Resumo:
- O aumento nos incêndios da floresta Amazônica provocou uma onda de indignação internacional, resultando em uma disseminação de falsas informações;
- Muitas fotos compartilhadas em mídias sociais por diversos usuários, incluindo celebridades como Leonardo DiCaprio e Cristiano Ronaldo, datavam mais de 20 anos e nem sequer exibiam a floresta amazônica;
- Segundo Dan Nepstad, um dos principais especialistas do mundo na Amazônia, não há ciência por trás do rótulo da floresta de “pulmão do mundo”, uma vez que ela produz e utiliza a mesma quantidade de oxigênio.
O aumento nos incêndios florestais no Brasil provocou uma onda de indignação internacional na semana passada. Celebridades, ambientalistas e líderes políticos culpam o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, por destruir a maior floresta tropical do mundo, a Amazônia, que eles dizem ser o “pulmão do mundo”.
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Cantores e atores, incluindo Madonna e Jaden Smith, compartilharam fotos em mídias sociais que foram vistas por dezenas de milhões de pessoas. “Os pulmões da Terra estão em chamas”, disse o ator Leonardo DiCaprio. “A Amazônia produz mais de 20% do oxigênio do mundo”, tuitou o astro do futebol Cristiano Ronaldo. “A floresta amazônica – os pulmões que produzem 20% do oxigênio do nosso planeta – está em chamas”, tuitou o presidente francês, Emanuel Macron.
Contudo, as fotos não eram realmente dos incêndios e muitas não eram nem da Amazônia. A foto que Ronaldo compartilhou foi tirada no sul do Brasil, longe da Amazônia, em 2013. A imagem que DiCaprio e Macron compartilham tem mais de 20 anos. A foto que Madonna e Smith postaram tem mais de 30 anos. Algumas celebridades compartilharam fotos do estado norte-americano de Montana, além de Índia e Suécia.
A CNN e o “New York Times” desmascararam as fotos e outras desinformações sobre os incêndios. “O desmatamento não é uma novidade nem está limitado a uma nação”, explicou a CNN. “Esses incêndios não foram causados pela mudança climática”, observou o “NYT”.
Mas ambas as publicações repetiram a afirmação de que a Amazônia é o “pulmão” do mundo. “A Amazônia continua sendo uma fonte líquida de oxigênio hoje”, disse a CNN. “Ela é muitas vezes referida como ‘pulmões’ da Terra, porque suas vastas florestas liberam oxigênio e armazenam dióxido de carbono, um gás que retém o calor na atmosfera e é uma das principais causas do aquecimento global”, afirmou o “The New York Times”.
Eu estava curioso para ouvir o que Dan Nepstad, um dos principais especialistas do mundo em florestas da Amazônia, tinha a dizer sobre a alegação dos “pulmões”.
“É besteira”, disse ele. “Não há ciência por trás disso. A Amazônia produz muito oxigênio, mas usa a mesma quantidade deste gás através da respiração, então é uma lavagem ”.
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As plantas utilizam a respiração para converter nutrientes do solo em energia. Elas usam a fotossíntese a fim de transformar luz em energia química, que pode ser usada mais tarde no processo respiratório.
E quanto à afirmação do “The New York Times” de que “Se uma floresta tropical for destruída e não puder ser restaurada, a área se tornará uma savana, ecossistema que não armazena tanto carbono, significando uma redução na capacidade pulmonar do planeta”?
Também não é verdade, disse Nepstad, que foi o principal autor do mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. “A Amazônia produz muito oxigênio, entretanto, fazendas de soja e pastagens [de gado] também produzem”.
Algumas pessoas vão, sem dúvida, considerar o mito dos “pulmões” uma implicância. No entanto, o ponto mais importante é que há um aumento de incêndios no Brasil e algo deve ser feito sobre isso.
Mas a história dos “pulmões” é apenas a ponta do iceberg. A CNN disseminou a manchete “Incêndios queimando a uma taxa recorde na Floresta Amazônica”, enquanto um importante repórter climático afirmava: “Os atuais incêndios não têm precedentes nos últimos 20.000 anos”. Embora o número de incêndios em 2019 seja de fato 80% maior do que em 2018, é apenas 7% maior que a média dos últimos dez anos, disse Nepstad.
Um dos principais jornalistas ambientais do Brasil concorda que a cobertura da mídia sobre os incêndios tem sido enganosa. “Foi no governo de Lula [Presidente do Partido dos Trabalhadores] e Marina Silva [a Secretária do Meio Ambiente] (2003-2008) que o Brasil teve a maior incidência de incêndios”, me disse Leonardo Coutinho por e-mail. “Mas nem Lula nem Marina foram acusados de colocar a Amazônia em risco.”
A perspectiva de Coutinho foi moldada pelo trabalho de repórter em terras amazônicas para a revista “Veja” por quase uma década. Por outro lado, muitos dos correspondentes que relatam os incêndios atuais vêm fazendo isso nas cidades cosmopolitas de São Paulo e do Rio de Janeiro, que ficam a cerca de 4.000 km e quatro horas de avião de lá.
“O que está acontecendo na Amazônia não é excepcional”, afirmou Coutinho. “Dê uma olhada nas buscas do Google pelos termos ‘Amazônia’ e ‘Floresta Amazônica’ ao longo do tempo. A opinião pública global não estava tão interessada na ‘tragédia da Amazônia’ quando a situação era inegavelmente pior. O momento presente não justifica a histeria global”.
E embora os incêndios no Brasil tenham aumentado, não há evidências de que isso também ocorreu com aqueles nas florestas da Amazônia.
“O que mais me dói é a ideia das milhões de Notre-Dames, altas catedrais da biodiversidade terrestre, estejam queimando ao chão”, escreveu um jornalista brasileiro no “New York Times”.
Mas isso não está acontecendo com as altas catedrais da floresta amazônica. “Eu vi a foto que Macron e Di Caprio twittaram”, disse Nepstad, “mas você não vê florestas queimando assim na Amazônia.”
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Os incêndios florestais na região amazônica estão escondidos pela copa das árvores e só aumentam durante os anos de seca. “Não sabemos se estes incêndios existem em maior quantidade neste ano do que nos últimos anos, o que me diz que provavelmente não”, disse Nepstad. “Eu tenho trabalhado em estudar esse fenômeno por 25 anos e nossas redes [em terra] estão rastreando isso.”
O que aumentou em 7% em 2019 são os incêndios de matagal e árvores derrubadas para a criação de gado como uma estratégia para ganhar a propriedade da terra.
Contra o quadro pintado de uma floresta amazônica à beira do desaparecimento, uma parcela de 80% permanece preservada. Metade da Amazônia é protegida contra o desmatamento sob lei federal.
“Poucas histórias na primeira onda de cobertura da mídia mencionaram a queda dramática do desmatamento no Brasil nos anos 2000”, observou o ex-repórter do “New York Times” Andrew Revkin, que escreveu o livro “The Burning Season” sobre a Amazônia, em 1990, e agora é fundador e diretor da iniciativa de comunicação e sustentabilidade no The Earth Institute na Universidade de Columbia.
O desmatamento caiu 70% de 2004 para 2012. Ele cresceu modestamente desde então, mas permanece em um quarto do pico de 2004. E apenas 3% da Amazônia é adequada para a produção de soja.
Ambos Nepstad e Coutinho dizem que o real perigo é de incêndios florestais acidentais em anos de seca, que podem ser piorados pelas mudanças climáticas. “A ameaça mais séria à floresta amazônica são os graves eventos que tornam as florestas vulneráveis ao fogo. É aí que podemos obter uma espiral descendente entre fogo e seca e mais fogo.” Atualmente, 18% a 20% da floresta amazônica continua em risco de ser desmatada.
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“Eu não gosto da narrativa internacional de agora porque ela é polarizadora e divisória”, disse Nepstad. “Bolsonaro disse algumas coisas ridículas e nenhuma delas é desculpável, mas há também um grande consenso contra o fogo acidental e temos que explorar isso”.
“Imagine que lhe digam [sob o Código Florestal Federal] que você só pode usar metade de suas terras e, em seguida, que é permitido utilizar apenas 20%”, disse Nepstad. “Havia uma propaganda enganosa, e os agricultores estão realmente frustrados. Estas são pessoas que amam caçar, pescar, estar naquele território e deveriam ser aliados, mas nós os perdemos.”
Nepstad disse que as restrições custam aos agricultores US$ 10 bilhões em lucros perdidos e restauração florestal. “Havia um ‘Fundo Amazônia’ criado em 2010 com US$ 1 bilhão dos governos norueguês e alemão, mas nenhum deles chegou aos grandes e médios agricultores”, diz Nepstad.
Tanto a pressão internacional quanto a super-reação do governo estão aumentando o ressentimento entre as pessoas no Brasil que os ambientalistas precisam conquistar para salvar a Amazônia: fazendeiros e grileiros.
“O tweet de Macron teve o mesmo impacto na base de Bolsonaro, já que Hillary chamou a base de Trump deplorável”, disse Nepstad. “Há indignação no Brasil sobre Macron. Os brasileiros querem saber por que a Califórnia recebe toda essa simpatia por seus incêndios florestais enquanto seu país recebe todas essas acusações.”
“Eu não me importo com o frenesi da mídia, desde que gere algo positivo, mas pelo contrário, essa exaltação forçou o governo brasileiro a reagir de forma exagerada”, disse Nepstad. “Enviar o exército não é o caminho a percorrer, porque nem todos são atores ilegais. As pessoas esquecem que há razões legítimas para os pequenos agricultores usarem queimadas controladas para repelir insetos e pragas ”.
A reação da mídia estrangeira, celebridades globais e ONGs no Brasil vem de um anticapitalismo romântico comum entre as elites urbanas, dizem Nepstad e Coutinho. “Há muito ódio ao agronegócio”, disse Nepstad. “Eu tenho colegas dizendo: ‘Soja não é comida’. Eu disse: ‘O que seu filho come? Leite, frango, ovos? Isso é tudo se deve a proteína de soja utilizada para a alimentação das aves.”
Outros podem ter motivos políticos. “Os agricultores brasileiros querem estender o acordo de livre comércio UE-Mercosul, mas Macron está inclinado a encerrá-lo porque o setor agrícola francês não quer mais que entram no país os produtos alimentícios brasileiros”, explicou Nepstad.
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Apesar das mudanças climáticas, do desmatamento e da cobertura ampla e enganosa da situação, Nepstad não perdeu a esperança. A emergência na Amazônia deve levar a comunidade de conservação a reparar seu relacionamento com os agricultores e buscar soluções mais pragmáticas, disse ele.
“O agronegócio é 25% do PIB do Brasil e é o que levou o país à recessão”, disse Nepstad. “Quando a agricultura de soja entra em cena, o número de incêndios diminui. As pequenas cidades obtêm dinheiro para as escolas, o PIB aumenta e a desigualdade diminui. Este não é um setor para bater, e sim para encontrar um terreno comum. ”
Nepstad argumentou que seria correto para os governos de todo o mundo apoiar a Aliança da Terra, uma rede de detecção e prevenção de incêndios que ele ajudou a fundar e é composta por 600 voluntários, a maioria indígenas e agricultores.
“Por US$ 2 milhões por ano, poderíamos controlar os incêndios e impedir a destruição da Amazônia”, disse Nepstad. “Temos 600 pessoas que receberam treinamento de alto nível por bombeiros dos EUA, mas agora precisam de caminhões com o equipamento certo para que possam liberar corta-fogos na floresta e iniciar um tiro pela culatra a fim de queimar o combustível no caminho do incêndio.”
Para que tal pragmatismo se estabeleça entre interesses divergentes, a mídia noticiosa precisará melhorar sua cobertura futura da questão.
“Um dos grandes desafios enfrentados pelas redações que cobrem questões emergentes complicadas e duradouras, como o desmatamento tropical”, disse o jornalista Revkin, “é encontrar maneiras de envolver os leitores sem o histrionismo. A alternativa é cada vez a cobertura de notícias que varia de um extremo a outro e é a receita para o desengajamento do leitor.”
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