Sentado em uma sala de conferências iluminada por lâmpadas fluorescentes, vestido com uma camisa cinza, jeans e tênis de camurça, Jeff Maggioncalda, , 49 anos, diretor-executivo da Coursera, não toca em seu prato de espaguete, edamame e corações de alcachofra no refeitório da empresa. No final do nosso almoço de uma hora e meia, ele ainda fala sem parar.
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Primeiro, ele conta longamente sobre os dois anos que passou em viagem pelo mundo antes de ingressar na empresa de educação on-line Mountain View, na Califórnia, em junho de 2017. “Subi o monte Kilimanjaro com minha filha do meio, estive em Cuba por uma semana e em Uganda para ver os gorilas da montanha ”, conta. “Na Indonésia, fomos mergulhar e vimos os dragões de Komodo. Em Bornéu, os orangotangos.”
Mas em Kyoto as aventuras foram interrompidas. Ao descansar em um ryokan (hospedaria tradicional japonesa), de roupão e meias de dedo, ele leu um e-mail de um headhunter que descrevia seu emprego dos sonhos: assumir uma startup de tecnologia com missão social para expandir o acesso ao ensino superior por meio de cursos on-line, conhecidos como MOOCs (Curso On-line Aberto e Massivo), ministrados pelos melhores professores das melhores universidades do mundo. Maggioncalda já entoava o mantra da empresa antes mesmo de conhecer o conselho da Coursera. “Disse à minha esposa, Anne, que a solução para nossos problemas humanos mais urgentes é a educação.”
Maggioncalda não precisava de um emprego. Em 2014, deixou o cargo de CEO da Financial Engines, um site de planejamento de aposentadoria lançado por ele 18 anos antes, junto a dois renomados professores de Stanford, William F. Sharpe, ganhador do prêmio Nobel, e Joseph Grundfest, ex-comissário da SEC (Comissão de Títulos e Câmbio dos Estados Unidos). Em 2010, tornou a empresa aberta e a deixou com um valor de mercado de US$ 2 bilhões, quando seu patrimônio líquido girava em torno de US$ 50 milhões.
Depois de Kyoto, ele e Anne planejavam visitar Israel, Machu Picchu, Galápagos e a Antártica. Mas, em vez disso, Maggioncalda encerrou a viagem para se tornar o terceiro CEO da Coursera.
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Desde então, a empresa deteve o status de maior provedor de MOOC do mundo, com 150 parceiros universitários internacionais, 36 milhões de alunos cadastrados, US$ 210 milhões em capital de investimento, uma avaliação de US$ 800 milhões, e receita estimada em US$ 140 milhões para 2018, o que coloca a iniciativa na lista FORBES das Próximas Startups Bilionárias.
Os concorrentes MOOC mais próximos da Coursera são a edX, sem fins lucrativos, e a Udacity, com fins lucrativos. Ao todo, há menos de 30 milhões de usuários registrados entre eles. A Coursera seria lucrativa mesmo se o seu crescimento não gerasse tanto dinheiro, diz Maggioncalda, que espera expandir mais a empresa em 2019. A estimativa é que a startup abra capital nos próximos dois anos.
Quando Maggioncalda termina de falar sobre suas viagens, cita suas outras paixões, que incluem aulas de música e vela e oito horas de videogame com temas do Velho Oeste, que o inspiram profissionalmente. “Eu posso ver um mundo onde a Coursera é disponibilizada para todos os alunos, em todas as faculdades do mundo.”
As três áreas de atuação da Coursera dirigem as outras, diz Maggioncalda. São 3.000 cursos fornecidos diretamente aos consumidores, 1.400 classes vendidas para clientes corporativos, como Adobe, Goldman Sachs e L’Oréal e 12 programas de graduação online para parceiros, que incluem a Universidade da Pensilvânia, a Universidade de Michigan e a Universidade de Londres. “Quando qualquer segmento cresce, os outros também se beneficiam”, diz. “Se conseguimos outro aprendiz, nossos educadores se beneficiam. E se conseguimos outro empregador, os outros dois saem ganhando.”
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Os fundadores da Coursera, a professora de ciência da computação de Stanford Daphne Koller, agora copresidente da empresa e fundadora da startup de biotecnologia Insitro, e o copresidente Andrew Ng, que liderou equipes de inteligência artificial (IA) no Google e na gigante chinesa de tecnologia Baidu, não poderiam imaginar o que a Coursera se tornaria quando eles a lançaram, em 2012.
Os dois haviam liderado um esforço para oferecer gratuitamente três cursos de ciência da computação em Stanford. As aulas eram interativas, com pequenas palestras em vídeo, fóruns de discussão, questionários de múltipla escolha e trabalhos de casa selecionados por outros alunos com o uso de uma rubrica fornecida pelos professores. Embora os estudantes não tenham recebido nenhum crédito acadêmico, as aulas foram um sucesso. “Sem marketing, cada um desses cursos tinha mais de 100.000 inscritos”, diz Daphne. “Foi um sinal da demanda por esse tipo de educação em todo o mundo.”
Em pouco tempo, Daphne e Ng persuadiram Princeton, Penn e Michigan a fecharem parcerias. “Queríamos aproveitar não apenas o melhor que Stanford tinha a proporcionar, mas também as ofertas de outras universidades”, diz Daphne. Embora a Coursera não tivesse um plano de monetização, os investidores entraram no negócio.
“Havia os ingredientes que eu procuro em um empreendimento monstruoso”, diz John Doerr, da Kleiner Perkins, um dos principais investidores da Coursera e membro do conselho. “O ensino superior custa muito e não está disponível para um número suficiente de pessoas.” Doerr recomendou que Daphne e Ng consultassem Rick Levin, um economista que esteve no posto de presidente de Yale por 20 anos. Levin entrou como CEO em 2014, depois que a plataforma começou a cobrar de US$ 30 a US$ 70 de estudantes que queriam certificados de conclusão de curso.
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Enquanto isso, a Coursera e outros fornecedores de cursos online conheciam um boom na imaginação do público. O “New York Times” declarou 2012 como “o ano do MOOC”, e o colunista Thomas Friedman escreveu: “Nada tem mais potencial para desbloquear mais de um bilhão de cérebros e assim resolver os maiores problemas do mundo”.
Pouco depois, diz Daphne, a narrativa foi “a morte do MOOC”, após dados de dois estudos da Universidade da Pensilvânia mostrarem que 80% das pessoas que se registraram para cursos online já tinham graduação e que apenas metade delas se preocupou em assistir a uma única palestra. Uma fatia minúscula de 4% completou a formação.
A equipe da Coursera ignorou a conversa. “Eu achava que a propaganda e a conversa da morte eram igualmente engraçadas”, diz Daphne. “O ensino superior envolve um conjunto de instituições muito lentas. E, quando você é muito bem-sucedido, não quer mudar nem sequer um fio de cabelo de lugar.”
Levin, agora com 71 anos, disse no início que ficaria por apenas três anos. A empresa estava em alta e foi passada para Maggioncalda. O negócio empresarial decolou, com o triplo da receita anual, desde que o terceiro CEO assumiu.
Só a Adobe pagou à Coursera cerca de US$ 150 mil neste ano para cinco cursos de Machine Learning, um ministrado por Ng e o restante por dois professores da Universidade de Washington, para 1.500 dos principais desenvolvedores e engenheiros da empresa.
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Uma vantagem para a Adobe são os relatórios detalhados que a Coursera fornece sobre o desempenho dos funcionários nos cursos. “Isso nos permite saber exatamente quem tem qual conhecimento técnico em qual área tecnológica”, diz Justin Mass, chefe global de desenvolvimento de talentos técnicos da Adobe.
A Coursera também faz dinheiro ao servir como plataforma para empresas como IBM e Google, que oferecem aulas como o IBM Blockchain Foundation for Developers, ministrado por funcionários da gigante.
Em um esforço para aumentar a adoção de seus produtos, a IBM faz pressão para capacitar desenvolvedores, administradores e funcionários de atendimento ao cliente na sua tecnologia. A Coursera cobra de US$ 39 a US$ 49 por mês por esses cursos, que levam de três a seis semanas para serem concluídos. Os graduados recebem certificados e crachás digitais da IBM que pode ajudá-los a conseguir empregos na empresa ou em organizações parceiras, como a Wells Fargo e a Exxon Mobil.
Cursos corporativos podem ser especialmente lucrativos para a Coursera, que em alguns casos mantém 100% da receita do curso.
Maggioncalda também aposta em uma grande expansão nos programas de graduação da empresa, lançados sob o comando de Levin. A plataforma agora oferece bacharelado em ciência da computação pela Universidade de Londres e 11 mestrados, que inclui um “iMBA” da conceituada Gies College of Business da Universidade de Illinois, por US$ 20.000. No campus, a formação sai por US$ 82.000.
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Os parceiros universitários dizem que os cursos on-line não desviam os alunos do método presencial, mas sim atraem estudantes não tradicionais que, de outra forma, não se inscreveriam. “Entramos em um mercado totalmente diferente”, diz Jeffrey Brown, reitor da Gies. Enquanto o programa no campus da Gies pode receber apenas 100 alunos de MBA de cada vez, desde a divisão virtual lançada há dois anos, foram registrados quase 1.800 alunos, a maioria deles em formação de carreira e na casa dos 30 anos..
Ao oferecer formações completas, a Coursera desafia a concorrente 2U, uma empresa de capital aberto sediada em Lanham, Maryland. A 2U construiu um valor de mercado de US$ 3,7 bilhões com receitas de US$ 350 milhões e o desenvolvimento de 64 formações acadêmicas online, principalmente, programas de mestrado (para 34 universidades). Mantém 60% ou mais da receita do curso, o que permite uma equipe de marketing com 250 pessoas. Por outro lado, a Coursera, que cobra menos de metade das mensalidades praticadas pela 2U, só depende de sua ampla base de usuários para o marketing.
Maggioncalda vê a base de usuários da Coursera como sua maior vantagem e lançou uma série de experimentos para expandi-la. Em um programa piloto chamado Coursera for Partners, a empresa oferece aos alunos, funcionários e professores da Duke, gratuitamente, todos os cursos da plataforma ministrados pela universidade e pela equipe do Google Cloud.
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Por que desistir de toda essa receita de ensino? “É uma ótima fonte de receita indireta”, diz Maggioncalda. Um funcionário da universidade que fizer a introdução da Duke ao curso de probabilidade e dados pode decidir pagar US$ 300 por uma série de aulas de ciência de dados popular, oferecida pela Johns Hopkins, ou pode mudar de direção e pagar US$ 20.000 em um MBA.
Em outro experimento, chamado La Tríada, a Coursera oferece mais de 100 cursos gratuitos de três universidades parceiras da América Latina (Tec de Monterrey, no México, Universidad de los Andes, na Colômbia, e Pontifícia Universidade Católica do Chile) para todos os estudantes das instituições. “Quando os alunos se formarem, vão querer fazer mais cursos da Coursera”, afirma Maggioncalda.
O CEO não prevê o fim da antiquada sala de aula, mas aposta o futuro da Coursera em sua crença de que a tecnologia continuará a mudar a forma como as pessoas aprendem. As aulas online acessíveis e de alta qualidade serão a maneira mais eficaz para as pessoas que trabalham ganharem novas habilidades, como análise de dados e linguagens de programação, ele diz acreditar.
“Acho que quase todas as formações crescerão no ambiente on-line”, diz. “É tão eficiente e atraente. Teremos experiências de aprendizado virtuais e simuladas que transportarão os alunos para ambientes de ensino totalmente diferentes e lhes darão acesso a coisas que só podem obter no mundo digital.”
É uma previsão ousada de alguém que passou mais de dois anos à procura de experiências reais, em vez de virtuais. Será que ele desistiu dos planos de ir para a Antártida? “Definitivamente, não. Eu vou. Só não sei quando.”