Sexta-feira, 9 de fevereiro, um dia antes do início oficial do carnaval. O cenário é a Avenida Paulista, sede do Banco do Brasil na cidade de São Paulo. Tarciana Medeiros, presidente do banco, anuncia os resultados recordes em 2023. O lucro foi histórico: R$ 35,6 bilhões, avanço de 11% ante 2022, e um número semelhante ao do Itaú Unibanco, que, em geral, lidera os ganhos do sistema financeiro.
Rodeada pelos vice-presidentes do banco, Medeiros lê uma lista longa de números. Ela interrompe a leitura para um gole de água. E, ao retomar, resume em uma frase as transformações pelas quais o setor está passando. “Essa interrupção para tomar água durou cerca de cinco segundos. Foi tempo suficiente para que o banco processasse 3 mil remessas de dinheiro por meio do Pix”, disse ela.
Em 2023, os clientes do BB movimentaram R$ 3,7 trilhões em 5,2 bilhões de transações com o Pix. Foi um crescimento de 39% ante 2022. E a projeção é um avanço semelhante em 2024. “Somos um banco de varejo e nosso sucesso dependerá da tecnologia, por isso devemos contratar 3 mil profissionais de TI neste ano.”
Siga a Forbes no WhatsApp e receba as principais notícias sobre negócios, carreira, tecnologia e estilo de vida
Três dias antes, em 6 de fevereiro, ocorreu uma cena parecida a poucos quilômetros dali. Em um edifício espelhado e de formato irregular na Avenida Brigadeiro Faria Lima, coração do mercado financeiro nacional, Milton Maluhy Filho, presidente do Itaú Unibanco, também anunciava os resultados de 2023.
Para além do lucro de R$ 35,6 bilhões, semelhante ao do BB, Maluhy tratou da estratégia digital da instituição. Há tempos ele vem testando as águas das fintechs com o Iti, seu banco digital. “Vamos transformar o Iti em uma nova plataforma, que deve entrar no ar no primeiro trimestre de 2024”, disse Maluhy.
“Será um super app, destinado a correntistas e a clientes sem conta corrente, que têm apenas um cartão ou seguro, por exemplo.” Tratado internamente como OneItaú, o app tem objetivos ambiciosos. Pretende oferecer todos os produtos a todos os clientes do banco, de uma maneira customizada. “É o nosso projeto mais promissor para a pessoa física.”
Parece que estamos sendo repetitivos, mas vale a pena trazer apenas mais um exemplo. Um dia depois do Itaú, foi a vez de o Bradesco anunciar seus resultados. Ao contrário do arquirrival, seus números foram ruins devido ao aumento da inadimplência.
O banco foi obrigado a elevar as provisões contra devedores duvidosos, o que reduziu o lucro do trimestre em R$ 1,3 bilhão. O mercado não gostou: as ações recuaram cerca de 15% após a divulgação. O Bradesco tem alguns desafios pela frente. Precisa melhorar sua rentabilidade e se tornar mais eficiente.
Ao comentar os números, Marcelo Noronha, o CEO que assumiu no fim de 2023, tratou extensivamente de um novo plano estratégico. Os resultados do varejo são mais do que táticos. A divisão que cuida deles será dividida, com a criação de uma área denominada Negócios Digitais.
“Não pretendemos concorrer com o Elon Musk e mandar foguetes para a Lua ou para Marte, mas vamos reforçar nossa competitividade tecnológica”, disse Noronha. “Vamos recrutar de 3 mil a 4 mil profissionais de TI ainda neste ano para acelerar várias iniciativas que já existem e criar outras. A ordem é acelerar na tecnologia.”
Ataque digital
Cautelosamente, como é de seu feitio, os grandes bancos de varejo estão contra-atacando as iniciativas tecnológicas que vêm querendo fatias cada vez maiores de seus negócios. Menos de três anos atrás, em dezembro de 2021, a abertura de capital do Nubank na Bolsa de Nova York parecia ser o princípio do fim para os grandes bancos de varejo.
Baseados no modelo tradicional de agências físicas e relacionamento baseado em pessoas, os gigantes eram vistos como incapazes de competir com as fintechs e com o que se convencionou chamar de “neobancos” – instituições financeiras apoiadas quase que totalmente em meios digitais, sem agências e com pouquíssimas pessoas.
O Nubank é um exemplo. Lançado em 2013 oferecendo apenas um cartão de crédito, o banco disse ser a quarta maior instituição financeira no Brasil em número de clientes. Em dezembro de 2023 o banco informava atender 85 milhões de clientes no país, além de ter fregueses no México e na Colômbia. “Incluímos 21,6 milhões de pessoas no sistema financeiro nos últimos 10 anos”, informou o banco por e-mail.
Outro concorrente respeitável no cenário digital é o Inter. Como a instituição financeira se define como um “super app”, a palavra “banco” foi apagada (ou melhor, deletada) da logomarca. Lançado em 2015, o Inter tem uma história bem mais longa. Nasceu em Belo Horizonte em 1994 como Intermedium, instituição financeira ligada ao grupo imobiliário MRV. Duas décadas depois, a família Menin decidiu colocar várias fichas em uma instituição financeira digital.
O Inter tem vários pioneirismos. “Fomos o primeiro a criar uma conta corrente 100% digital e gratuita, o primeiro banco digital a abrir capital na B3 e o primeiro a criar um marketplace próprio integrado a uma conta corrente”, disse Priscila Salles, diretora de clientes do Inter. E qual é o potencial do mercado? “O Brasil tem mais de 200 milhões de habitantes e, para nós, todos eles são clientes em potencial”, afirmou. Otimismos à parte, o banco informa ter 30 milhões de clientes e o objetivo de dobrar esse número até 2027, chegando a 60 milhões.
Novas fronteiras
Em princípio, parece não haver muita diferença entre um banco digital que funciona à base de aplicativos de celular e um banco tradicional cujo app está na ponta dos dedos do cliente. As instituições financeiras de varejo estão cada vez menos dependentes de recursos físicos. Pense bem: quando foi a última vez que você pagou uma conta em uma agência bancária? No entanto, há algumas grandes diferenças entre os “neobancos” e fintechs e os gigantes de varejo.
A primeira delas é a própria tecnologia. Há pelo menos 10 anos, os bancos de varejo afirmam religiosamente, em todas as divulgações de resultados, que estão avançando na migração digital, de modo a colocar suas transações “na nuvem”. Em português, processar os milhões de transações do dia a dia em computadores de terceiros, sem depender dos caros (e antigos) servidores próprios.
É um processo longo e difícil, apesar de os bancos no Brasil serem sinônimo de tecnologia. Não é exagero. O segundo computador a aportar no país chegou em 1962. E, até alguns anos atrás, poderia ser visto na entrada do edifício da presidência do Bradesco, na Cidade de Deus, em Osasco (SP).
Décadas de inflação elevada, trocas de moedas e mudanças abruptas de regras devido aos planos econômicos transformaram os sistemas dos bancos em algo complicado, mais ainda devido às exigências do Banco Central (BC).
A consequência é que muitos dos servidores dos bancos são autênticos tratores. Robustos e capazes de enfrentar qualquer terreno. Porém, agora a economia brasileira está mais estável e previsível. Para manter a comparação automotiva, as estradas de terra deram lugar a vias asfaltadas. Assim, os sistemas precisam ser mais ágeis e flexíveis, algo que só se consegue migrando para a nuvem.
Desregulamentação
A segunda diferença, essa valendo mais para as fintechs do que para os bancos digitais propriamente ditos, são as mudanças na regulamentação realizadas pela autoridade monetária. O objetivo foi posto em movimento em 2017, na gestão de Ilan Goldfajn à frente do BC. Apelidado “BC+“, o projeto teve várias iniciativas para aumentar a concorrência no setor e reduzir os custos para o cliente.
Algumas já fazem parte da paisagem. Por exemplo, o Open Finance, que obriga os bancos a compartilhar as informações do cliente e facilita às fintechs atrair os fregueses mais promissores, e o próprio Pix, que reduziu drasticamente os gastos com tarifas. Essas mudanças reduziram as barreiras de entrada. Armados de tecnologia, capital e apetite pelo risco, empresários podem se aventurar em um oceano antes reservado aos gigantes.
É o caso do Agibank. Segundo Marciano Testa, fundador e presidente do Conselho, o banco busca clientes que interessam menos aos concorrentes tradicionais. “Metade da população brasileira possui renda baixa, ao redor de R$ 1,5 mil por mês”, disse ele. “Essas pessoas não são nativas digitais, vivem em periferias e nas cidades mais pobres do país – e, em geral, são mais velhas.”
Por que atender esse público, então? “É a parcela da população que mais vem crescendo, ela aumenta cinco vezes mais depressa do que a população economicamente ativa”, disse Testa. “Apesar dos desafios, essa realidade traz muitas oportunidades para o nosso negócio.” O Agibank mescla tecnologia com 900 “smart hubs”. Mas pode chamar de quiosque mesmo: postos de atendimento que oferecem conectividade e funcionários treinados para ensinar as brasileiras e os brasileiros menos jovens a se entender com o mundo digital.
O contra-ataque
Como os bancões estão reagindo a isso? Em parte, eles vêm usando o poder econômico que já têm. O Bradesco, por exemplo, soma 71 milhões de clientes e correntistas. Se fosse um país, o banco, fundado por Amador Aguiar em 1943, seria o 21º mais populoso do mundo. Ficaria à frente de Grã-Bretanha, França e Itália. Com tanta gente já conhecida, fica mais fácil vender produtos e serviços.
Há duas iniciativas digitais em andamento há vários anos. Uma delas é o Next, que nasceu como fintech, só que incubada e desenvolvida dentro do Bradesco. “Funcionamos como um laboratório”, disse Curt Zimmermann, executivo à frente do Next. “Testamos as ofertas de produtos para segmentos da base de clientes, para ver o que funciona melhor com qual público.”
Outra iniciativa do Bradesco é o Digio. O banco nasceu com uma proposta muito específica, a de trabalhar com as fintechs. “O Digio fornecia capital para as fintechs que concediam crédito, não era muito diferente de financiar as promotoras de crédito consignado que têm lojas de rua”, disse Carlos Giovane Neves, diretor-presidente do banco.
Em 2017, a concorrência se acirrou, as margens caíram e o Digio mudou sua atividade. “Hoje funcionamos como uma aceleradora do Bradesco”, disse Neves. “Ganhamos a conta do Uber no Brasil e colocamos a operação em pé em quatro meses”, afirma. “Seria muito difícil para um banco tradicional conseguir isso em tão pouco tempo, devido à complexidade dos sistemas.”
O banco vem se especializando em produtos como a antecipação de saques do FGTS, uma forma de empréstimo garantido pelos recursos do Fundo de Garantia. É um produto voltado para a baixa renda.
Assim, a conta só fecha se o custo for baixo. Neves sabe disso. “Bancos digitais conseguem ser competitivos em locais remotos, onde, em geral, só há bancos públicos e é mais difícil tornar rentável a atividade de um banco tradicional.”
Custo também é a chave da estratégia do Banco do Brasil. Boa parte dos resultados encorpados de 2023 veio das operações de varejo, em especial os empréstimos consignados. “Temos 11 milhões de proventistas”, disse a presidente, Tarciana Medeiros, referindo-se aos clientes do consignado.
Esse negócio só tende a crescer. “Somos os banqueiros do governo federal, de 14 estados, de nove capitais e de mais 1.600 municípios”, disse ela. Resumindo os números: 80 milhões de clientes em potencial, incluindo servidores, familiares e aposentados. “A combinação entre nossa enorme rede física e os meios digitais vai tornar essa operação rentável”, afirmou.
É um fato que os bancos digitais morderam os ganhos dos gigantes de varejo fundo o suficiente para que a dor fosse sentida nas salas da diretoria (e nos preços das ações). Porém, é precipitado comparar os gigantes do varejo a dinossauros, condenados à extinção.
Eles têm enormes reservas de capital financeiro e humano e mantêm relacionamentos sólidos com dezenas de milhões de clientes, tanto pessoas quanto empresas. A concorrência das fintechs fará sua atividade mudar. Porém, o mercado é grande e ainda não foi totalmente explorado. Ou seja, entre bancos e fintechs, é possível ficar com os dois.
(Reportagem publicada na edição 116º da Revista Forbes, acessível no aplicativo na App Store e na Play Store, no site da Forbes e na versão impressa)