Não são poucos os argumentos em defesa de pesquisas mais sérias sobre as drogas alucinógenas. Há quem diga até que já existem evidências anedóticas suficientes para concluir que o LSD, quando utilizado em “microdoses” – uma pequena fração da utilizada para fins recreativos -, poderia não apenas impulsionar a criatividade, mas melhorar o estado geral do ser humano. A boa notícia é que a Beckley Foundation vai financiar tais pesquisas.
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A entidade defende mudanças na política mundial de drogas e a condução de pesquisas científicas sobre substâncias psicoativas. Leia, a seguir, entrevista feita or FORBES com a fundadora da instituição, Amanda Feilding:
FORBES: Você já mencionou que Steve Jobs nunca teria feito o que fez sem drogas psicodélicas. Você pode explicar esse comentário? O que ele tomava e como isso o influenciou, exatamente?
Amanda Feilding: Muitos artistas e músicos creditaram abertamente ao LSD sua inspiração criativa, incluindo Aldous Huxley, John Lennon, Paul McCartney, Susan Sarandon e Jack Nicholson. Steve Jobs alegou que o LSD foi uma das duas ou três coisas mais importantes que ele já fez na vida, e disse que Bill Gates seria um cara mais aberto se tivesse utilizado ácido uma vez ou feito um retiro de evolução espiritual quando era mais jovem. Francis Crick, responsável pela descoberta da estrutura da molécula de DNA, foi um defensor entusiasmado do LSD. Kary Mullis, inventor da reação em cadeia da polimerase (PCR) e vencedor do Prêmio Nobel, creditou sua descoberta a uma visão induzida por LSD: “Se eu teria inventado a PCR se eu não tivesse utilizado LSD? Eu realmente duvido”, disse.
FORBES: Por que é importante entender os benefícios das drogas psicodélicas?
Amanda: É importante que nós entendamos os mecanismos pelos quais os alucinógenos operam, não apenas para caracterizar melhor as mudanças nos estados do cérebro e sua relação com alterações na consciência, mas também para que possamos identificar os exatos circuitos e redes responsáveis por determinados distúrbios neurológicos e psiquiátricos, e como as drogas psicodélicas podem ser um remédio para os estados cerebrais disfuncionais que são a base dessas condições. Como não houve grandes descobertas em tratamentos de saúde mental desde a revelação do inibidor seletivo de recaptação de serotonina, estudos neurocientíficos e clínicos recentes indicam que os alucinógenos poderiam ter enorme potencial no tratamento de uma vasta gama de distúrbios de saúde mental, como depressão, vícios, TOC e estresse pós-traumático, para os quais há um número crescente de pacientes resistentes ao tratamento.
FORBES: Por que ninguém conduziu estudos científicos robustos sobre drogas psicodélicas até então?
Amanda: Como substâncias controladas, os alucinógenos sofreram um estigma que, historicamente, deteve pesquisadores que sabiam que seria difícil conseguir financiamento e que temiam que suas carreiras fossem prejudicadas ao conduzir tais pesquisas, particularmente se resultassem em uma conclusão positiva. Estudos atuais são sujeitos aos mais duros níveis de controle legal, porque os psicodélicos são classificados como drogas com elevado potencial de abuso. Isso significa que as pesquisas são consideravelmente mais caras e que os pesquisadores encaram um labirinto de burocracia para adquirir esses componentes para teste.
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Outro fator importante é que os alucinógenos não podem ser patenteados e, assim, são de pouco interesse para empresas farmacêuticas, que tipicamente são as únicas com dinheiro suficiente para conduzir testes tão caros.
FORBES: Quais são suas hipóteses para essa pesquisa no que diz respeito à relação entre criatividade humana e drogas psicodélicas?
Amanda: Eu suspeito fortemente que o LSD e outros alucinógenos, se utilizados de maneira responsável, têm potencial para aumentar a criatividade. Os exames de imagem cerebral que conduzimos por meio do Beckley/Imperial Research Programme mostrou um aumento considerável em conectividade no cérebro sob efeito de LSD e psilocibina, que, com pesquisas mais profundas, pode ser provado como ligado à flexibilidade mental e ao pensamento criativo. No entanto, a microdosagem ainda não foi submetida a pesquisas rigorosas em um ambiente controlado, algo que a Beckley Foundation vai mudar no futuro próximo, e não há estudos contemporâneos que testaram a hipótese de criatividade.
Nossa pesquisa planejada vai analisar a microdosagem de muitos ângulos possíveis: tanto de seus efeitos a longo prazo no humor e nas capacidades cognitivas como a criatividade, quanto seu impacto neurobiológico a curto prazo. Eu criei recentemente uma colaboração com a Universidade de Maastricht, e um dos estudos que estamos conduzindo trata de investigar se a psilocibina aumenta a capacidade de pensamento divergente. O pensamento divergente é a habilidade de gerar novas ideias e associações e é amplamente pesquisado tanto como um componente crucial da resolução de problemas quanto como uma descrição de criatividade no trabalho.
FORBES: Quais evidências já existem de que as drogas psicodélicas podem impulsionar a criatividade?
Amanda: A associação do LSD com a criatividade é quase tão antiga quanto o LSD em si. Psicoterapeutas que utilizavam a droga como uma medicação para aprimorar a terapia nas décadas de 1940 e 1960 notavam um aumento da fluidez e na liberdade de pensamento dos pacientes tanto durante quanto depois de uma sessão com o uso do LSD. A propensão da droga de engatilhar avanços criativos foi finalmente testada em laboratório na década de 1960 pela International Foundation of Advanced Study, na Califórnia. 27 homens de profissões que iam de matemática a desenho comercial, todos lutando com um problema ou com um bloqueio criativo em suas vidas profissionais, receberam LSD e foram encorajados a contemplar seu problema profissional ao longo de um dia.
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Um número surpreendente das pessoas estudadas alcançaram um avanço importante em seu trabalho. Além disso, três testes de criatividade convencionais foram administrados, mostrando uma melhora significativa em performance em dois deles. Os autores sugeriram que o LSD tende a causar um aumento na criatividade, mas que esse aumento pode ser compensado em determinadas condições por uma piora em outras habilidades, como pensamento lógico e concentração.
Alguns estudos analisaram a probabilidade de o LSD produzir mudanças de longo prazo na criatividade. Eles descobriram que, enquanto os estudados diziam se sentir mais criativos, sua melhora em testes de criatividade não melhorou de fato. No entanto, esses testes foram dados aos estudados entre uma semana e seis meses depois da experiência com LSD, e não durante a experiência em si.
A pesquisa atual tem dado mais ênfase às aplicações clínicas dos alucinógenos e, por isso, não tem observado a criatividade diretamente. Dados da nossa colaboração com a Universidade Johns Hopkins, que investiga o uso de terapia assistida por psilocibina para tratar o vício em cigarro, revelam que essa substância produz aumentos de longo prazo na abertura de traços da personalidade. A abertura, por sua vez, é associada ao aumento da criatividade, o que apoia indiretamente a ideia de que a psilocibina poderia aumentar a propensão geral para a criatividade a longo prazo.
FORBES: O que exatamente acontece no cérebro que dá às pessoas uma vantagem? Qual é a ciência cerebral por trás das microdoses de LSD?
Amanda: Os efeitos das microdoses no cérebro são desconhecidos, e é por isso que eu estou desenvolvendo um programa de pesquisa internacional para investigar como a microdosagem, tanto de maneira aguda quanto em doses repetidas, pode produzir mudanças no funcionamento do cérebro. Nossos resultados com doses maiores de LSD mostram que a substância revelou mudanças importantes na maneira como diferentes regiões do cérebro se comunicam umas com as outras, resultando em um estado cerebral mais fluido e integrado. O Beckley/Imperial Research Program descobriu que o LSD torna o cérebro muito mais conectado e flexível.
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Estudos tanto com a psilocibina quanto com o LSD mostraram uma queda no fluxo sanguíneo para o “default mode network” (DMN), o que significa que há menos atividade nas partes do cérebro que reprimem do que naquelas que mantêm o status quo. O DMN é ativado quando a mente está vagando, não comprometida com uma tarefa específica, mas ignorando o passado, fazendo planos e pensando sobre o seu ser e seu estado emocional. Um DMN super reativo causa a ruminação excessiva associada a distúrbios psicológicos como depressão, ansiedade, vício e estresse pós-traumático. Uma microdose parece diminuir a rigidez do DMN, tornando o cérebro mais flexível.