Um dos sintomas mais visíveis da histeria causada pelo coronavírus é a compra impulsionada pelo pânico. Compradores enlouquecidos estão esvaziando as mercearias e as prateleiras das farmácias, levando de macarrão a termômetros. Mas qual é o item mais difícil de encontrar atualmente? Talvez o Purell, o desinfetante para as mãos mais popular dos Estados Unidos.
O que a maioria não sabe é que o Purell é a base de uma empresa familiar de 74 anos em Ohio que produz os mais variados tipos de sabonetes e desinfetantes. A Gojo Industries possui cerca de 25% do mercado norte-americano de higienizadores de mãos e registrou receita de mais de US$ 370 milhões em 2018, de acordo com o IBISWorld. A FORBES estima que a empresa seja 100% de propriedade da família Kanfer e valha, pelo menos, US$ 1 bilhão.
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Embora possa ser difícil encontrar Purell em uma farmácia norte-americana neste momento, não deve haver escassez do produto, insiste a empresa. (A Gojo respondeu a perguntas gerais por meio de um porta-voz, mas não confirmou informações sobre a participação da família Kanfer no negócio nem liberou um de seus integrantes para comentar). As fábricas da Gojo, duas em Ohio e uma na França, estão operando a plena capacidade para garantir o atendimento do “aumento substancial da demanda”, diz a porta-voz da Gojo Industries, Samantha Williams. A “equipe de preparação para picos de demanda” da Gojo, que ajudou a manter os níveis de produção durante os surtos virais anteriores, como a síndrome respiratória aguda grave (SARS) em 2003 e a “gripe suína” do H1N1 em 2009, vem fazendo horas extras para adicionar capacidade online.
A demanda atual por Purell está em um “nível realmente superior, mas não sem precedentes”, diz Samantha. Mas não é essa a sensação nas ruas. O gerente de uma Duane Reade (rede de farmácias e lojas de conveniência) no centro de Manhattan diz que a loja vendeu todos as unidades de Purell há quatro dias e não espera uma nova remessa até o fim de semana. Outra loja, desta vez no Queens, alegou estar desabastecida por tempo indeterminado. Em um Costco em Lawrence, Long Island, uma nova remessa de produtos de higiene e limpeza entregue na manhã da última quinta-feira (5) desapareceu em uma hora. “É uma compra sob efeito do pânico”, diz Sonia, funcionária do supermercado. “E este é, normalmente, um dos períodos mais lentos do ano em termos de vendas.”
Sem conseguir adquirir o desinfetante para as mãos da marca (que é apenas um produto à base de álcool), as pessoas estão descobrindo rapidamente alternativas. A internet está repleta de poções do tipo faça você mesmo com ingredientes como gel de aloe vera e álcool, enquanto a marca de bebidas Tito se sentiu obrigada a anunciar que sua vodca, que contém 40% de álcool, não era forte o suficiente para matar o coronavírus (as autoridades recomendam pelo menos 60%). Os governos locais estão lutando. Na segunda-feira (9), o governador do estado de Nova York, Andrew Cuomo, anunciou que usaria prisioneiros para fabricar seu próprio desinfetante para as mãos.
A situação é ainda mais fascinante, porque não está claro se o Purell, ou qualquer outro desinfetante para as mãos, pode manter as pessoas seguras. O produto é regulamentado pelo Food and Drug Administration (FDA) e a agência possui regras rigorosas sobre a promoção do uso desses produtos contra vírus ou a menção de organismos específicos pelo nome. A própria Gojo Industries recentemente entrou em conflito com essas mesmas regras.
Nos últimos dois anos, o Purell estava sendo comercializado no site e nas mídias sociais como uma defesa contra a gripe, norovírus e até Ebola. A agência reguladora enviou à Gojo uma carta de aviso em 17 de janeiro de 2020, exigindo que a empresa parasse de comercializar seus desinfetantes para as mãos com argumentos sem fundamento.
“O FDA atualmente não tem conhecimento de estudos adequados e bem controlados que demonstrem que matar ou diminuir o número de bactérias ou vírus na pele em determinada magnitude produz uma correspondente redução clínica na infecção ou doença causada por tais microrganismos”, dizia o aviso. Como resposta, a Gojo atualizou suas ações de marketing.
A companhia foi fundada em 1946 por Goldie e Jerry Lippman. Durante a Segunda Guerra Mundial, Goldie trabalhou como supervisora em uma fábrica de borracha em Akron, Ohio, que fabricava botes salva-vidas e outros produtos. No final de cada turno, ela notava que os trabalhadores tinham dificuldade em limpar o grafite e as manchas de carbono das mãos e mergulhavam seus braços em produtos químicos agressivos como querosene e benzeno. O casal decidiu então criar um produto melhor e lançou a Gojo (uma combinação de seus primeiros nomes). Eles trabalharam com um professor de química da Kent State University para desenvolver o primeiro limpador de mãos da marca.
No início, Jerry misturava lotes no porão e enchia frascos de picles que eram vendidos no porta-malas do carro. Goldie cuidava das matérias-primas. Alguns dos primeiros clientes da Gojo foram mecânicos e oficinas de automóveis: qualquer empresa que lidasse com óleo, graxa e outros produtos químicos difíceis de remover. O limpador de mãos se tornou tão popular que os clientes da Gojo reclamaram porque os funcionários enchiam baldes na hora do almoço para levar para casa. Em 1952, Jerry inventou e patenteou uma embalagem que liberava apenas uma porção do produto de cada vez, o que aumentou ainda mais as vendas.
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Goldie morreu em 1972. O casal nunca teve filhos, então Jerry escolheu seu sobrinho Joe Kanfer, como o novo presidente da Gojo. Kanfer cresceu na sede da companhia, misturando produtos e vendendo.
Em 1988, a Gojo inventou o que se tornaria seu produto de maior sucesso: o Purell, um limpador de mãos sem água à base de álcool etílico. Mas levou anos para que o produto se tornasse o desinfetante para as mãos favorito da América. Segundo a revista “New Yorker”, o primeiro grande cliente da Purell foi a rede de supermercados Wegmans, no interior de Nova York. No início dos anos 1990, a varejista instalou distribuidores em toda a loja para uso do produto por funcionários e clientes.
John Nottingham, cuja empresa Nottingham Spirk ajudou a Gojo a desenvolver a marca, o logotipo e a embalagem do Purell, diz que antes do produto entrar com sucesso no mercado consumidor em 1997, era apenas mais um. Porém, no final da década, depois que a Nottingham Spirk sugeriu que a Gojo empacotasse seu desinfetante em uma garrafa de plástico transparente e acrescentasse bolhas à fórmula, o que lhe dava uma “estética atraente, fresca e limpa”, o produto começou a ganhar força. “O Purell foi um divisor de águas e mudou o comportamento do consumidor”, diz Nottingham. “Tornou-se um produto popular.”
Mas talvez o maior momento para o Purell tenha ocorrido em 2002, quando os Centros de Controle de Doenças reescreveram suas diretrizes de higiene da saúde após uma série de estudos que mostraram que os limpadores de mãos à base de álcool eram mais eficazes na prevenção da transmissão de patógenos do que água e sabão para os profissionais de saúde. Com esse endosso, a marca se expandiu rapidamente no mercado de assistência médica e, mesmo antes do susto do coronavírus, era quase onipresente nos consultórios, hospitais, quartéis e escolas.
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Jerry morreu em 2005 e, dois anos depois, a filha de Kanfer (a mais velha de quatro filhos), Marcella Kanfer Rolnick, tornou-se vice-presidente da empresa. Kanfer Rolnick, que cresceu no negócio e trabalhou na produção dos dispensadores, no laboratório de microbiologia e na pesquisa e desenvolvimento de mercado, assumiu o papel de seu pai como presidente executivo em maio de 2018.
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