A maioria dos dispositivos inteligentes pode prever o que queremos fazer, mas não podem entender a motivação por trás do desejo. Isso é o que Rana El Kaliouby, cofundadora e CEO da Affectiva, espera mudar com sua tecnologia que lê expressões faciais.
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Rana, nativa do Cairo, deixou a cidade em 2001 depois de sua graduação e mestrado na American University, no Egito, vinculada à Universidade de Cambridge. Ela desenvolveu um sistema de sensoriamento de emoção em tempo real e, cinco anos depois, mudou-se para Boston para se juntar à cofundadora, Rosalind Picard, no MIT Media Lab, e descobrir o que torna uma máquina emocionalmente inteligente.
Depois de passar a maior parte de seu tempo no laboratório interagindo com dispositivos, e com saudade de casa, Rana focou em como fazer os aparelhos oferecerem as emoções que eram perdidas em seus telefonemas para o Egito.
“Na interação com minha família, muitas das comunicações não-verbais desapareciam no ciberespaço”, disse Rana. Sua obsessão em resolver esse problema resultou na Affectiva, uma startup que desenvolve um software que pode assimilar os estados emocionais e cognitivos com a análise de expressões faciais, por meio da câmera de um dispositivo.
Em 2009, Roslind e Rana decidiram transpor os limites do MIT e comercializar sua pesquisa, que começou com o marketing publicitário de um produto chamado Affdex.
A ideia funciona assim: os consumidores recebem um e-mail com um pedido de permissão para ligar a câmera do desktop ou do smartphone enquanto assistem ao vídeo do anunciante. O algoritmo identifica as expressões do consumidor e as agrega anonimamente. Os anunciantes recebem um relatório com respostas emocionais momento a momento e quem assiste às propagandas é compensado por prestigiar marcas como Coca-Cola, CBS e Mars.
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O negócio da Affectiva cresceu e, junto, cresceram os temores sobre o potencial uso indevido de informações pessoais que os sistemas de inteligência artificial com capacidade de rastrear e sintetizar os rostos das pessoas. Um sistema que analisa as respostas emocionais parece levar esses riscos para um novo nível. Rana está ciente desses receios. Em resposta, a CEO diz que todas as pesquisa de mercado da Affectiva têm permissão do usuário para gravar suas reações, e os vídeos não são salvos ou enviados para a nuvem.
A tecnologia da Affectiva também será implantada por operadoras de caminhões de frota, montadoras e fornecedores de segurança automotiva. A câmera será usada de forma interna para detectar se o condutor está adormecendo, enviando mensagens de texto ou sob efeito de substâncias ilícitas, e assim alertar os gerentes do motorista e da frota. Em carros com capacidades semiautônomas, o sistema pode assumir o controle do veículo. Quando carros autônomos se popularizarem, Rana diz que a tecnologia será usada para melhorar a experiência do piloto, otimizando a música, iluminação e temperatura conforme os gostos pessoais do consumidor.
Até agora, Rana e sua sócia levantaram US$ 26 milhões de investidores como Kleiner Perkins, CAC Holdings e a National Science Foundation. Mas o primeiro grande case da ferramenta ainda está em andamento: ajudar crianças autistas a entender melhor como as outras pessoas se sentem. “Eles não assimilam essa informação realmente rica, o que prejudica a capacidade de fazer amigos na escola ou manter um emprego”, diz Rana.
A Affectiva firmou parceria com a Brain Power, uma startup de tecnologia que implanta óculos computadorizados como o Google Glass. A empresa incorporou a tecnologia da startup a esses óculos inteligentes e os inseriu no Groden Center, um programa baseado em pesquisa para jovens com autismo e inabilidades de desenvolvimento, em Providence, Rhode Island (EUA). Projetado como uma ferramenta de treinamento para ajudar as crianças a interagir com as pessoas de uma maneira lúdica, o sistema recompensaria com pontuação se o usuário ganhasse um sorriso de alguém. Atualmente, há um ensaio clínico que testa a eficácia desses óculos emocionalmente responsivos.
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Rana atuou como diretora de tecnologia e muitas vezes serviu como cara da Affectiva durante conversas com investidores. No entanto, ela se esquivou de entrar no papel de liderança quando chegou a hora de encontrar um substituto, em 2013, quando Nicholas Langeveld deixou o comando da empresa. A cofundadora se sentia inexperiente para assumir a posição. Então, em 2016, depois de refletir sobre o fato de que agia na qualidade de CEO, Rana decidiu que era hora. “Todos estavam a bordo. Foi muito mais fácil convencer os outros, e muito mais difícil convencer a mim mesma.”
Desde então, Rana abraçou os holofotes e até mesmo trouxe sua neurociência e tecnologia para a TV, como coapresentadora na PBS do programa “6-Part Series NOVA Wonders”, que explora os maiores questionamentos da ciência. O que a impulsiona a fazer mais? Em parte, seus dois filhos. “Eu me inspiro em como eles são resilientes quando passam por experiências difíceis. Se eles podem cair e se recuperar, então eu deveria ser capaz de também fazer o mesmo quando um investidor recusa uma proposta de parceria. “
Rana teve sua filha quando trabalhava em seu P.h.D., quando ia com seu filho para reuniões de investidores e o deixava do lado de fora da sala.
“Eles foram os primeiros espectadores da minha tecnologia e vê-los se tornar emocional e socialmente inteligente definitivamente alimentou a abordagem de como eu resolvo alguns desses problemas”, lembra.