Quando deixou sua cidade natal para cursar administração de empresas na Universidade de São Paulo, ele nem imaginava que, de participante de gincanas na faculdade, se tornaria o fundador da Gympass, uma das maiores plataformas corporativas de atividade física do mundo.
O mineiro de Alfenas, Cesar Carvalho – que se autodescreve como “muito competitivo e um pouco nerd” – está tendo um ano e tanto: ele se mudou para os Estados Unidos em janeiro para acelerar a expansão da empresa, já presente em 14 países. Meses depois, em junho, um aporte de US$ 300 milhões do fundo SoftBank elevou o valor de mercado da startup para além de US$ 1 bilhão. Apesar da mudança recente e dos longos expedientes, que iniciam ao raiar do sol e terminam com reuniões entre uma sessão e outra de treinos funcionais (seguidos de jantares com funcionários), o empreendedor se diz bem adaptado à dinâmica rotina nova-iorquina, graças ao foco na saúde física e mental.
“Enquanto a empresa cresce, penso muito em coisas que me trazem de volta à minha origem simples, que me fazem colocar os pés no chão. Estar perto da família e amigos também é muito importante”, confessa Carvalho. “Procuro alocar a quantidade certa de energia e tempo para esses dois mundos. Não importa onde eu esteja no mundo, volto a tempo para jantar com minha esposa na sexta-feira. Os finais de semana são sagrados, reservados para ela, meus filhos e atividades físicas com eles – raramente trabalho nesses dias.”
A Gympass é resultado de um desvio na rota de uma carreira tradicional que Carvalho já havia traçado: logo após se formar na USP, trabalhou por dois anos na consultoria McKinsey, onde um dos requisitos era cursar um MBA nos Estados Unidos. Em Harvard, teve contato com diversos inovadores americanos buscando criar negócios no Brasil em meio à efervescência de 2012. As férias de verão do MBA naquele ano despertaram em Carvalho o desejo de aproveitar uma oportunidade, potencialmente única, de empreender. “Era um período de três meses que eu tinha para fazer algo que talvez nunca mais fizesse na minha vida. Depois que você volta a trabalhar, tem um salário bom e família, é muito difícil largar tudo e começar do zero.”
A ideia que deu origem ao modelo de negócio da Gympass surgiu de uma necessidade prática de Carvalho durante seus anos de consultoria, onde as idas e vindas entre clientes em todo o Brasil e o escritório tornavam a prática de exercícios quase impossível. “Cheguei a pagar, ao mesmo tempo, três academias diferentes que eu usava muito pouco. Pensei, então, em uma mensalidade que me desse acesso a todas as academias, independentemente de onde eu estivesse”, aponta. “O que descobrimos depois foi que empresas estariam dispostas a investir para fazer isso acontecer, acessando flexibilidade a um valor atrativo, o que faz com que funcionários que nunca fizeram atividade física comecem a fazê-lo.” De acordo com Carvalho, 70% dos usuários Gympass não frequentavam academias antes de aderirem ao serviço. “Nossa missão virou acabar com o sedentarismo no mundo.”
O modelo de negócio original da Gympass, que hoje conta com 2 mil clientes corporativos oferecendo o serviço como um benefício para seus funcionários, consistia em vender acesso a academias para o consumidor final, com passes diários. A mudança para o modelo B2B aconteceu nove meses depois do lançamento, um momento em que a startup não estava atingindo nem mesmo suas metas mais conservadoras. O primeiro cliente corporativo, a PwC, trouxe 500 adesões nos primeiros três dias de parceria – mais do que a base de clientes de varejo acumulada durante toda a vida da empresa até então.
“Aporte de US$ 300 milhões do SoftBank elevou o valor da Gympass para além de US$ 1 bilhão”Outras empresas multinacionais se interessaram pela plataforma. A carteira de clientes inclui as gigantes Unilever, Klabin e Rolls- -Royce. A internacionalização da empresa – com demandas para disponibilizar o serviço em outros países – começou no México, entrou na Europa pela Espanha e mais recentemente se espalhou na América do Sul. No fim de 2017, a empresa chegou aos Estados Unidos. Até o fim deste ano, vai mais que dobrar sua equipe de tecnologia com 230 contratações, para apoiar áreas como inteligência artificial. O investimento em tecnologia mira o aumento da rede (mais de 47 mil academias credenciadas); nos Estados Unidos, Carvalho espera envolver 35 mil academias e empresas do ramo fitness.
A RELEVÂNCIA DO BRASIL
A expansão internacional da Gympass, atualmente focada nos Estados Unidos e futuramente na Ásia, não significa que o mercado natal da empresa ficará em segundo plano. Carvalho afirma que o Brasil é um dos mercados mais relevantes para a empresa e se beneficiará do avanço global. “É muito fácil priorizar as iniciativas para atender o Brasil: qualquer conta que você faz em termos de investimento vai justificar o desenvolvimento de tecnologia e o desenvolvimento comercial focados no Brasil ou na América Latina.”
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Para ele, “o segredo é conseguir tomar decisões e fazer escolhas com base em prioridades para o negócio no longo prazo, assim como algumas escolhas não óbvias”. Uma obviedade para Carvalho – que, apesar de morar em Nova York, passa metade do tempo no escritório em São Paulo – é a oportunidade para que mais fundos estrangeiros invistam em empresas high-tech brasileiras. “Estamos no começo de um ciclo de desenvolvimento de tecnologia relevante não só no Brasil, mas na América Latina. Vemos desde investidores anjo até fundos focados em estágios mais avançados entrando no mercado, saídas e IPOs de empresas dando bons retornos para seus investidores”, ressalta. “Nunca houve um momento tão bom para apostar no Brasil. Todas as peças do ecossistema agora estão presentes, e a velocidade de crescimento só vai aumentar daqui para a frente.”
A Gympass é uma empresa brasileira global, ainda no início de sua cruzada para acabar com o sedentarismo, trazendo mais trabalhadores de escritórios para esteiras mundo afora. Essa missão requer que Carvalho continue sua vida de expatriado por ora, mas não definitivamente. “Ainda não tenho a menor visibilidade de quando voltarei para o Brasil, mas sei o que me fará voltar. Quero estar perto da minha família e dos amigos. Por enquanto tenho o objetivo de fazer essa empresa crescer. Não consigo pensar em outra coisa.”
Reportagem publicada na edição 70, lançada em agosto de 2019
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