senso comum, o que leva uma pessoa a criar uma empresa é a vontade de fazer algo por alguém, seja por acreditar que é capaz de melhorar a vida das pessoas, seja por querer compartilhar alguma habilidade. O lucro vem como consequência dessa capacidade de impactar a sociedade. Quando a companhia é fiel a esses princípios, ela se apresenta de forma verdadeira para seu público, o que permite construir com mais facilidade sua reputação. “Toda empresa deve defender uma causa. Mas ela precisa estar em sintonia com os seus valores. Não é só escolher o que vai apoiar. Tem de atuar”, define Ana Luiza. Como dizem os empreendedores americanos: walk the talk. Não fale, aja.
Reportagem publicada na edição 68, lançada em junho de 2019
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