Dizem que uma das últimas frases ditas pelo ator norte-americano Humphrey Bogart, imortalizado pelo filme Casablanca, antes de morrer foi: “Eu jamais deveria ter trocado o scotch por martínis.” Já o primeiro-ministro britânico Winston Churchill também costumava comentar que “a água não era boa para beber e, para torná-la palatável, adicionava uísque. Por esforço diligente, eu aprendi a gostar.” Sem papas na língua, o lendário ator hollywoodiano Errol Flynn, protagonista de longas como As Aventuras de Robin Hood (de 1938),
admitia que sua predileção era por mulheres jovens e uísques envelhecidos.
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O destilado, como bem disse Vinicius de Moraes, tem se mostrado o melhor amigo do homem, o cachorro engarrafado. Ao longo da história e nos mais diferentes meios, o uísque tem estado presente nas obras de escritores como Rubem Fonseca, em cenas de filmes e séries como 007 (Skyfall) e House of Cards, em situações recorrentes do universo capitalista das fusões e aquisições e também nos ambiciosos projetos de fabricantes japoneses e indianos que, há décadas, tentam desbancar a Escócia, o berço da bebida, com suas criações. Muitas delas bem-sucedidas, é verdade, mas nenhuma autorizada a ser chamada de scotch.
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Há mais regras e leis em torno da denominação do que se imagina. Para ser considerado um autêntico scotch whisky é mandatório que ele amadureça em barris de carvalho por pelo menos três anos em território escocês. Estima-se que, no momento, existam por volta de 20 milhões de barris amadurecendo em armazéns escoceses. Isso não significa, no entanto, que passado esse período, a bebida seja engarrafada. As destilarias mais premium aguardam um tempo muito maior antes de engarrafar suas bebidas e enviá-las ao mercado.
FORBES Brasil foi à Escócia conhecer um pouco mais dessa história. Veja na galeria de fotos:
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A vedete dos scotchs, hoje, é o single malt, produto proveniente de uma única destilaria, feito exclusivamente de cevada maltada e com características da região onde foi produzido. Das marcas escocesas que hoje atuam nesse nicho de mercado, uma das mais antigas e de maior prestígio é a The Macallan, fundada em 1824, às margens do Rio Spey, na região de Speyside, no nordeste do país.
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O negócio que começou pequeno, fornecendo à vizinhança um single malt que rapidamente alcançou fama por sua qualidade, hoje pertence ao Edrington Group, com sede em Glasgow e dono de outras marcas de uísque como The Famous Grouse, Cutty Sark e Highland Park, além de rum e vodca em seu portfólio. De todos os seus rótulos, o The Macallan é o que mais aparece nas listas globais dos melhores, mais premiados e também mais caros single malts do mundo. A destilaria quebrou duas vezes o próprio recorde na venda do uísque mais exclusivo do globo. Em 2010, uma versão de 64 anos acondicionada em um decânter de cristal Cyre Perdue da francesa Lalique foi vendida por US$ 460 mil para um texano, em um leilão conduzido pela Sotheby’s, em Nova York, com menção no Guinness Book of Records. No ano passado, um Macallan “M” Decanter, versão Imperial de 6 litros, foi arrematado por um colecionador particular asiático por US$ 628.000, em novo leilão da Sotheby’s.
Mas o que faz da Macallan uma marca diferenciada? Em visita à destilaria, FORBES Brasil conheceu praticamente todos os processos de produção da bebida, desde a chegada da cevada até a destilação e processo de amadurecimento nos barris de carvalho. Chama a atenção o uso de destiladores de cobre com formato pequeno, cujo intuito é ajudar na concentração do sabor antes do processo de “repouso” da bebida, em barris de carvalho. Se a lei escocesa pede três anos de armazenamento do scotch em barris de carvalho, a Macallan mantém a bebida por um período de dez anos, no mínimo. Hoje, a casa tem 240 mil barricas de uísque de diferentes idades.
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Uma rápida visita à loja da Macallan revela uma infinidade de rótulos propostos pelo whisky maker Bob Dalgarno, desde 2000 na posição e um workaholic assumido, que fala com naturalidade em ir trabalhar aos sábados e domingos, por opção, e que cria destilados cada vez mais exclusivos, como é o caso do Rare Cask. Para produzir essa versão da bebida, Dalgarno selecionou a dedo apenas 16 barris de carvalho jerez de diferentes tamanhos e bodegas, dentre seu inventário de mais de 240 mil unidades. Ou seja, ele próprio admite que jamais conseguirá produzir outro single malt igual.
Produtos assim mais exclusivos e limitados só são possíveis de se adquirir na Escócia. A boa notícia é que algumas garrafas de Rare Cask devem ser enviadas ao Brasil em 2016.
Enquanto essa edição especial e limitada não desembarca no país, a grande vedete da Macallan em solo nacional é a linha 1824 Series, composta pelos rótulos Amber, Sienna e Ruby, que é amadurecida exclusivamente em barris de jerez. Ou seja, barris de carvalho (americano e espanhol) outrora preenchidos por vinhos de Jerez (Espanha) que ali amadurecem por alguns anos.
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Ao final desse estágio, após o vinho ser retirado, é que o destilado recém-elaborado é inserido. Os barris irão proporcionar boa parte dos aromas e sabores encontrados em The Macallan, além de trazer, naturalmente, sua coloração. O Amber traz aroma floral, cítrico e nuance, enquanto o Sienna traz uma cor alaranjada com uma sutil nota de baunilha. Já o Ruby, o mais escuro de todos, traz aroma de frutas secas e melaço, com paladar intenso de gengibre, noz-moscada, uvas-passas e laranjas cristalizadas.
No meio da visita, os destiladores repetem inúmeras vezes o termo “angel’s share”, referente à quantidade de álcool que evapora dos cascos durante o processo de maturação. Esse percentual gira em torno de 2% ao ano, mas pode ser superior em países mais quentes. E não só dos cascos. Quem visita o The New Scotch Whisky Experience, um complexo que abriga museu, loja e restaurante em Edimburgo, fica duplamente surpreso ao pisar na sala que reúne uma das maiores coleções de uísque do mundo, outrora pertencente ao brasileiro Claive Vidiz, que vendeu suas 3.884 garrafas (cheias, diga-se de passagem) para a Diageo, de modo a instalar o museu. São inúmeras prateleiras e incontáveis formatos e rótulos de garrafas, muitas delas antiquíssimas, pertencentes a edições históricas limitadas e raríssimas. A segunda surpresa é a percepção de que o líquido parece desaparecer ou baixar de algumas embalagens. O guia garante, em tom de brincadeira, que ninguém bebeu. Foi, na verdade, o anjo. Ou melhor, a parte do anjo, como brincam os escoceses.
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As origens da bebida remontam ao início no século 15. Os primeiros registros de destilação em terras escocesas datam de 1494. Registro do Tesouro Público descreve a venda de 500 quilos de malte para um frade que produzia o chamado uisge beatha (água da vida). Isso talvez explique o fato de o país ter se transformado em sinônimo da bebida. Não por acaso, o autêntico destilado escocês vende três vezes mais que qualquer outro uísque, seja qual for sua nacionalidade. O scotch responde por 1/4 de toda exportação de alimentos e bebidas do Reino Unido. Basta conversar com qualquer produtor para ouvir, com todo orgulho, que um ano de venda do conhaque francês equivale a um mês de giro do scotch em território francês.
Para entender o apelo — e também a magia — em torno da bebida, é preciso conhecer a Escócia. A vista aérea e as viagens de carro pelas inúmeras e quase desabitadas estradas das regiões produtoras dão pistas de que toda aquela vegetação e o clima que transita do ameno para o frio são o cenário ideal para o cultivo da cevada e obtenção da mais pura água.
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Atualmente, o país tem por volta de 115 destilarias distribuídas em cinco regiões — Highlands, Lowlands, Speyside (50% delas concentram-se aqui), Islay e Campbeltown — e responsáveis por exportar £ 3,95 bilhões em 2014 —, 7% a menos que no ano anterior, por conta da crise global. As quedas, no entanto, não afetaram o single malt, um produto em ascensão entre os consumidores. Aliás, os maiores bebedores mundiais de uísque per capita, com 2,14 litros por habitante por ano, são (pasme) os franceses, segundo maior produtor mundial de vinho. Na sequência, vêm o Uruguai, os Estados Unidos, a Austrália e a Espanha. O Brasil aparece em 29º lugar no ranking, com 240 ml por ano, segundo levantamento do site de estatísticas Statista – ou seja, em média, o brasileiro consome dez doses anuais, já contabilizando o clássico “chorinho”. Já os mercados crescentes com mais sede pelo destilado são Taiwan, Índia e Emirados Árabes.
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A Macallan orgulha-se em dizer que apenas 16% de tudo que sai de seus alambiques é levado aos barris para o amadurecimento. Ou seja, somente a parte mais nobre da produção, que ela diz ser mais rica em aromas e sabores, é utilizada no processo seguinte da produção do single malt. É o que ela chama de finest cut, a porção de bebida selecionada após o processo de destilação. E seus barris de carvalho são parte imprescindível no processo de confecção do scotch. A empresa leva tão a sério o assunto que tem um especialista da própria destilaria (Master of Wood) focado na escolha das melhores madeiras do mundo. Até porque a marca não utiliza nenhum tipo de corante artificial para dar coloração ao seu scotch. A cor é consequência da interação do destilado com as madeiras usadas.
Embora a demanda por single malt seja crescente em vários mercados do mundo, seu consumo no Brasil ainda é baixíssimo. Ele responde por apenas 0,3% de todo uísque vendido. Nesse ponto, o mercado mexicano é 20 vezes maior. Para se preparar para as demandas futuras, a The Macallan está investindo £ 125 milhões na construção de uma nova destilaria, que deverá ser inaugurada na primavera de 2017. A imprensa escocesa tem chamado seu estilo arquitetônico de Teletubbies, já que, pelo projeto, a destilaria terá telhado ondulado coberto de grama e vista para as colinas, exatamente como no cenário do programa infantil de mesmo nome.
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A capacidade instalada deverá subir de 10,2 milhões de litros por ano para 15 milhões de litros/ano. “Esse aporte representa um novo e emocionante capítulo para a história da Edrington e um grande passo no compromisso de liderar o mercado premium de destilados”, afirmou o CEO Ian Curle, durante o anúncio no final de 2014. É lá que o whisky maker da marca dará vazão a suas novas ideias. Ele promete, quem sabe, produtos que poderão quebrar paradigmas e surpreender paladares.
A vedete dos scotchs, hoje, é o single malt, produto proveniente de uma única destilaria, feito exclusivamente de cevada maltada e com características da região onde foi produzido. Das marcas escocesas que hoje atuam nesse nicho de mercado, uma das mais antigas e de maior prestígio é a The Macallan, fundada em 1824, às margens do Rio Spey, na região de Speyside, no nordeste do país.