Resumo:
- Apesar de ser um dos maiores consumidores de produtos de luxo do mundo, o mercado chinês valoriza atributos diferentes dos do Ocidente;
- A postura autoritária da gerência das marcas de luxo dificulta sua adaptação ao mercado da China;
- Especialista em vendas afirma que a solução mais barata e efetiva é treinar os atendentes para vender os valores da loja e não só os produtos.
A sentença “Tigre agachado, dragão escondido” é uma expressão tirada de um antigo poema chinês que diz: “Atrás da pedra na escuridão está escondido um tigre, e a raiz gigante e enrolada se assemelha a um dragão rastejando”. A frase tem se tornado comum na China quando se quer falar de quem tem habilidades ou talentos extraordinários que estão escondidos. É um lembrete para evitar que as pessoas subestimem umas às outras.
É fácil lembrar da frase quando observamos a visão que as marcas de luxo têm do mercado chinês. Na superfície, a China promete muitas possibilidades. Mas as recentes séries de enganos dessas marcas mostraram que as pessoas subestimam o tigre à espreita pronto para atacar e o dragão que cospe fogo escondido.
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Os dados sobre o potencial do mercado de luxo chinês são indiscutíveis. A Bain and Company estima que consumidores chineses representam algo em torno de 33% das vendas globais, cerca de US$ 95 bilhões em 2018. A McKinsey estimou um valor ainda mais alto: US$ 115 bilhões.
Mais do que isso, a McKinsey declarou que os chineses contribuíram com mais da metade do crescimento das vendas globais de artigos de luxo entre 2012 e 2018, a expectativa é que a China “seja responsável por 65% dos gastos mundiais adicionais até 2025”.
Apesar disso, a Bain alerta as marcas que acham que a China é um caminho fácil para a prosperidade. Os pesquisadores analisaram o crescimento de receita das 20 maiores marcas de moda e lifestyle de luxo, e a descoberta é que, para cada marca que cresceu mais de 25% entre 2017 e 2018, duas marcas cresceram menos de 10%.
“Mesmo que as vendas de luxo na China sejam fortes, nem todos os executivos das marcas estão animados. Conforme a renda e os gastos com bens de luxo aumentam, os consumidores chineses estão se tornando cada vez mais exigentes. Algumas marcas conseguem atender essas necessidades com maior sucesso do que outras”, afirma o estudo da Bain and Company.
O PhD Daniel André Langer, que também é CEO da empresa de consultoria de gestão Équité e autor de diversos livros didáticos sobre marketing de luxo, entende as grandes oportunidades para marcas de luxo no mercado chinês, mas também as armadilhas que estão pegando cada vez mais os desavisados. Langer afirma que estratégias de luxo que funcionam no Ocidente podem não ser bem aceitas na China.
“As pessoas ficam obcecadas com o objeto novo e brilhante. No caso das marcas de luxo, esse objeto é a China. Mas elas não procuram criar uma sensibilidade cultural, então, acabam subestimando os clientes e o mercado chinês como um todo”, Langer contou.
Perdidos na tradução
Marcas de luxo costumam impor suas estratégias se baseando em um visão ocidental do mundo, mas entendendo muito pouco sobre a perspectiva cultural chinesa. Mais do que isso, as matrizes não costumam ouvir opiniões dos locais.
“Eu ouço muitas vezes os executivos locais que trabalham para marcas europeias falarem que não podem fazer isso ou modificar aquilo por ser uma ordem vinda de cima”, afirma Langer. “Alguém de muito longe decide que algo deve ser feito da mesma maneira para todo o mundo. Não há espaço para réplicas ou sugestões”.
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Langer não acredita que as marcas de luxo devam abandonar suas plataformas globais abrangentes, mas podem dar poder a pessoas no mercado local para adaptar e refinar contextos e conteúdos que conversem melhor com a cultura. “As empresas precisam permitir diferentes expressões dos valores da marca, assim, elas serão comunicadas com mais efetividade na cultura local”, afirma.
O especialista toma como exemplo a proposição de orgulho. “Digamos que a recompensa emocional de uma marca seja o orgulho, que as pessoas deveriam se sentir orgulhosas de possuírem aquela marca”, explica. “Esse contexto seria apropriado na China, mas não na Alemanha, eles não cultivaram mais esse conceito depois da última guerra mundial. A cultura é quem dita o contexto. Em alguns países, certos aspectos devem ser valorizados, em outros, você deve criar algo de maneira diferente”, ele continua.
Langer salienta que a história geral da marca pode e deve ser a mesma, mas a forma de expressá-la e os elementos que a história enfatiza ou minimiza devem mudar.
O orgulho é o primeiro passo para a derrota
Essa maneira de trabalhar, com ordens vindas de cima e sem espaço para sugestões, que as marcas de luxo utilizam foi o que causou polêmica em uma das propagandas da Dolce & Gabbana na China. A publicidade envolvia pizza e chopsticks, a empresa respondeu de maneira condescendente ao caso no Instagram, o que causou ainda mais fúria popular. Segundo declarações da marca, o perfil do teria sido hackeado.
“Antes do caso da Dolce & Gabbana explodir pelo mundo, eu estava em Hong Kong e perguntei para um motorista de táxi o que ele tinha achado da propaganda. Eu fiquei surpreso: ele ficou muito bravo, ficou os 30 minutos da viagem falando sobre o assunto”, afirma Langer.
Os chineses conseguem sentir o cheiro do elitismo ocidental a milhares de quilômetros, e não perdoam nem um pequeno rastro disso. “As pessoas da China sentem orgulho de sua cultura rica em história. Esse orgulho que a população possui torna difícil de eles aceitarem discursos arrogantes ou zombando de sua cultura. As marcas de luxo precisam se tornar mais humildes”, diz ele.
Humildade não costuma ser uma palavra comumente associada a marcas de luxo, mas elas terão de aprender e internalizar esse conceito se quiserem ter sucesso duradouro na China.
Definir um posicionamento de marca culturalmente relevante
Outro desafio para empresas de luxo na China é entender que os valores que repercutem nas culturas ocidentais não necessariamente têm o mesmo efeito no país oriental. Características como história, perfeição e qualidade de um produto não dão vantagens e nem são esperadas para as marcas no país, o que conta para os chineses mesmo é o preço de entrada.
“Marcas de luxo dependem muito dos tangíveis, mas não dão atenção suficiente aos intangíveis que dão valor ao produto”, acredita Langer. “Eu noto uma correlação direta entre o sucesso de uma marca e o quão especificamente seus valores são expressados.”
“Em muitos casos, quando ouço altos gestores falarem suas marcas, eles falam sobre a categoria, mas não sobre os fatores distintivos que trazem clientes para a empresa”, continua.
A Gucci é uma das marcas que entende a China. É uma empresa que deixa claro quais são seus valores (os tangíveis) e também entende a necessidade dos clientes de expressar suas individualidades (os intangíveis). “A Gucci se posicionou como ‘anti-sistema’, quase como uma marca anti-França. Os millennials de Shanghai ou Hong Kong querem fazer as coisas de uma maneira diferente do que seus pais”, afirma Langer.
“A Gucci oferece ferramentas para que eles se expressem e até mesmo vão além disso. O sucesso da Gucci na China se dá pelo forte sistema de valores por trás dela. Se você comparar com outras marcas, vai ver que esses valores não são tão claros assim”, ele continua.
Torne as coisas mais pessoais
Para obter sucesso na China, as marcas de luxo devem tirar o foco dos tangíveis dos produtos para as recompensas emocionais que os clientes obtêm deles. Esses atributos intangíveis são o que Langer define como valor de luxo adicionado (VLA).
Para os clientes chineses, muito do VLA reside nos efeitos de status social da marca, como a sensação de atratividade melhorada, orgulho de ser dono de algo, ter uma imagem de especialista em algo ou a experiência de descobrir algo novo.
“É isso que confunde os administradores de marcas de alta engenharia (como carros) ou marcas de luxo voltadas para design (como bolsas). O produto pode ser um identificador ou facilitador, mas não é o direcionador de valor”, explica.
A história da marca e a maneira de tornar o VLA real para os clientes requerem conexão humana. Essa é a principal função das lojas locais das marcas de luxo. “Dado que o valor de uma marca de luxo depende da consistente entrega da história da marca em cada ponto, o fator humano se torna o mais decisivo”, ele declara.
Langer ainda diz que “definir a história da marca e treinar os funcionários para entenderem como entregar a parte deles no serviço é relativamente barato se comparado com investimentos imobiliários ou desenvolver tecnologia de ponta”.
O especialista fala também que, muitas vezes, as empresas gastam muito nesses elementos tangíveis e economizam nos fatores humanos: “esse é, de fato, o erro mais caro que uma marca pode fazer”.
Marcas de luxo devem entregar um serviço aos clientes personalizado e exemplar em suas unidades locais. Mas é importante manter essa filosofia por todo o mundo, já que uma pesquisa da Bain descobriu que apenas 25% das compras de luxo dos chineses são feitas na China, a maioria é feita durante viagens.
“Os funcionários precisam ser treinados nos fundamentos do luxo e nos seus papéis na entrega da performance extrema para clientes, tanto racional quanto emocionalmente”, afirma.
A coisa mais racional que empresas de luxos devem fazer é treinar todos os funcionários para que eles entendam e comuniquem a história da marca de maneira efetiva e entreguem um serviço personalizado humilde, cortês e sensível ao redor do mundo.
Os protestos de Hong Kong serão passageiros
Antes de encerrar a conversa, perguntei ao especialista sobre os impactos de longo prazo dos protestos recentes em Hong Kong. Ele acredita que, apesar de eles estarem perturbado o andar natural dos negócios desde o final de junho, não terão um impacto duradouro.
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“Se você fizer um levantamento histórico de Hong Kong, esse tipo de crise acontece em intervalos de três a cinco anos. Essa vai, provavelmente, acabar logo também. É óbvio que estamos vendo um impacto temporário, os hotéis que eu costumo me hospedar estão mais baratos agora do que nunca”, afirma. Langer também prevê: “Muitas pessoas que conheci da comunidade luxuosa de Hong Kong me disseram que, no final, essa história não vai ser lembrada ou ter impactos de longo prazo dos negócios”.
Apesar de as pessoas estarem com medo de ir para Hong Kong agora, Langer diz que ainda não viu protestos nas áreas que costuma visitar. “A mídia faz parecer que a cidade está paralisada, mas nos cinco dias que estive lá não vi nenhum protesto. As áreas de comércio de luxo estavam sempre abertas”, conclui.
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