Nos sonhos de infância de Erika Linhares estava uma grande e tradicional festa de 15 anos. A transição de menina para mulher, no entanto, fez com que a atual executiva aprendesse muito mais do que dançar valsa ou andar de salto alto – coisas que ficaram apenas no seu imaginário. Com a falência da empresa imobiliária do pai, vieram as primeiras lições de empreendedorismo da jovem mineira.
“Em primeiro lugar, meu pai nunca culpou ninguém pelos seus erros – ele simplesmente deu um passo maior do que a perna e precisou recomeçar. Isso me fez entender que falhar é uma coisa normal”, conta a empreendedora, que atualmente é fundadora da escola de educação corporativa B-Have. Depois do processo de aceitação, veio o esforço para recuperar o que tinha perdido. O pai de Erika montou um novo escritório imobiliário na garagem de casa e recomeçou do zero.
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Mais do que isso: a família inteira precisou apoiar e entender que o sucesso dependia de um trabalho em equipe. “A minha mãe já tinha artrite reumatóide naquela época e não podia ficar sem plano de saúde de jeito nenhum. Ela esqueceu a dor e começou a vender cachorro quente na praça da cidade para ajudar a pagar as contas”, lembra. No centro de Sete Lagoas, em Minas Gerais, Erika aprendeu, com a atitude da mãe, a ser resiliente, termo tão em voga nos dias de hoje. “Não era o que ela queria fazer da vida, mas, mesmo assim, fazia o melhor cachorro quente do mundo. Até hoje, quando vou visitá-la, peço para cozinhar um para mim.”
Com exemplos tão sólidos dentro de casa. Erika não quis ficar de fora. Enquanto seus três irmãos mais novos se dividiam vendendo talão de estacionamento nas ruas, ela decidiu ser sacoleira. Viajava com frequência para São Paulo e, na Rua 25 de Março, berço do tradicional comércio popular da cidade, comprava os itens que revendia na sua cidade natal. “Minha família foi a primeira equipe que eu tive na vida. Nos unimos para sair de casa e ganhar dinheiro”, relembra com orgulho.
Aos 19 anos, Erika deixou a vida de sacoleira para ingressar na faculdade de pedagogia e trabalhar na prefeitura de Sete Lagoas. “Na realidade, eu não queria ser pedagoga. Minha vontade era cursar psicologia, mas eu não queria abandonar minha família naquela época e só tinha pedagogia e direito na minha cidade”, conta. Assim como sua mãe, que realizava com maestria qualquer trabalho, a então estudante decidiu que faria o melhor possível – ainda que a realidade da época não combinasse com seus planos.
“Meu lema era: se é para fazer, vou fazer bem feito.” E, enquanto cumpria seu estágio na prefeitura, aprendia e exercitava o dom de ensinar durante as aulas na universidade. Aos 22 anos, decidiu que, apesar dos elogios recebidos no trabalho, era hora de deixar o setor público. “Meu pai me ensinou a não reclamar, e sim recomeçar. Então eu fiz isso. Participei de alguns processos seletivos e consegui uma vaga na TIM como atendente de loja.” Neste ponto, uma nova história começa, em direção à diretoria de uma das maiores empresas de telefonia do país.
DE R$ 350 POR MÊS À DIRETORIA NACIONAL
Ao longo de 13 anos, Erika subiu degrau por degrau até chegar à diretoria nacional da telefônica. “As coisas na vida não são apenas sorte. Eu sempre fiz a leitura de tudo que acontecia à minha volta. A gente não pode achar que o mundo gira ao nosso redor. Temos problemas, coisas das quais não gostamos, mas precisamos ter tolerância e trabalhar pelas estratégias e objetivos da empresa.” Além do engajamento, a empreendedora revela outro grande diferencial do seu trabalho. “Eu sempre gostei de pessoas, sou apaixonada por gente. Por meio de uma boa gestão, eu gerava bons resultados e, consequentemente, crescia na empresa. Quando você ajuda as pessoas, elas ajudam você também.”
Longe de ser uma coincidência, o sucesso de Erika na gestão está diretamente relacionado à sua formação em pedagogia. O que antes era um curso que não despertava interesse, tornou-se a base da sua carreira. “Eu não seria o que sou hoje sem a pedagogia. Foi na graduação que eu aprendi a educar e cuidar das pessoas. Quando eu via que alguém não estava produzindo bem, a última coisa que eu pensava era em demiti-la. Eu queria desenvolvê-la profissionalmente. Enxergava a necessidade de uma educação corporativa.”
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Foi assim que ela começou a ensinar os seus times a trabalharem em equipe, assim como inovar e agregar valor em toda e qualquer atividade. “Quando falo de educação corporativa, não estou me referindo a softwares e ferramentas tecnológicas. O foco é comportamental e eu falo disso há 20 anos, antes de batizarem o tema como soft skills”, diz a executiva. O insight foi mais do que valorizado. Com o sucesso de seu trabalho, além de ser promovida, Erika teve a oportunidade de morar e trabalhar em diversos lugares do mundo, como Brasília, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo, e até na Itália, onde a TIM foi fundada.
Competitiva e ambiciosa, Erika diz que procurou fazer sempre o melhor – e isso a levou ao crescimento profissional. “A competição é algo meu, que não vem da comparação com ninguém. Apenas deito a cabeça no travesseiro à noite e penso: como eu posso ser melhor do que hoje?”. Ao chegar ao topo, no entanto, ela descobriu que queria mais.
A REVOLUÇÃO DOS 40 ANOS
Quando começou a trabalhar, Erika tinha uma meta de vida: “Aos 40 anos, eu iria me aposentar e morar em Portugal”, lembra, rindo. Quando chegou na idade tão esperada, ela até tinha dinheiro para concretizar o sonho, mas ele já não fazia parte de seus objetivos. “Eu jamais faria isso. Estava cheia de energia, não ia me aposentar.” Isso não queria dizer, no entanto, que ela não mudaria de vida.
“Comecei a pensar no meu legado. Quando você é jovem, tem muito ímpeto, e foi isso que me fez chegar onde cheguei. Mas, aos 40 anos, eu tinha pouco tempo para o meu marido e para minha filha e decidi que era momento de equilibrar as coisas. Sabe o que eu queria? Levar minha filha para escola”, conta. Ao mesmo tempo em que desejava uma rotina mais calma, tinha dificuldades para se desprender da empresa na qual atuava há tanto tempo e que tinha lhe permitido ter conquistado tanto. Desestimulada, viu seu desempenho cair – fato notado pelo seu chefe na época e grande amigo. “Ele me chamou e disse: ‘Você não está mais com o coração aqui. Está na hora de voar’.”
A conversa teve, na prática, duas implicações na vida de Erika: uma borboleta tatuada na costela, como um símbolo daquele momento de liberdade, e a criação da B-Have, em setembro de 2018. “Eu pensei o seguinte: tenho experiência, gerenciei mais de 15 mil pessoas por 20 anos. Também tenho a teoria, sou formada em pedagogia. Além disso, tenho didática, dinheiro e energia. É tudo que eu preciso para montar uma escola de educação corporativa.”
Com um investimento inicial de R$ 350 mil e foco em consultoria de empresas, a B-Have já atendeu, em dois anos, mais de 100 companhias como O Boticário, Banco BMG e Itaú. “Ensinamos os líderes a lidarem com seus funcionários e os funcionários a lidarem com seus colegas de serviço e chefes”, explica. Além disso, a empreendedora faz palestras sobre o assunto pelo Brasil todo, eventos que precisaram ser interrompidos por conta da pandemia do novo coronavírus.
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“Com o isolamento social, tive que exercitar minha veia de resolução de problemas.” A partir da dificuldade, criou soluções: um sistema de cursos online, postagens semanais de vídeos para seus mais de 44 mil seguidores no Instagram e o livro “Gente Feliz não Enche o Saco”, lançado no mês passado pela Best Business, do grupo editorial Record.
A obra conta sua trajetória e dá dicas de empreendedorismo e gestão ao final de cada capítulo. “Com 16 anos, eu decidi que não ia depender de ninguém”, relembra Erika, que cumpriu a promessa após anos de dedicação. Para ela, o impressionante dessa jornada não é o capítulo final, em que alcança a independência sonhada, mas sim o enredo central. “As pessoas só querem saber o final da história, mas nunca o percurso, o que é um paradoxo. Tenho uma certeza: o que nos faz mais feliz é exatamente o caminho.”
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