Somente agora, depois de cinco anos de trabalho insano, David Vélez ensaia um retorno à sua vida pessoal. Desde 2013, o colombiano de 37 anos se ocupa “cento e vinte por cento” do Nubank, a fintech que fundou com Cristina Junqueira e Edward Wible em São Paulo e que hoje tem valor estimado em US$ 4 bilhões – e uma carteira com 5 milhões de clientes.
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“Certamente não houve equilíbrio entre o trabalho e minha vida pessoal desde que começamos este projeto, que continua sendo minha missão de vida. Hoje até consigo sair um pouco, é importante tentar um equilíbrio, mas ainda está difícil”, diz.
Após ser acordado às 5h30 da manhã pelo filho de 2 anos para brincar, o empreendedor malha por uma hora, toma um rápido café e leva o filho para a escola, de onde caminha até o Nubank. Assim que chega à empresa, no bairro paulistano de Pinheiros, seus dias são preenchidos por reuniões com colegas, investidores, reguladores e parceiros, no escritório ou nas frequentes viagens. O expediente normalmente vai até a noite, mas Vélez tenta voltar para casa, nos Jardins, antes das 20h para colocar o filho para dormir. O trabalho então volta a ocupar o executivo, até um pouco antes da meia-noite.
Essa rotina é um sonho concretizado para Vélez, que chegou ao Brasil em 2012 sem ter ideia de que realizaria seu objetivo de ter uma empresa e ser seu próprio chefe. O difícil processo de adaptação típico de um estrangeiro no país dotou o ex-executivo do Morgan Stanley de faro para identificar oportunidades de negócio que reduzissem dificuldades cotidianas, como abrir uma conta bancária. “Ser estrangeiro adiciona uma camada de complexidade às coisas, passando pela língua e cultura, até entender como se faz para alugar um apartamento, obter uma linha telefônica… Enfrenta-se uma série de dificuldades”, aponta Vélez. “Mas o fato de ser gringo traz também certa sensibilidade a essas frustrações do dia a dia, e isso também pode trazer uma dimensão positiva, como foi o meu caso.”
Criar o que viria a ser o Nubank não foi uma tarefa fácil, por vários motivos. Além de ser um outsider, Vélez enfrentou toda sorte de desafios, desde particularidades processuais do sistema financeiro brasileiro e recrutamento de profissionais de tecnologia até a obtenção da licença bancária. Esse processo demorou três anos.
Além disso, o momento econômico em que o Brasil se encontrava não ajudou em nada. Com o país mergulhado em uma das maiores recessões de sua história, o empreendedor também enfrentou a tarefa hercúlea de acessar o crédito inicial necessário para financiar o negócio, bem como levantar capital de investidores nacionais e no exterior.
Quebrando paradigmas
“Eu previa muitas dificuldades, mas tudo foi muito mais complexo do que eu imaginava. Se eu soubesse que seria tão difícil, talvez tivesse pensado duas vezes”, reflete Vélez, para rapidamente complementar: “Mas sempre achei que fazer alguma coisa difícil era algo positivo, e essa dificuldade sempre foi um dos aspectos que mais me chamaram a atenção nesse projeto”.
Considerando a árdua jornada até agora, a chamada trailblazer loneliness, ou solidão do desbravador, em que empreendedores tentam emplacar ideias que nem todos inicialmente compram (ou mesmo entendem) e que envolve muita evangelização, poderia se aplicar a Vélez. Mas o fundador do Nubank oferece uma outra faceta de sua própria experiência: “Por um lado, a missão do trailblazer pode ser interpretada como um pouco agressiva. Muito do meu trabalho inicial foi escutar e analisar com cuidado os comentários de quem dizia ser impossível criar uma empresa como a que temos hoje. Então me dei conta de que esses argumentos não eram reais, e sim apenas crenças”.
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“Uma vez que cheguei à conclusão de que ninguém estava fazendo algo parecido não porque fosse de fato impossível, mas porque apenas acreditavam ser impossível, decidi quebrar esse paradigma. Foi quase como descobrir uma mina de ouro, uma oportunidade da qual ninguém se deu conta – e aí foi questão de executar o mais rápido possível”, lembra.
Vélez observa que as tais crenças em torno de modelos de negócio disruptivos estão entre as razões pelas quais muitas pessoas acabam não levando ideias a cabo: “O problema é que crenças convencionais são reais em sua maioria, por isso são aceitas como tal. O ponto é identificar quando essas crenças são falsas”.
Na opinião do empreendedor, “também há o problema de que a maioria das pessoas é muito avessa a riscos. Isso está mudando rapidamente no Brasil, nas empresas. O empreendedorismo está em alta, o que é bom, pois é fundamental poder correr riscos”.
No que diz respeito a riscos, por sinal, o CEO confessa que, mesmo que o Nubank hoje seja uma das startups mais bem financiadas da América Latina, ainda sente flashes da angústia que comumente paira sobre empreendedores – aquela que vem da possibilidade de que o negócio feche as portas a qualquer momento. “Ainda existe esse sentimento, mas ele se tornou algo saudável, um medo que motiva e não imobiliza. Ainda estamos quebrando paradigmas em relação ao produto e ao sistema em geral, mas também estamos lidando com o dinheiro e as informações das pessoas. Temos que ter um pé no chão e administrar riscos com uma certa dose de conservadorismo.”
Os sócios
O Nubank germinou em março de 2013 com um capital seed de US$ 2 milhões, obtido por Vélez da Kaszek Ventures e da Sequoia Capital, seu antigo empregador. Em maio daquele ano, recrutou a ex-executiva do Itaú Unibanco Cristina Junqueira, de 36 anos, engenheira que hoje é vice-presidente de branding e business development da empresa (em 2017, ela foi considerada uma das mulheres mais poderosas do Brasil pela FORBES). O time de fundadores foi completado com Edward Wible, americano de 35 anos e ex-consultor do Boston Consulting Group. Wible, formado em ciência da computação, é o CTO da fintech. O trio fundou o Nubank numa casa na Rua Califórnia, no bairro paulistano do Brooklin.
A concorrência
Um sistema financeiro conservador é justamente um dos obstáculos que o jovem banco busca transpor. A chegada do “Davi” Nubank ao mercado fez com que os “Golias” tradicionais se movimentassem. “Nossa posição desde o começo é de que a concorrência leal é importante em serviços financeiros. A indústria bancária é fundamental para o Brasil, e o fato de haver tanta concentração bancária aqui é muito ruim para a economia e para o consumidor”, ressalta. “É importante oferecer alternativas e criar espaço para tal, mas isso não significa ameaçar os bancos. Temos uma concorrência muito saudável, e os bancos têm olhado o advento das fintechs como um bom desafio que os faz pensar mais no consumidor, inovar mais e serem melhores empresas de uma forma geral.”
Considerando sua trajetória de crescimento, a fintech também pode ter se tornado uma empresa atrativa para esses mesmos oligopólios com os quais compete. Mas Vélez nega a possibilidade de que sua empresa possa estar à venda: “O Nubank nasceu com o objetivo de revolucionar os serviços financeiros no Brasil, e isso não é uma missão a ser conquistada no curto prazo. Ainda há muito a fazer. Não está em nenhum plano futuro vender a empresa”, garante o executivo.
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Ao mesmo tempo, a oferta de serviços financeiros digitais no Brasil já se multiplica, com exemplos incluindo o Next, o banco online do Bradesco, e produtos equivalentes do Banco Inter, Agibank e Sofisa. Várias dessas empresas oferecem soluções aparentemente mais completas que as do Nubank, como funções de gestão financeira, crédito e cartão de débito.
O Nubank atualmente oferece um cartão de crédito, o programa de recompensas Rewards e a NuConta, uma conta de pagamento onde o dinheiro depositado rende automaticamente em uma taxa indexada aos títulos públicos, mais rentável que a poupança. Vélez diz estar se preparando para oferecer mais produtos, mas no “tempo certo”.
“Estamos construindo algo passo a passo, uma empresa que ainda estará por aqui nos próximos 50, 100 anos. Buscamos bases culturais, de tecnologia e de infraestrutura muito sólidas e temos um roadmap de produtos bem ambicioso para os próximos anos,” promete. “Se tivéssemos a visão de montar uma empresa para ser vendida em três ou quatro anos, talvez a gente lançasse 50 produtos diferentes de saída para parecer que estamos fazendo muita coisa e vender. Mas não é o caso.”
Enquanto o Nubank leva o tempo que acha necessário para oferecer mais serviços financeiros, clientes podem, obviamente, debandar para a competição. “Isso pode até acontecer no curtíssimo prazo, mas no final seremos a ganhadora. Ainda que existam segmentos onde não seremos o primeiro entrante, a marca que estamos criando e nosso relacionamento com o cliente, bem como a qualidade e a competitividade dos produtos que vamos criar, será muito superior”, afirma o colombiano. “Por três anos, o único produto que tivemos foi o cartão de crédito. Para construir as fundações desta plataforma, tivemos que desenvolver muita tecnologia dentro de casa. Isso faz parte da nossa visão de longo prazo, e seguiremos dessa maneira.”
Aprendizado com líderes globais
A paciência incutida no estilo de gestão de Vélez também se reflete em ambições futuras de expansão. O empreendedor admite que crescer internacionalmente é uma possibilidade, mas a fintech ainda não definiu quando isso ocorrerá nem qual será o próximo país a receber a “revolução roxa” – termo usado pela empresa em alusão à cor dos seus cartões de crédito.
“Vários países da América Latina têm populações muito jovens que usam Netflix, Uber, Spotify e que se relacionam com serviços essenciais através de tecnologia. Esses países também têm oligopólios bancários igualmente concentrados e com taxas muito altas, que usam tecnologia de forma antiquada e não colocam o cliente no centro de suas estratégias,” ressalta o executivo.
Sobre expansão internacional, ele diz: “Talvez esteja num horizonte de cinco, dez anos. Não temos bem claro qual seria [o ponto inicial da expansão], mas muitos países latinos têm características bem parecidas com o Brasil. Vemos muitos pontos em comum, mas ainda não estudamos as particularidades de cada mercado a fundo”.
A internacionalização, por enquanto, se dá em outras frentes. Para ter acesso ao conhecimento tecnológico necessário para o desenvolvimento de sua plataforma, a empresa criou um centro de engenharia em Berlim no ano passado. O escritório hoje conta com 13 programadores que trabalham em conjunto com a equipe brasileira no desenvolvimento da infraestrutura de dados.
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Apesar da iniciativa na Europa e de a empresa atrair talentos internacionais para trabalhar em São Paulo, a escassez de talentos é apontada como um desafio recorrente no plano de crescimento da empresa. “Além disso, nossa língua principal aqui no Nubank é o inglês e, apesar de incentivarmos que os estrangeiros aprendam a falar português, também é importante que nossos funcionários entendam a tendência de que a empresa seja cada vez mais global.”
A globalização também é evidente em sua base de investidores, que inclui os fundos estrangeiros DST Global, Sequoia Capital e Kaszek Ventures – além da gigante de tecnologia chinesa Tencent, que recentemente investiu US$ 180 milhões na startup.
A Tencent está na vanguarda global da indústria de serviços financeiros por causa da capacidade de oferecer serviços multiplataforma através de suas empresas de tecnologia, com foco especial em mobilidade. Para Vélez, o investimento minoritário da empresa chinesa “não muda a estrutura de controle e tomada de decisões do Nubank”, mas a parceria fará muita diferença do ponto de vista estratégico: “Nossa meta é observar no mundo inteiro o que está na frente em termos de tecnologia, o que os líderes de mercado estão fazendo. Teremos acesso à expertise da Tencent para desenvolver o Nubank como uma empresa que vai ajudar a criar o futuro de serviços financeiros no Brasil”. Vélez elabora essa visão, dizendo que a ideia é construir uma plataforma completa de serviços para atender não só a clientela atual, como também os brasileiros desbancarizados – nada menos que 60 milhões de clientes potenciais.
Reportagem publicada na edição 63, lançada em novembro de 2018
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