Entre os hábitos que mais agradam o empresário de entretenimento Luiz Calainho e o preparam para um dia movimentado no mundo dos negócios está o banho frio. Sob quaisquer circunstâncias, no inverno ou no verão, a água gelada é sempre presente. “Isso te abre para o mundo e para vida”, revelou em live transmitida pelo Instagram da Forbes Brasil. Se para viver um dia de sucesso é preciso lidar com um choque térmico logo pela manhã, Calainho explica que o mundo está passando agora mesmo pelo seu balde de água fria transformador: a pandemia de coronavírus.
Principalmente na área em que atua, economia criativa, a crise atual protagoniza um grande paradoxo. Shows ao vivo, peças de teatro e lançamentos de cinema foram cancelados por conta do isolamento social, o que podia representar um beco sem saída para o setor. Mas, para o controlador da holding L21 Corp, focada no crescimento do cenário cultural e artístico brasileiro, a Covid-19 acelerou evoluções e deixou um legado otimista para uma das indústrias que mais sofreu durante esse período.
“Primeiro de tudo, o isolamento social fez com que muitas pessoas que não eram muito interessadas em cultura –que preferiam praias, bares e baladas, por exemplo– migrassem para o entretenimento na internet”, diz Calainho. Com isso, uma nova audiência nasceu em meio a busca por uma conexão com distrações na segurança de casa. “O primeiro legado foi o aumento tsunâmico do público consumidor. Tenho duas FM’s que triplicaram de audiência. Isso acontece porque as pessoas mergulharam no mercado cultural e nasceu um interesse exponencial nesse sentido.”
Com mais pessoas interessadas, os conteúdos feitos para internet a partir das lives se encaixaram perfeitamente, e o empresário conta que começou a ser possível quebrar a barreira geográfica e limitadora dos eventos culturais físicos. “Em shows presenciais eu estava limitado a um público de 350 pessoas. Agora, com as lives, eu estou adotando o modelo ‘figital’, uma simbiose entre o digital e o físico. Quando tudo voltar ao normal, eu vou ter essas 350 pessoas e mais 100% de conteúdo em transmissões ao vivo nas redes, o que amplifica minha possibilidade de vendas e público”. Os planos para o futuro são fortalecidos quando as métricas de audiência mostram espectadores espalhados pelo Brasil inteiro, de Manaus a Belo Horizonte.
“O nosso conteúdo era mais no Rio de Janeiro. Alguns estados não têm teatros que comportem o musical da Elis Regina, por exemplo, e com o modelo digital eu consigo chegar a eles”, destaca Calainho, completando que é possível ver a aprovação dessa democratização geográfica da cultura quando se trata de número de vendas. “Em média, estamos vendendo de 600 a 800 tickets de R$ 20 para espectadores no ambiente digital”, o que acaba fazendo das lives, inicialmente gratuitas, um modelo de mercado lucrativo.
Além das vendas em si, o modelo propicia a criação de um perfil de consumidor detalhado capaz de ajudar na distribuição e na propaganda de novos eventos. “Quando faço um show online com 180 mil pessoas assistindo, tenho informações sobre o perfil de cada uma delas. Vou formando um banco de dados que mostra os gostos de cada um”, explica o empresário. Com toda essa transformação de hábitos ocorrida em poucos meses, as empresas do setor se mobilizam para criar uma estrutura para esse mundo figital: captação, plataforma, link dedicado na internet, conexão com a companhia de tickets. “Um conjunto de investimentos que gira em torno de R$ 60 mil.”
Um gasto que é facilmente revertido em lucro quando os patrocinadores observam o imenso ganho de audiência. “As empresas estão entendendo que o público alcançou níveis nacionais. Não é mais algo local ou regional. No cenário da pandemia, o campo da economia criativa sai muito melhor do que entrou”. Na realidade, embora o setor representasse 2,65% do PIB brasileiro segundo últimos dados de 2017, os últimos desafios poderiam representar uma grande tragédia se não fossem as surpresas tecnológicas no meio do caminho.
“Fomos impedidos de fazer o que é nosso melhor ofício: aglomerar pessoas em busca de paixão e alimento para alma”, destaca Calainho, reforçando que isso não fez com que desistissem, mas sim avistassem oportunidades com outros olhos. Para momentos de crise, ele indica: “Olhe em torno de si e pense como grandes enxadristas, que entendem diversas jogadas a frente”.
Com conhecimento de causa, a pandemia não foi seu primeiro contato com essa visão de mundo. Quando era vice-presidente na Sony Music, no final dos anos noventa, começou a perceber algumas mudanças incômodas no setor. Nem seu cargo brilhante e as reuniões em Nova York o faziam parar de contestar a perseguição constante das gravadoras com a internet e sua facilidade em reproduzir músicas gratuitamente. “Nós não vendíamos CDs, vendíamos música. Empresas que revelavam fotos vendiam momentos, não filme e papel”, relembra Calainho, destacando a necessidade de se adaptar ao avanço em vez de lutar contra ele. “Você precisa enxergar o que está acontecendo à sua volta.”
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Como as pessoas à sua volta não estavam tendo a mesma percepção, ele decidiu largar tudo e empreender com o empresário Tutinha Carvalho, lançando um site cultural próprio, o Vírgula. Em plenos anos 2000, no início da explosão da internet, os primeiros meses de negócio não estavam gerando resultados positivos. “Não estava dando certo. Todos falavam que esse negócio de internet não ia fluir. Mas decidimos continuar e, um ano e meio, depois fechamos contrato com o Terra e fomos apenas prosperando.”
Para Calainho, o segredo de tudo isso foi “olhar um pouco adiante e enxergar a capacidade da internet”. Cerca de 20 anos depois, a economia criativa se encontra na mesma encruzilhada. Como diferencial, talvez dessa vez o avanço tecnológico tenha agido rápido demais, literalmente invadindo a casa e a mente das pessoas, que já conhecem seu potencial.
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