Grandes fortunas vêm, invariavelmente, acompanhadas de necessidades complexas e extremamente burocráticas: a gestão de patrimônios muito grandes e diversificados, a administração de imóveis e bens móveis, a contabilidade insana, as idiossincrasias do staff, problemas de governança dentro da empresa e da própria família, o planejamento societário, sucessório, tributário…
Os problemas parecem não ter fim, mas têm solução. André Benchimol, sócio fundador do family office paulistano G5 Partners, define o negócio como um “hub de soluções”. “Esse tipo de negócio nasceu nas grandes e afortunadas famílias, como os Rothschild, por exemplo, que, por uma extensa necessidade de serviços especializados, começaram a formar um time de especialistas com o único objetivo de resolver todas essas necessidades e burocracias”, explica ele.
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Benchimol acrescenta que o family office é capaz de dar todo o auxílio possível para a gestão de patrimônios colossais com a vantagem de, por não ser vinculado a nenhuma instituição financeira, manter a máxima transparência e envolvimento na prestação do serviço. “No nosso caso, nem na hora de remunerar o nosso próprio serviço permitimos um conflito de interesses. Trabalhamos apenas com a taxa de administração 100% paga pelo cliente.” Segundo ele, nenhum rebate (comissão) é retido, e todo o resultado dos investimentos retorna para o cliente.
TEMPOS DE COVID
Uma das vantagens de se ter a riqueza administrada por um family office é o “olhar do todo”. Pode acontecer de uma família não ter todo seu patrimônio gerido por uma empresa do tipo, mas eles certamente irão olhar para tudo o que a família teve e tem, fez e faz, de modo a ter maior noção das vantagens e dos riscos dos investimentos que indicarão na gestão daquela parte do patrimônio que lhes foi conferida.
Em tempos de crise como a atual, essa capacidade de visão – incluindo agora um ainda mais aguçado “olhar para fora” – é crucial para as estratégias de proteção patrimonial. “A todo instante analisamos o mercado como um todo. Por exemplo: por que as pessoas perderam tanto dinheiro com a queda da bolsa em março? Porque estavam excessivamente compradas em risco, sem saber. Como mantemos uma visão a longo prazo, conseguimos criar oportunidades sólidas mesmo no meio da crise”, garante Benchimol.
A G5 abriu as portas em 2007 com menos de dez funcionários no time. Hoje são mais de 80 fazendo a gestão de R$ 13 bilhões de 200 famílias, média de R$ 65 milhões por família – o patrimônio sob gestão de cada uma delas varia bastante, sendo que o mínimo para entrar no portfólio da G5 é de R$ 10 milhões, valor relativamente baixo quando comparado a outros family offices. “Eu adoraria prestar esse serviço para uma gama ainda maior de clientes, com patrimônios menores, mas chega um ponto em que fica inviável para o cliente, em termos de custos, ou para nós, em termos de receita. Se eu taxar um patrimônio pequeno com o mesmo percentual que eu taxo um patrimônio grande, ficaria caríssimo para o cliente; se eu diminuir o percentual, nós é que não temos receita”, analisa.
A Tera Capital, outro family office de São Paulo, aplica estratégia oposta. Segundo a sócia Juliana Pagetti, o modelo é quase um “serviço boutique”. Eles atendem somente 14 famílias, reunindo um total de R$ 6 bilhões sob gestão (média de R$ 430 milhões por família). “Não é um modelo escalável, mas queremos mantê-lo assim, com poucos e bons relacionamentos”, afirma. Segundo ela, o fato de manter um portfólio mais reduzido permite que os cinco sócios da Tera estejam diariamente envolvidos nas questões das famílias que estão sob seus cuidados.
Assim como a G5, a Tera não tem como foco os serviços de concierge, ou seja, aqueles referentes ao dia a dia pessoal dos clientes. A empresa tem três fundos proprietários, que integram uma parcela pequena da carteira dos clientes e que servem de balizadores de estratégias para a gestão dos ativos.
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A Sonata, por sua vez, atua de modo diferente dos dois anteriores. Nasceu do projeto de conclusão de curso de Camila Magalhães quando ela se formava na faculdade, há dez anos. O plano era construir uma estrutura que tivesse por objetivo atender mulheres e seus patrimônios. Durante dez anos, foi um escritório constituído apenas por mulheres, o que começou a mudar há poucos meses, desde que o primeiro homem passou a integrar o time.
Camila conta que, apesar desse direcionamento, a ideia não é levantar nenhuma bandeira de gênero, mas explorar um segmento de mercado pouco atendido. Mesmo assim, 40% dos atuais clientes são homens. O escritório atende 20 famílias, com um patrimônio total sob gestão de R$ 3 bilhões (média de R$ 150 milhões por família). “Nossa porta de entrada é o investimento, a carteira de aplicações financeiras, mas lidamos com algo bem maior que isso. Levamos muito a sério as finanças comportamentais, aquilo que foi feito ao longo da construção do patrimônio da família, qual é o jogo de relações daquela família, quem toma as decisões, qual é o espaço que as gerações de cima dão às gerações de baixo… Acabamos ajudando em muitas outras áreas da vida dos clientes, que não se limitam à gestão financeira.” Quase como uma extensão daquela própria família, segundo a fundadora.
OLHAR PARA O FUTURO
Tatiana Abrahão, também sócia da Tera, conta que muitos clientes aparecem com situações e necessidade diversas, principalmente questões ligadas a governança e sucessão. Em situações como essas, é comum que o family office busque soluções junto a escritórios de advocacia e outros profissionais especializados em tais demandas. Sucessão, aliás, é um tema que costuma representar um momento complexo e conturbado nos negócios e no âmbito pessoal da família, pois geralmente envolve a perda de um ente. É um processo juridicamente longo e burocrático. Quanto maior o patrimônio, maiores são as chances de haver disputas e rupturas entre herdeiros. Isento de conflitos de interesses, um family office pode desempenhar papel decisivo na defesa do futuro desse patrimônio: seus especialistas conhecem não só a procedência da riqueza em sua totalidade como as interações e a dinâmica familiar. “Em certas situações, podemos intermediar uma assessoria de governança que irá orientá-los e direcioná-los em todos os aspectos, para que não haja nenhuma ruptura, para que se mantenha a unidade, para que se chegue ao consenso de como o patrimônio vai ser gerido, quem vai assumir a empresa, quem tomará as decisões econômicas e quem terá o poder político na organização.”
Um family office, por fim, não existe apenas para garantir o status quo atual de uma família. Existe para garantir a preservação daquela riqueza por muito tempo. “As famílias que procuram por um family office em geral não estão querendo passar de multimilionárias a bilionárias”, acredita Benchimol. “Seu objetivo é a manutenção do patrimônio para as futuras gerações.”
O SEGREDO DOS BILIONÁRIOS PARA ENFRENTAR A TEMPESTADE
POR OLLIE WILLIAMS
Os single-family offices – empresas financeiras criadas para controlar os ativos das pessoas mais ricas do mundo – vêm ganhando muito dinheiro durante a pandemia de coronavírus.
Mais de três quartos (76%) desses family offices dedicados a uma única família disseram que suas carteiras tiveram desempenho de acordo com as expectativas ou mesmo acima delas este ano, até o momento, segundo o Relatório Global sobre Family Offices do banco suíço UBS.
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Apenas 13% deles perderam dinheiro durante as piores semanas da pandemia de coronavírus, e a maioria destes já recuperou essas perdas. Alguns tomaram dinheiro emprestado entre março e maio para tirar proveito de negócios a preços convidativos, de acordo com o UBS.
Beneficiado pela pandemia, Josef Stadler, diretor do Departamento Global de Family Offices da UBS Global Wealth Management, afirma: “Esperamos ver grandes mudanças nos próximos meses”. Segundo o relatório, é para ações e imóveis que o dinheiro deles deverá ser direcionado agora. Quase metade (45%) disse que compraria mais ouro. Normalmente, somente os riquíssimos contam com um single-family office. Os custos variam, mas a maioria dos consultores diz que é necessário dispor de pelo menos US$ 100 milhões para montar um. A maioria dos proprietários é formada por bilionários.
Em seu relatório, o UBS fez um levantamento com 120 family offices, os quais, em conjunto, cuidam de US$ 142,4 bilhões. No entanto, em relatório do ano passado, a Campden Research estimou que havia 1.700 deles em todo o mundo, a maioria nos EUA, seguidos pela Europa, embora a Ásia esteja se aproximando rapidamente.
Um single-family office pode começar por uma pequena equipe de meia dúzia de funcionários que delegam a gestão do dinheiro a terceiros. Os maiores se assemelham a um banco pessoal, com dezenas ou centenas de funcionários envolvidos em transações multimilionárias em todo o mundo.
Esses single-family offices de grande porte têm “perfil de tipo institucional”, explica Stadler. Seus processos de investimento se assemelham aos dos grandes bancos e eles “aceitam e gerenciam os riscos como nenhum outro investidor”.
No início de julho, o bilionário John Paulson disse estar fechando seu fundo de hedge, o John Paulson & Co., e transformando-o efetivamente em um dos maiores family offices do mundo. Com mais de 100 funcionários, ele passará a gerir apenas o patrimônio pessoal de Paulson, estimado pela Forbes em US$ 4,2 bilhões.
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Com poder financeiro crescente, os single-family offices estão começando a fazer fusões e aquisições dignas de bancos de investimento. Esses “negócios de clube” costumam ser efetuados por vários family offices que agregam seu dinheiro.
Por outro lado, eles podem ser engolidos por seus rivais de maior porte: os multi-family offices. Em abril, quando as bolsas de valores estavam na pior, a Stonehage Fleming, maior multi-family office da Europa, comprou a Cavendish Asset Management, family office da família Lewis.
Contudo, a pior fase da pandemia de coronavírus ainda não passou, e muitos family offices estão reequilibrando às pressas suas alocações de ativos para gerir riscos de longo prazo.
Esses pontos estavam na pauta da 11ª Cúpula Global de Investimentos de Family Offices, em Mônaco. Ela foi anunciada como uma reunião, na última semana de julho, de uma riqueza de US$ 4,5 trilhões. Número que agora já deve estar maior…
Reportagem publicada na edição 79, lançada em agosto de 2020
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