Em uma tarde de verão em São Francisco, nos EUA, Peter Szulczewski sobe as escadas para o topo de um arranha-céu na Sansome Street, após passar andares com cientistas e engenheiros de dados da Wish, mesas de sinuca e equipamentos de DJ. As grandes janelas do prédio oferecem uma vista completa da cidade.
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A maioria dos clientes de Szulczewski não trabalha em escritórios como aquele, mas sim no norte da Califórnia. A maioria não ganha muito bem. Os clientes da Wish normalmente são norte-americanos da classe mais baixa do país, de lugares como o Panhandle da Flórida ou Texas Oriental, compradores das populares lojas Dollar Store, a 1,99 dos EUA, que consideram a assinatura anual da Amazon Prime, de US$ 120, muito cara.
“41% das famílias norte-americanas não chegam a ter renda líquida de US$ 400”, diz Szulczewski, ao se referir à última estimativa do Fed, o Banco Central dos EUA. Ele conta que os clientes do seu site de super barganhas costumam ter seus cartões de crédito recusados, na maioria das vezes, até o dia do pagamento. Polonês, o ex-engenheiro do Google de 37 anos é obcecado pelas finanças das pessoas “normais” e usa todo esse interesse para adaptar um mercado de comércio eletrônico exclusivamente para esse público, repleto de mercadorias de origem chinesa.
A Wish foi o aplicativo de compras mais baixado do mundo em 2018, e agora é o terceiro maior mercado de comércio eletrônico nos EUA. Mundialmente, cerca de 90 milhões de pessoas o acessam pelo menos uma vez ao mês. Mesmo com uma queda de 15% em vendas, a Wish dobrou sua receita no ano passado, para US$ 1,9 bilhão. A partir de sua última rodada de captação de investimentos, foi avaliada em mais de US$ 8,7 bilhões, o que fez com que os 18% de participação de Szulczewski o tornassem um bilionário. Szulczewski diz que os investidores já podem esperar um IPO em um ou dois anos.
A Wish dificilmente é o primeiro aplicativo de e-commerce a rastrear os cliques de clientes: a Amazon gerou mais de US$ 200 bilhões da mesma forma. A empresa agora compete com a AliExpress e com a gigante de Jeff Bezos, a fim de oferecer ainda mais itens chineses aos clientes, assim como grande número de vendedores terceirizados. Mas enquanto a Amazon continua lançando novidades como streaming de vídeo e pronta-entrega, Szulczewski não se preocupa muito isso. As blusas da Wish custam US$ 2, e mais US$ 2 de frete, as cópias do Apple Watch custam US$ 9, mais US$ 3 de envio, e os smartphones Android custam cerca de US$ 27. Os produtos podem levar semanas para chegar. Mesmo assim os compradores geralmente navegam por uma média de 600 a 700 itens, hipnotizados por todos aqueles produtos. Cerca de 80% dos clientes de primeira viagem da Wish compram uma segunda vez.
O frete é barato devido a um acordo entre o China Post e o Serviço Postal dos EUA, que permite que mercadorias com um peso de 2 kg, ou menos, sejam enviadas por taxas mais baixas. Cerca de 15% dos envios da Wish entram nessa qualificação. Graças ao acordo, nos EUA, atualmente, pode ser mais barato importar um pacote de Pequim para Nova York do que da Carolina do Sul. Isso é importante porque muitos comerciantes chineses não podem fazer uso de grandes companhias, como a FedEx ou a DHL, e nem mesmo armazenar seus produtos em depósitos remotos, como acontece com a Amazon.
A Wish tem perdido cerca de US$ 190 milhões por ano, mas isso pode melhorar caso a empresa pare de gastar tanto com marketing. A Wish já fez grandes campanhas na Pandora e no Snapchat e é uma das maiores anunciantes do Facebook. Em 2017, a Wish assinou um contrato de US$ 30 milhões para patrocinar o Los Angeles Lakers por três anos, pois o time de basquete da NBA é popular na China. Além disso, Los Angeles também é um dos maiores mercados metropolitanos da Wish.
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Ao analisarmos a concorrência, provavelmente foi um dinheiro bem gasto. Mark Zuckerberg falou recentemente que pretende fazer com que o Instagram se torne uma via mais fácil de vendas, o que colocaria o Facebook como um possível concorrente. O mercado de terceiros da Amazon é responsável por metade de todos os produtos que vende (em volume, não em receita), 30% a mais do que há 10 anos. Para enfrentar a Wish, a Amazon lançou recentemente uma seção de “ofertas”. Enquanto isso, para provocar a China, Donald Trump pode reverter o acordo entre as empresas de postagem dos dois países, o que fará que o frete da Wish fique mais caro.
Um problema crítico é que muitos produtos vendidos pela Wish são inúteis, de má qualidade, até mesmo falsificações. Há centenas de críticas negativas para a Wish em sites de avaliações. Os clientes não estão satisfeitos com o atendimento ao cliente que não responde e com os vendedores, que às vezes sequer enviam os produtos. Szulczewski contratou Connie Chang, ex-gerente de comunidade do Facebook, para resolver esse problema. Com um senso de oportunidade capaz de impressionar o próprio Bezos, Connie está reunindo cerca de 10.000 usuários da Wish para eliminar “falsos anunciantes” em troca de produtos gratuitos e descontos. Mas Szulczewski parece não se incomodar tanto com o desafio do controle de qualidade, ao apontar que, às vezes, os próprios clientes são o problema. “Vendemos 5 milhões de lentes de contato por ano”, ele exemplifica. “Alguns simplesmente podem estar fazendo mau uso delas.”
O homem, que já anunciou mais de 300 milhões de produtos na Wish, cresceu cercado de prateleiras vazias na Polônia comunista dos anos 1980, no terceiro andar de um prédio pequeno na Varsóvia, capital do país. Ele tinha 11 anos quando a União Soviética entrou em colapso, e seus pais se mudaram para Waterloo, no Canadá, a cerca de 110 quilômetros a oeste de Toronto. Ele frequentou a Universidade de Waterloo, que tem como ex-alunos os fundadores do Kik Interactive e do Instacart. Nas aulas de matemática e informática da faculdade, ele conheceu outro imigrante, Danny Zhang. Os dois jogaram futebol juntos e se tornaram amigos. Na época, Zhang jogava tão bem que até considerou a ideia de se tornar atleta profissional.
Em junho de 2007, Szulczewski foi transferido para o novo escritório do Google na Coreia do Sul e aprendeu sobre tecnologia fora da bolha do Vale do Silício. Os coreanos preferiam portais de busca poluídos, mas lotados de informações, em vez do design limpo do Google. Ex-colega de empresa, Mark Rabkin diz se lembrar de debater o assunto com Szulczewski durante uma visita. “Eu sabia que ele estava começando a pensar como um morador local”, conta Rabkin, que hoje é executivo de publicidade no Facebook. Aquela experiência ajudaria a ajustar a estratégia de Szulczewski para a Wish: ele aprendeu a construir aquilo que as pessoas desejam, e não o que o Vale do Silício acha que elas devem querer.
Szulczewski saiu do Google em 2009 com economias suficientes para o sustentar por dois anos. Ele passou seis meses em casa escrevendo um código de um software que pudesse prever os interesses dos consumidores com base no comportamento de navegação deles, usando os resultados para exibir o anúncio ideal. O sistema foi batizado de ContextLogic.
Em setembro de 2010, os investidores aplicaram US$ 1,7 milhão na ContextLogic, graças à recomendação feita pelo amigo de Szimczewski e CEO da Yelp, Jeremy Stoppelman. “O plano de negócios dele se baseava em competir com o Google no AdWords, na Coreia, ou algo assim”, relembra Jerry Yang, o bilionário da Yahoo! que investiu na Wish por meio de seu fundo, AME Cloud Ventures. Segundo ele, a tecnologia da empresa era muito boa.
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Então, as coisas quase deram errado. Em 2011, o Facebook foi atrás do mecanismo de recomendação de Szulczewski e ofereceu US$ 20 milhões para integrar o ContextLogic em seu próprio sistema de anúncios. Quando Szulczewski recusou o dinheiro, um de seus investidores invadiu o novo escritório da startup em Pine Street, revoltado: “Trabalhe para alguém que seja bom nos negócios”.
Ao invés disso, Szulczewski seguiu em frente. No final de 2011, ele e Zhang lançaram o antecessor da Wish, Wishwall.me. Por meio de anúncios no Facebook, eles convidaram pessoas a visitar uma coleção de produtos com curadoria da Wish. A empresa não vendeu nenhum desses produtos, outros sites fizeram isso, mas as pessoas podiam criar as famosas “wish lists” (listas de desejos) de artigos para ciclismo ou decoração de casa. “Algumas pessoas só querem fazer isso”, conta Szulczewski.
Por exemplo, quando os visitantes do site “curtiam” toalhas de banho ou velocímetros de bicicletas, recebiam recompensas como itens gratuitos e descontos, o que fazia com que eles ficassem sempre por perto. A Wish reuniu dezenas de milhares de usuários e enviou e-mails para dezenas de comerciantes que vendiam esses produtos no eBay e na Amazon. A Wish prometeu os apresentar a um grupo de compradores em potencial, mas apenas se o comerciante reduzisse entre 10% a 20% o preço em relação a outras plataformas de venda. Para priorizar o crescimento, a Wish não cobrava comissão. Quando os vendedores concordavam com a oferta, a Wish informava aos usuários que aquele produto estava disponível, e com desconto, no site.
Quando Hans Tung, um investidor da GGV Capital, na Califórnia, conheceu Szulczewski, em outubro de 2013, ficou impressionado com o que viu. Um mapa mostrava que a maior parte das vendas da Wish não vinha de Nova York ou da Califórnia, mas sim da Flórida, do Texas e da parte mais central do país. Tung enxergou ali algumas coincidências com o TaoBao, um mercado peer-to-peer da Alibaba que estava prestes a se tornar o maior site de comércio eletrônico do mundo. A TaoBao sabia que havia um mercado global carente de produtos baratos e sem marca, mas continuava focada na China. “A Wish foi uma espécie de TaoBao, no celular, para o resto do mundo”, diz Tung.
A política de estreia da Wish significava que as vendas estavam decolando, mas que muitos problemas de controle de qualidade também começaram a existir, o que é inevitável quando se tem um milhão de comerciantes cadastrados. Para contextualizar, a Amazon conta com cerca de 2,5 milhões de comerciantes terceiros ativos, enquanto a Walmart tem cerca de 21 mil, segundo a Marketplace Pulse, especializada em inteligência de comércio eletrônico.
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“Subestimei o quão desafiador é o controle de qualidade”, afirma Szulczewski. Enquanto caminha por um dos andares do escritório de São Francisco, ocupado pelo seu time de mídia social, ele aponta para o símbolo de seu maior problema: uma coleção de caixas de papelão, empilhadas até o teto. Aqueles eram os produtos mais populares do site naquela semana e estavam prestes a ter amostras verificadas pelos membros da equipe de qualidade.
Alguns dos anunciantes causam problemas à Wish. Um vendedor, por exemplo, anunciou tablets por 70 dólares na Wish, mas os clientes receberam uma carta, quase toda em inglês, que afirmava que o tablet estava a caminho. Mas o produto nunca chegou. A Wish foi também criticada no ano passado devido a algumas maquiagens que provocaram conjuntivite. Alguns vendedores criaram mais de 1.000 contas na plataforma para evitar o policiamento. Outro truque é vender um produto com ótimas resenhas, depois trocá-lo por outro de origem diferente e mais barata, mas continuar a exibir as resenhas antigas.
Para resolver isso, a Wish seleciona automaticamente cerca de 8 milhões de produtos em uma semana, ou cerca de 3% de todos os produtos disponíveis no site. A maioria é cortada porque os visitantes passaram pelo item pelo menos 1.000 vezes e não clicaram nele nenhuma vez. A Wish também seleciona produtos de vendedores que receberam críticas negativas. Para detectar automaticamente os produtos falsificados, os engenheiros da Wish treinaram seu software, que agora é capaz de identificar comentários falsos sobre o produto. O software agora também consegue detectar frases sem sentido.
No geral, há um conjunto de aproximadamente 60 regras para tudo isso acontecer. Se os algoritmos da Wish descobrirem que um comerciante listou produtos falsificados ou enviou um pedido com um número de rastreamento falso, a multa é de US$ 500. O envio de um pacote falso representa uma multa no valor de US$ 10 mil. Segundo Szulczewski, a Wish coleta cerca de US$ 3 milhões por mês somente em multas. Os vendedores também podem ser expulsos da plataforma. Por outro lado, as críticas positivas podem levar a pagamentos mais rápidos ou a uma classificação mais elevada nas pesquisas.
Zhang, que está a 9.656 km de distância supervisionando operações em três locais da China, e com 150 funcionários, é extremamente paranóico, e atento, a essas questões. “Os vendedores se preocupam primeiramente em ganhar dinheiro”, diz. As regras e o software de monitoramento nem sempre funcionam. Segundo ele, os anunciantes consideram a plataforma da Wish muito robótica, o que significa que não há como negociar um bom acordo por meio de relacionamentos pessoais com a equipe da plataforma.
“Isso nunca será perfeito”, admite Tung, investidor do GGV. “Você tem o produto equivalente ao preço que você pagou”. Mas Szulczewski faz uso de uma imagem mais otimista. Nosso sistema baseado nos dados dos clientes, que começará a operar na Wish, pode significar mais reviews, software de direcionamento mais inteligente e, eventualmente, itens de melhor qualidade. “Os smartphones sem marca, por exemplo, vão melhorar a cada ano”, afirma, “assim como seus iPhones”.
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