A maior incubadora de startups do mundo fica nas entranhas de uma antiga estação de carga de quase um século, onde 3 mil empreendedores iniciantes correm apressados pelos 34 mil metros quadrados como formigas sedentas de grana. Mais de 30 firmas de capital de risco, da Accel Partners à Index Ventures, pagam uma taxa anual de US$ 6.100 pelo privilégio de fazer investimentos in loco; o Facebook e a Microsoft tocam programas para pôr à prova empresas que talvez venham a comprar; a Amazon e o Google focam em descobrir talentos.
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Ao dar uma volta por lá, você vê uma instalação de US$ 20 milhões de autoria de Jeff Koons, cubos de reunião flutuantes e uma “área de relaxamento” escurecida, onde programadores exaustos deixam os calçados do lado de fora. “Às vezes o pessoal dorme aqui”, diz a californiana Roxanne Varza, que administra a incubadora, puxando uma cortina e revelando uma moça que está fazendo exatamente isso.
No entanto, a característica mais impressionante é a terra onde fica esse complexo, conhecido como Station F. Esse “F” é de França: o projeto está situado em Paris, capital de uma nação conhecida tanto pela Torre Eiffel e pela tarte tatin como pelas greves constantes, pela semana de trabalho obrigatória de 35 horas e pela mão de obra cara. Na França, o imposto sobre os salários está em 42%, e a legislação trabalhista é tão intricada que está registrada num volume vermelho de 3 mil páginas – o Code du Travail. Poucas democracias ocidentais vêm se mostrando menos propícias para o empreendedorismo e o crescimento.
Inaugurada um ano atrás, a Station F é uma versão arquitetônica do cheiro de carro novo, o que proporciona uma contranarrativa poderosa. “Há três ou quatro décadas, a maneira clássica, na França, de reagir às mudanças é dizer que vamos resistir às mudanças”, diz o presidente francês, Emmanuel Macron, em entrevista exclusiva à FORBES. No ano passado, ele se tornou, aos 39 anos, o presidente mais jovem já eleito na França. Porém, sua idade é menos importante do que seu currículo: antes da política, Macron passou mais de três anos como banqueiro de investimentos na Rothschild e tentou desenvolver uma startup de educação. Os políticos franceses, de Chirac a Hollande, alardearam sobre reformas durante décadas, mas sempre sucumbiram à pressão dos aposentados e dos retrógrados sindicatos, avessos a mudanças. Macron sabe disso e está apostando toda a sua presidência em mostrar resultados nesse aspecto. “Talvez alguns deles queiram organizar greves por semanas ou meses. Nós temos de nos organizar”, diz o presidente. “Mas não vou abandonar nem diminuir a ambição da reforma porque não há outra opção.”
Por meio de decretos, ele aprovou rapidamente uma série de novas leis trabalhistas, facilitando a contratação – e a demissão. Para deixar o remédio menos amargo, ele também vai investir US$ 18 bilhões em reciclagem profissional nos próximos cinco anos, o que inclui uma controversa extensão do seguro-desemprego aos autônomos e donos de pequenas empresas, cada vez mais numerosos na França. Ele está reduzindo impostos sobre a saúde, os ganhos de capital e a remuneração dos trabalhadores e “simplificando tudo”.
Até onde Macron está disposto a ir? Ele revela à FORBES que, no ano que vem, pretende acabar permanentemente com o famoso “imposto de saída” francês de 30%, cobrado de empresários que queiram levar dinheiro para fora da França – um tremendo desestímulo à abertura de empresas no país por estrangeiros e um forte incentivo à abertura de empresas fora do país por cidadãos franceses. Ao fazer isso, ele está seguindo na direção oposta à do presidente Trump, que vem alegremente ameaçando empresas norte-americanas que expandem para fora e prometendo subsídios àquelas que permanecem nos Estados Unidos.
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“As pessoas são livres para investir onde querem”, afirma Macron. “Caso você queira se casar, não deveria explicar ao companheiro ou à companheira: ‘Se você se casar comigo, não terá liberdade para se divorciar’. Não acho que essa seja a melhor maneira de ter uma mulher ou um homem que ame. Portanto, sou a favor de ser livre para se casar e livre para se divorciar.”
Essas políticas esclarecidas vêm em boa hora. Em termos demográficos, a França ultrapassará a Alemanha como país mais populoso da Europa ainda nesta geração, e trata-se de pessoas com formação, entre as mais instruídas do continente, sendo que, de quebra, o país ainda conta com uma grande quantidade de faculdades de engenharia de primeiro nível. “A França está extremamente bem posicionada do ponto de vista do crescimento”, diz Jonas Prising, CEO do ManpowerGroup. Ao mesmo tempo, a concorrência está indo para o lado errado: enquanto cambaleia em direção ao Brexit, a Grã-Bretanha continua a aprofundar a ferida que causou a si mesma na história econômica moderna. Merkel permanece politicamente aleijada devido ao enfraquecimento de sua coalizão. E, embora Trump se vanglorie da força da economia dos EUA, suas políticas comerciais protecionistas têm mais em comum com Smoot e Hawley do que com Reagan e Clinton.
A “Macronomia” já está tendo impacto. Assim que as reformas trabalhistas foram aprovadas, em janeiro, o colosso varejista francês Carrefour e a montadora PSA anunciaram o corte de 4.600 postos de trabalho. Seguiram-se greves, naturellement. Contudo, no mesmo período, entidades estrangeiras anunciaram novos investimentos de até US$ 12,2 bilhões, segundo os assessores econômicos de Macron. A Disney está destinando US$ 2,4 bilhões para ampliar a Disneyland Paris; a alemã SAP está investindo US$ 2,4 bilhões em centros de pesquisa e desenvolvimento e em aceleradoras de startups; o Facebook e o Google estão vasculhando a capital francesa para contratar 150 novos especialistas em inteligência artificial.
A vida das startups aqui também está melhorando. Enquanto a incerteza a respeito do Brexit é um estorvo para o capital de risco londrino, os fundos franceses, pela primeira vez na história, estavam levantando mais capital do que o resto da Europa no ano passado, segundo os dados mais recentes da firma de inteligência de mercado Dealroom. Em janeiro, as startups francesas tiveram a maior representação estrangeira na feira Consumer Electronics Show de Las Vegas, faltando apenas seis para se igualarem ao total dos EUA.
É importante ver isso em perspectiva. Em 2017, a França tinha apenas três startups avaliadas em US$ 1 bilhão, contra 22 unicórnios no Reino Unido e 105 nos EUA. Não é possível reverter décadas de cultura antiempreendedorismo de uma hora para outra. Mas os ingredientes da mudança estão presentes. “Países que consideramos muito lentos já estão andando dez vezes mais rápido do que nós”, diz John Chambers, ex-CEO da Cisco, que aprovou investimentos de US$ 200 milhões em startups francesas antes de sair do cargo, em 2015. Ele acrescenta que a França tem agora “o líder certo no momento certo”. O investidor londrino Saul Klein, que recentemente investiu numa empresa derivada da bem-sucedida startup britânica Deliveroo e voltada ao florescente mercado francês, observa que trabalha a uma caminhada de distância do serviço ferroviário Eurostar: “Fica mais perto do que Edimburgo ou Dublin”.
PARCEIRO ‘PORNOBILIONÁRIO’
Na era da tecnologia, a França teve uma série de gerações perdidas. Enquanto Gates, Jobs e Ellison geravam Musk, Bezos e Zuckerberg, as melhores mentes empresariais da França olhavam para as oportunidades internas e então compravam passagens com destino à Califórnia, para trabalharem para os norte-americanos. Há cerca de 60 mil franceses trabalhando no Vale do Silício, mais do que cidadãos da Grã-Bretanha, da Alemanha ou de qualquer outro país europeu.
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A única exceção importante é Xavier Niel, o oitavo homem mais rico da França, com fortuna calculada em US$ 8,1 bilhões. Os 40 bilionários do país têm duas fontes de riqueza dominantes: varejo/produtos de luxo ou herança (ou ambos, em muitos casos). Niel é o
único com raízes na internet. Como se trata da França, o enfoque inicial dele foi l’amour. Ou, como dizem em internetês, porn (pornografia).
A França foi pioneira na adoção de um sistema precursor da internet nos anos 1980, impulsionada pelo monopólio estatal das telecomunicações. Aos 17 anos, Niel era hacker. Nessa época, falsificou a assinatura do pai para pedir a instalação de uma segunda linha telefônica e desenvolveu uma sala de bate-papo anônima voltada ao sexo. Aos 24 anos, tinha vendido uma empresa de publicações online por mais de US$ 300 mil. E, em 1994, quando a World Wide Web estava surgindo, Niel lançou a Worldnet, primeiro serviço popular de acesso à internet, dando milhões de kits de conexão em revistas, da mesma maneira que Steve Case vinha fazendo com a AOL nos EUA. Assim como ocorreu com Case, o senso de oportunidade dele foi perfeito: ele vendeu a Worldnet por mais de US$ 50 milhões no ano 2000, pouco antes do colapso das empresas pontocom.
Se esse tipo de história o teria transformado em herói no Vale do Silício, Niel, vindo da classe média e sem educação formal, foi desprezado pela elite empresarial francesa. “As pessoas não gostavam muito dos empreendedores”, comenta Loïc Le Meur, que fundou a conferência LeWeb e abriu diversas empresas de tecnologia francesas antes de fugir para o Vale. “Se você tinha sucesso, era festejado. Você estava mais para um problema.” Chamavam Niel de pornocrata, e os executivos se recusavam a ser vistos em público com ele. Niel não gosta de falar do assunto. “Esqueci todas as coisas ruins”, diz ele. Mas, na época, vestiu o manto do pirata e ganhou bilhões com a empresa de telecomunicações Iliad, que, com seus contratos pela metade do preço, abocanhou uma gorda fatia do estagnado setor de tecnologias móveis da França ao longo da última década.
Fantasticamente rico, em 2013 ele embolsou US$ 400 milhões com a venda de 3% das ações da Iliad e resolveu desenvolver mais empreendedores franceses como ele mesmo. Se mudanças reais na França são impossíveis sem liderança política, também é verdade que as políticas governamentais não são capazes de fazer diferença quando o setor privado não está preparado para reagir. Em Niel, Macron encontrou um parceiro pronto. A primeira grande despesa de Niel: US$ 57 milhões para criar a 42, escola gratuita e sem fins lucrativos em Paris que ensinou programação a 3.500 alunos, 40% dos quais com ensino médio incompleto. “A 42 é uma das coisas mais impressionantes que já vi”, exclama Phil Libin, cofundador do aplicativo de produtividade Evernote. (Em 2016, apoiado no sucesso da 42 – nome que alude ao gracejo de Douglas Adams de que “a resposta da questão suprema da vida, do Universo e de tudo é 42” –, Niel abriu em Fremont, cidade vizinha a São Francisco, um posto avançado muito maior do que a escola original.)
Lá, Niel criou a Kima Ventures para apoiar startups, com foco na França, levando o ex-consultor de fusões e aquisições Jean de La Rochebrochard para administrá-la. Rochebrochard logo sugeriu investir mais dinheiro em menos empresas e dobrar a aposta nas vencedoras, ideia que Niel rejeitou peremptoriamente: “Não preciso de mais dinheiro. Só estou fazendo isso porque é empolgante, é útil e ninguém está fazendo”. Agora, a Kima afirma ser o fundo-anjo mais ativo do mundo, com 518 investimentos nos últimos oito anos, segundo a Pitchbook. Rochebrochard diz que vê Niel apenas uma ou duas vezes por ano, mas recebe notícias dele constantemente, às vezes pedindo a públicos de faculdades de administração que enviem e-mails a Niel e vejam se ele responde dentro de duas horas. “Toda vez ele responde”, afirma Rochebrochard.
Em outros tempos, a perspectiva de centenas de investimentos franceses pareceria absurda num país repleto de leis superprotetoras que servem aos preguiçosos. O simples ato de alugar um apartamento em Paris é uma batalha, graças a regras de propriedade lamentavelmente inflexíveis; sem um comprovante de que têm um dos sagrados contratos de emprego em tempo integral da França, empreendedores e funcionários de startups muitas vezes se veem no fim da fila da habitação. Os funcionários têm de dar aviso prévio de dois meses caso queiram se demitir, e os empregadores ficam presos a eles. Muito recentemente, poucos meses antes da posse de Macron, a França instituiu uma lei do “direito de se desconectar”, dando aos funcionários poder legal – e incentivo – para ignorarem e-mails tarde da noite. Além disso, não havia nenhum polo para atividades empresariais. O que Paris tinha mais próximo disso era o distrito Sentier, bairro da moda onde as perspectivas comerciais minguantes possibilitavam aluguéis de curta duração. Os espaços estreitos e reduzidos ofereciam mais personalidade do que sinergias.
Por volta dessa época, Niel conheceu Varza, jovem californiana que tocava o programa de startups Bizspark da Microsoft na França. Em julho de 2013, ele enviou a ela um e-mail com a linha de assunto “Bonjour Roxanne”, oferecendo-se para pagar a conta se ela sondasse os melhores espaços para startups do mundo. Varza enviou suas fotos e notas para Niel, que, então, encaminhou-as a seu arquiteto, Jean-Michel Wilmotte, com a instrução de levar os melhores aspectos ainda mais longe.
Niel é o único financiador. Gastou mais de US$ 300 milhões para equipar a Station F e três prédios de apartamentos próximos, capazes de abrigar 600 empreendedores, e acrescentou “algumas centenas [de milhões]” para um hotel cinco estrelas e um hotel econômico que estão sendo construídos ao lado. “É totalmente filantrópico”, diz ele, rente à colorida obra de Koons que os empreendedores residentes apelidaram de “cocô de unicórnio”. “É uma doação.”
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Para ter acesso à Station F, as startups se candidatam a um dos 32 programas temáticos: a Microsoft pega dez startups de inteligência artificial, o Facebook arrebanha 15 da área de dados, e assim por diante. “Eles ganham acesso a uma startup, nós ganhamos acesso aos dados deles”, diz o empreendedor de seguros de saúde digitais Jean-Charles Samuelian, que alavancou esse programa do Facebook para um aumento de US$ 28 milhões, anunciado em abril. Cerca de 4 mil startups de 50 países se candidataram ao programa da Station F no ano passado; 200 foram aprovadas.
Em meio a toda essa atividade, investidores circulam por lá, prestadores de serviços oferecem de tudo, desde frete até impressão 3D, e o governo francês estruturou algo como um espaço de concierge, onde os empreendedores saltam a burocracia para obter seu alvará de funcionamento e seus formulários de impostos num único lugar. “É como um restaurante americano drive-through”, explica Tony Fadell, lendário executivo da Apple que ajudou a inventar o iPod. Num segundo ato, Fadell veio a fundar e vender (por US$ 3,2 bilhões) a empresa de termostatos Nest e, num terceiro ato, mudou-se com a família para Paris em 2016. Ele é um tipo completamente novo de expatriado, acomodado na Station F, investindo em startups, sem nenhuma dificuldade por não falar francês. De forma semelhante, Libin, do Evernote, decidiu sediar um estúdio de startups europeias na Station F: “Há algo nessa cultura que faz surgirem pessoas excepcionais”.
Enquanto os sons das câmeras fotográficas e o falatório da multidão ecoavam pela Station F no dia de sua inauguração, Emmanuel Macron, de terno escuro, perguntava a Antoine Martin, um dos mais novos e bem-sucedidos empreendedores da França, como este tinha desenvolvido o localizador Zenly, que havia vendido à Snap por US$ 213 milhões. Não foi fácil, Martin explicou em francês. Num determinado momento, ele teve de pivotar a empresa toda. “Pivotar?”, interrompeu o presidente.
Niel, que estava perto, logo esclareceu que “pivot” em francês indica apenas movimento físico, não uma guinada na estratégia de negócios. Meia hora depois, quando Macron falou para as centenas de fundadores de startups e engenheiros de software da Station F, que seguravam seus celulares no alto, ele contou ter prometido à esposa, três anos antes, tornar-se um empreendedor. Mas as coisas tinham mudado. “Je pivote le business model”, ele disse, arrancando risos e aplausos.
Macron é claramente alguém que aprende rápido. E ele sabe mesmo como pivotar, o que lhe dá a oportunidade de realizar o que seu antecessor não conseguiu fazer. Filho de médicos e egresso de universidades que formam a elite governante da França, ele tem uma credibilidade junto ao establishment que Niel nunca teve. No início de sua carreira, foi assistente de Paul Ricoeur, filósofo francês cuja obra girava em torno de encontrar equilíbrio entre pontos de vista diametralmente opostos. Ele colocou isso em prática trabalhando como banqueiro na Rothschild, onde, aos 34 anos, ganhou mais de US$ 3 milhões prestando consultoria à Nestlé na oferta que a gigante suíça dos produtos de consumo fez para comprar a divisão de alimentos para bebês da Pfizer, chegando a afastar a francesa Danone do negócio. Depois, ingressou na equipe de liderança de um governo socialista, encabeçado por François Hollande.
Começou como subchefe de gabinete, mas, em agosto de 2014, foi designado ministro da Economia, encarregado de promover versões preliminares das reformas que hoje está levando a cabo. Entre uma missão e outra, começou a desenvolver ideias de uma startup de educação. “Acho que compreendo muito bem os empreendedores e tomadores de risco”, diz.
Macron fez bom uso de sua breve passagem pelo governo. “Ele perguntou sobre os motivos do sucesso do Vale do Silício”, diz Chambers, recordando um jantar que deu em Palo Alto para Macron e outros fundadores de startups franceses. Eles discutiram por que a Route 128 de Boston tinha perdido a coroa de maior polo tecnológico para a região da Baía de São Francisco. “Ele estava só aprendendo. Estava absorvendo.”
Macron fundou o partido político Em Marcha! para solucionar os “bloqueios” que atravancam a França. Ele logo se viu com boas cartas na mão. Sua plataforma centrista rompe parte da paralisia política esquerda-direita, permitindo, por exemplo, que ele promova reformas no mercado de trabalho, ao mesmo tempo que atua para subvencionar os vulneráveis. Um fator decisivo é que, como ele e sua maioria no legislativo estarão no poder até 2022, Macron pode tomar essas decisões de longo prazo da maneira que presidentes eternos, como o chinês Xi e o russo Putin, costumam tomar, mas com os ideais democráticos e de livre mercado de um capitalista ocidental.
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Como foi amplamente destacado durante sua recente visita oficial a Washington, este último atributo lhe propicia uma afinidade natural com o presidente Trump. “Eu entendo muito facilmente esse tipo de pessoa”, diz Macron. “Quando você o vê como um negociador, como ele sempre foi, fica bastante coerente. É por isso que eu gosto dele… É por isso que minha experiência nos negócios me ajudou muito.”
Mas essas experiências nos negócios também são um tanto diferentes. As atividades imobiliárias de Trump sempre seguiram a linha “eu ganho, você perde”, enquanto Macron, quando banqueiro, precisava fomentar coalisões. “Temos uma diferença em termos de filosofia e conceitos com relação à globalização atual”, diz Macron. E ele vem tirando proveito disso. Quando Trump começou a dar as costas às fontes de energia renováveis, no ano passado, Macron reagiu publicamente, rogando aos acadêmicos e empreendedores de tecnologias verdes que viessem à França para, como disse com firme ironia, “tornar nosso planeta grande de novo”. Dois terços dos 1.822 pedidos de subsídios que se seguiram vieram dos Estados Unidos. “Se você está num país que não tem uma estratégia clara a respeito das mudanças climáticas, isso é um grande problema para muitas startups”, avalia Macron, que tem sido igualmente ardoroso na atração de empresas financeiras britânicas. Nessas áreas, a França pretende jogar no ataque. Se a Station F representa uma renascença do empreendedorismo francês, a hora do jantar na Station F representa os obstáculos que vêm pela frente. O local “começa a esvaziar às 19h”, diz Karen Ko, que veio a Paris para fazer MBA e hoje ajuda a administrar uma startup de análise de dados voltada a lares para idosos na incubadora gigante de Niel. “Às 20h, é quase uma cidade-fantasma.” Nesse contexto, David Chermont, da Inbound Capital de Paris, é seguramente o único consultor de startups a dizer o seguinte: “As pessoas deveriam parar de fantasiar sobre as startups. É bem difícil. Você vai dormir com o trabalho na cabeça”.
Pergunte a qualquer pessoa de uma startup francesa, e ela dirá que é difícil mudar hábitos culturais e governamentais. Quando Anton Soulier constituiu a Mission Food em Paris, no ano passado, a princípio foi facílimo. Mas aí chegou uma conta pelo correio. Sua startup de entrega de comida tinha de pagar quase US$ 2 mil de impostos salariais – antes de ele ter contratado um único empregado. “Loucura”, diz ele. Na França existe, na prática, um imposto jurídico, já que toda startup precisa de um bom advogado, ao custo expressivo de US$ 30 mil anuais, somente para lidar com a complexa legislação. Quando, por fim, as empresas nascentes contratam funcionários, o custo do salário de cada um deles dobra devido às várias contribuições obrigatórias. E boa sorte para decifrar os contracheques, que têm 25 linhas de deduções e cifras.
O presidente Macron diz estar trabalhando nisso. “Estamos basicamente acabando com um monte de pequenos impostos que nossos empreendedores tinham de pagar”, explica ele. Mas alguns empreendedores estão céticos sobre se essas mudanças virão de fato, depois que a euforia passar. As reformas de Macron não tiveram efeito sobre a Mission Food, diz Soulier, observando que algumas modificações feitas na legislação trabalhista em 2002 estão entrando em vigor só agora, passados mais de 15 anos.
Os governos anteriores da França também foram notórios apoiadores de ramos tradicionais, como o setor de táxis, e contrários a modelos de negócios mais novos, como o transporte compartilhado. “Quero que este país se abra à disrupção e a esses novos modelos”, declara Macron, que então diz, de forma idealista, que a solução é um denominador comum. “Minhas startups criam alguns contratempos para minhas grandes empresas, como a EDF”, comenta ele sobre a concessionária de energia elétrica. “Mas não vejo problema nisso. E eu disse à EDF: ‘Vocês devem investir nesta empresa. Talvez ela cause disrupção a vocês. Portanto, o melhor a fazer é serem parceiros’.”
É uma boa ideia, mas é difícil um governo ditar a estratégia de antigos monopólios. “[Macron] não pratica o que diz”, reclama Yan Hascoet, que era fã de Macron e se decepcionou. Ele foi um dos fundadores da Chauffeur Privé, concorrente do Uber. Sua startup perdeu quase um terço de seus 15 mil motoristas em 2017, quando os órgãos regulatórios impuseram uma prova teórica dificílima, numa medida claramente destinada a proteger os antigos taxistas, que estavam parando Paris em protesto. “Ele optou por não mexer nesse assunto.”
O problema mais geral de Macron é atrair o restante de seu governo e os bolsões de firmes apoiadores de adversários, como o setor de táxis. O cético Niel, que declara não votar, nem mesmo em Macron, acredita, compreensivelmente, que a verdadeira reforma partirá dos empreendedores. Mas reforma exige barulho, e os empreendedores franceses nem sempre gostam de fazer estardalhaço. O dinheiro ainda tem “uma conotação negativa aqui”, diz Martin, da Zenly, explicando que ele e seu cofundador estão se mantendo “longe da luz do dia” depois da venda que fizeram à Snap. Nos últimos três anos, Nicolas Steegmann vendeu sua startup Stupeflix à GoPro; Pierre Valade vendeu a Sunrise à Microsoft; e Jean-Daniel Guyot vendeu a Captain Train à Trainline. Eles são “todos desconhecidos do grande público”, diz Martin. E “todos fizeram negócios de nove dígitos”.
Os estrangeiros ficam mais à vontade sob os holofotes e estão vendo progresso. “Há uma certa informalidade aqui”, diz Ko, acomodada num banco estofado verde-limão no meio da Station F. “Foge muito à característica francesa. Você pode dar uma volta, pode puxar conversa e se apresentar. Eu gosto disso porque me faz sentir em casa.”
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O Vale do Silício virou uma potência porque quem saiu de lá ajudou cada geração a crescer, segundo Fadell. “A Station F e Paris vão viver o mesmo efeito multiplicador.” Entre os novos egressos, os astros fundadores da Criteo (gigante da tecnologia de anúncios que abriu o capital em 2013 e agora vale US$ 1,9 bilhão) e do aplicativo de transporte compartilhado BlaBlaCar (ainda de capital fechado, mas avaliado em US$ 1,4 bilhão) já se tornaram investidores-anjo da próxima geração de startups parisienses.
Vem mais por aí: os candidatos internacionais à Station F citam os custos do Vale do Silício, Donald Trump e o Brexit como motivos de se candidatarem, e todos os três parecem inarredáveis, por ora. A tendência histórica da França seria desperdiçar essas dádivas; é por isso que Macron age com tanta urgência. “Na maioria das vezes, os líderes decidem fazer reformas no fim do mandato”, diz ele. Em vez disso, ele antecipou suas principais iniciativas. “Algo que temos de fazer hoje não deve ser aprovado amanhã”, explica. “Tarde é tarde demais.”
Reportagem publicada na edição 59, lançada em maio de 2018